Não basta ser uma primeira-dama midiática, é preciso se projetar mundialmente como uma liderança moderna, cultural e humanitária.
Para isso, Janja Silva inicia nesta quinta (14) seu projeto mais ambicioso: promover-se como protagonista dos eventos que antecedem a cúpula de chefes de Estado do G20, marcada para a próxima semana no Rio de Janeiro.
Disposta a conquistar uma audiência jovem, a socióloga se coloca como organizadora informal do Cria 20, um encontro de influenciadores digitais dedicado à discussão de temas ligados à nova economia e às mudanças climáticas.
A grande estrela dessa programação, além dela mesma, não poderia ser outra se não o youtuber Felipe Neto, um dos principais apoiadores de Lula na internet nas eleições de 2022.
Sua grande cartada, no entanto, acontece em paralelo, e mais voltada ao grande público. Trata-se do Aliança Global Festival Contra a Fome e a Pobreza, idealizado por ela e que ganhou o apelido de Janjapalooza (mas também poderia ser Janja in Rio).
Divididos em três noites temáticas, os shows contam com o “apoio direto” (leia-se recursos) do Ministério da Cultura, da Prefeitura do Rio de Janeiro e de empresas públicas que não estão nadando em lucros extraordinários — como Banco do Brasil, Caixa Econômica, Itaipu e Petrobras.
Cada um dos 30 artistas convidados receberá um cachê, considerado simbólico, de R$ 30 mil. Ou seja: a festa, que tem entrada gratuita e acontece na zona portuária da cidade, custará quase R$ 900 mil apenas em pagamentos para o elenco, sem contar os custos adicionais de curadoria, estrutura, produção e segurança.
Segundo uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, só a Itaipu deu R$ 15 milhões para os eventos paralelos do G20. Já o patrocínio da Petrobras é da ordem de R$ 18 milhões, porém contempla toda a cúpula. Banco do Brasil, Caixa e BNDES não informaram seus investimentos. E o MinC afirmou que revelará o custo total das ações posteriormente.
"Esse é o momento de celebrar a arte e a cultura como um poder transformador de combate à fome e a pobreza no mundo", disse Janja em suas redes sociais, ao anunciar em primeira mão a realização dos shows — e reforçar, mais uma vez, sua influência desproporcional no governo.
Artistas que “fizeram o L” são as estrelas do Janjapalooza
Em janeiro de 2023, para marcar a posse de Lula, a primeira-dama já havia tomado a frente de outro evento musical: o Festival do Futuro, que contou com recursos doados por partidos aliados, empresários, centrais sindicais e entidades da sociedade civil.
O encontro — encabeçado por figuras como Pabllo Vittar, Gaby Amarantos e Chico César — recebeu críticas até de setores da esquerda, que se queixaram da ausência de artistas realmente populares na escalação.
Dessa vez, no entanto, Janja corrigiu a rota e convidou nomes do porte de Alceu Valença, Ney Matogrosso, Daniela Mercury, Diogo Nogueira, Seu Jorge, Fafá de Belém, Zeca Pagodinho, Maria Rita e Maria Gadú. Além de mais conhecidos do público, eles têm em comum o fato de apoiar publicamente o presidente Lula nas últimas eleições.
Mesmo Zeca Pagodinho, que muitos pensavam ser apolítico, “fez o L” descaradamente. Ele já havia se encontrado com o petista em diferentes ocasiões ao longo dos anos, porém em 2022 foi mais enfático em seu posicionamento.
Ainda em abril, após um show em São Paulo, chegou a insinuar que deixaria o Brasil caso Jair Bolsonaro se reelegesse. E explicitou sua relação com Lula: “A gente gosta de tomar cerveja junto. Ele ainda não foi ao meu bar, mas disse que quer ir”.
Não que o sambista precise dos R$ 30 mil “simbólicos” oferecidos pelo governo. Mas sua escalação não deixa de ser uma demonstração de que Janja sabe prestigiar e recompensar seus aliados culturais.
Também não custa lembrar que Zeca Pagodinho é o garoto-propaganda de um programa de hortas comunitárias do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Um dos principais parceiros desse projeto é o próprio o cantor, por meio de um instituto que mantém em Xerém, no município de Duque de Caxias (RJ).
Evento que “celebra a diversidade” barrou os sertanejos
Apesar de ser comparado pelos organizadores com o Live Aid (evento internacional que arrecadou milhões de dólares para ajudar países africanos), o Janjapalooza não inclui nenhuma iniciativa prática de combate à fome.
Seu caráter é meramente simbólico, apoiado numa alegada diversidade da música brasileira. Ainda assim, o sertanejo, gênero hegemônico do país (e cujos principais astros têm posicionamentos conservadores), não está representado.
O tema desta quinta-feira (14) é “Muito Obrigado Axé”, com inspiração na “ancestralidade e herança africanas”. Apresentam-se Afrocidade, Aguidavi do Jêje, Daniela Mercury, Diogo Nogueira, Ilessi, Larissa Luz, Mateus Aleluia, Rachel Reis, Rita Benneditto, Roberto Mendes e Seu Jorge.
A noite de sexta-feira (15) leva o nome de “O Show tem que Continuar” e homenageia “o povo, a arte, o movimento e a rua”. Na escalação, os sambistas Marcelle Mota, Maria Rita, Mariene de Castro, Pretinho da Serrinha, Roberta Sá, Teresa Cristina, Zeca Pagodinho.
Por fim, a programação de sábado (16), intitulada “Pro Dia Nascer Feliz”, “reúne múltiplas sonoridades e vertentes musicais para celebrar a diversidade e a esperança em um futuro com justiça social”. Alceu Valença, Fafá de Belém, Jaloo, Jota.Pê, Jovem Dionísio, Kleber Lucas, Lukinhas, Maria Gadú, Ney Matogrosso, Romero Ferro e Tássia Reis são os artistas convidados.
Como se vê, o governo manipula a "cultura da inclusão" para recompensar aliados, promover sua agenda ideológica e construir uma imagem internacional de compromisso social. Tudo isso com Janja no centro da cena, às custas de muito dinheiro público.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e apoiadores reagem a relatório da PF que indiciou 37. Assista ao Entrelinhas
Deputados da base governista pressionam Lira a arquivar anistia após indiciamento de Bolsonaro
Otan diz que uso de míssil experimental russo não vai dissuadir apoio à Ucrânia
Deixe sua opinião