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No último dia 13, Renan Santos apareceu pela primeira vez em uma pesquisa eleitoral para presidente da República.
O levantamento Genial/Quaest o testou em diferentes cenários, incluindo uma disputa de segundo turno com Lula. Neste cenário, ele registrou 25% das intenções de voto, contra 42% do petista (com o restante dividido entre brancos, nulos e abstenções).
Se você não o conhece, isso é compreensível: 74% dos entrevistados também não sabem quem é Renan Santos, lançado candidato pelo recém-criado Missão — o “partido do MBL”, oficializado pelo Tribunal Superior Eleitoral no início deste mês.
A escolha do paulista de 41 anos para encabeçar a chapa da nova sigla de direita obviamente não tem relação com sua popularidade. Há figuras do próprio Movimento Brasil Livre, ou próximas do grupo, mais conhecidas e seguidas nas redes sociais.
Renan, no entanto, ocupa uma posição que os números brutos não mostram. Além de liderar o grupo desde a fundação, ele mantém uma base de apoiadores engajada, que conquistou ao longo de anos de lives diárias realizadas na internet.
Esses militantes apoiam o MBL financeiramente (comprando cursos ou fazendo doações diretas) e, acima de tudo, compartilhando cortes de seus discursos. Tudo para multiplicar a ideia de que o Missão representa uma alternativa de direita viável fora do bolsonarismo.
Banda de rock
Nas transmissões ao vivo, que podem durar horas, Renan Santos reveza análises conjunturais, comentários sobre os acontecimentos do dia e revelações acerca de suas preferências culturais (ele inclusive canta e toca guitarra numa banda de rock chamada Limão Rosa).
As lives também servem de plataforma para ele lançar ataques duros — muitas vezes agressivos — contra seus adversários. E não apenas da esquerda.
Boa parte de suas críticas é direcionada aos bolsonaristas. Renan costuma acusá-los de oportunismo, de não apresentarem um projeto consistente para o país e de terem entregado pouco quando estiveram no poder.
Para os seguidores, essa linguagem (apresentada num formato que mistura monólogo e uma exposição quase de reality show) é sinônimo de autenticidade. E assim Renan transforma audiência em militância ativa.
É o que os profissionais de marketing chamam de taxa de conversão alta: muita gente que apenas o assiste acaba virando voluntário, divulgador ou defensor do seu projeto.
A mobilização na bolha do MBL, porém, ainda está distante do eleitorado comum, nem sempre familiarizado com as narrativas típicas do ambiente político do YouTube — que explora a polarização e o confronto para atrair visualizações.
Rumores de financiamento internacional
Mesmo pouco conhecido do grande púbico, Renan Santos construiu uma carreira política acompanhada de perto pela imprensa — que há mais de uma década registra, acima de tudo, episódios controversos envolvendo seu nome.
Ex-aluno de Direito da USP (não concluiu o curso), Renan fundou o MBL em 2014, enquanto trabalhava com o pai num negócio de recuperação de empresas em dificuldade financeira. Já naquela época, reportagens questionavam a independência política da organização, que se apresentava como apartidária.
Trechos de áudios vazados indicavam que o movimento fazia acordos com pelo menos quatro partidos para “usar a máquina deles” na divulgação das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. O MBL confirmou a existência de uma cooperação com a Juventude do PSDB, mas negou ter recebido apoio financeiro direto.
Também são recorrentes, desde o início do movimento, rumores de financiamento internacional (sobretudo da rede Atlas Network, que articula organizações liberais em vários países).
Renan nega que o MBL tenha recebido qualquer recurso externo. Ainda assim, em 2017, o hoje deputado Kim Kataguiri disse ao jornal britânicoThe Guardian que coordenadores do MBL receberam treinamento da Students for Liberty — entidade historicamente ligada aos irmãos Koch (bilionários americanos conhecidos por apoiar causas libertárias e conservadoras).
Kataguiri, no entanto, agora esclarece que, na época do impeachment, apenas foi convidado a viajar aos Estados Unidos para dar uma palestra a grupos libertários interessados em entender o que estava acontecendo no Brasil.
Piada com estupro
As turbulências não se limitam ao campo político. Ao longo dos anos, matérias apontaram que a família dele acumulou mais de cem processos, com cobranças na casa dos R$ 20 milhões.
Em paralelo, documentos da Receita Federal sugeriam que os Santos compravam empresas à beira da falência e não pagavam os devidos impostos. Ainda veio à tona uma dívida com a União superior a R$ 6 milhões, além de uma investigação da Polícia Federal por suspeita de lavagem de dinheiro.
Renan rebate todas essas denúncias: afirma não ter pendências tributárias nem histórico criminal.
Houve também uma acusação de tráfico de influência apresentada em 2020 pelo Ministério Público de São Paulo. Segundo o MP, ele interferiu na contratação de um empresário para ocupar um cargo no governo de São Paulo em troca de doações. A alegação foi rejeitada pela Justiça, mas amplamente divulgada.
Outros desgastes são derivados do estilo provocativo de Renan Santos. Em 2021, por exemplo, as redes bolsonaristas resgataram e fizeram circular um vídeo no qual ele faz uma “piada” com estupro.
No ano seguinte, Renan descreveu, de forma sarcástica, como gostaria que seus apoiadores matassem o jornalista progressista Pedro Dória, do canal Meio. Doria se sentiu ameaçado e disse que o líder do MBL “brincou com assassinato político”.
O “Livro Amarelo”
Até o processo de formação do Missão virou motivo de polêmica. Segundo uma reportagem do site de esquerda The Intercept, militantes esconderam sua ligação com o MBL e recorreram a pautas como a defesa da Amazônia para conseguir as assinaturas necessárias.
Em sua defesa, o movimento afirmou ter comunicado ao Ministério Público todas as suspeitas de irregularidade envolvendo os coletores e garantiu que as fichas sob questionamento não foram contabilizadas.
O programa do Missão está sintetizado no Livro Amarelo, na verdade uma coleção de fascículos lançados e vendidos separadamente na internet.
Na área de segurança pública e Justiça, principal pauta do MBL no momento, a sigla propõe uma “guerra ao crime organizado” por meio do endurecimento penal e a retomada de territórios hoje dominados por facções.
Na economia e estrutura, o Missão prega a redução do Estado (com exceções “estratégicas”), a industrialização do Nordeste e a adoção de reservas em Bitcoin.
Já no sistema político, o partido busca uma ruptura com o sistema atual. Uma de suas propostas é avaliar o desempenho de prefeitos e governadores por critério objetivos (como educação, saneamento, IDH), para vincular o acesso a recursos à entrega de resultados.
Suposta imaturidade
Em entrevista à Gazeta do Povo, Renan Santos comentou algumas das críticas que enfrenta, a relação do MBL com o bolsonarismo e a expectativas para as eleições de 2026. Começando pela promessa de que não mudará sua postura durante a campanha — mesmo sob o risco de ter declarações controversas do passado usadas contra ele.
"Vou ser o mesmo cara das lives. Se eu ficar com medo, me polindo demais, as pessoas vão perceber que tem algo errado”, diz.
Sobre a suposta imaturidade dos membros do MBL, considerados pelos adversários muito jovens e sem responsabilidades na vida pessoal, o candidato afirma que a maior parte do núcleo nacional do grupo é casada ou tem filhos.
Mas Renan reconhece que sua trajetória (bem como a de correligionários como Arthur do Val e Kim Kataguiri) é diferente — e, segundo ele, obedece a uma espécie de "sacerdócio político", com dedicação total.
Fim do bolsonarismo?
Outro ponto da entrevista foi por que o bolsonarismo não conseguiu criar um partido próprio. “Falta de inteligência”, ele resume.
“Eles se fiaram na ideia de que o povo iria mandar assinaturas aos montes para eles. Confundiram eleitor com militante e militante com coletor de assinatura.”
A conversa então avança para a prisão de Jair Bolsonaro e a discussão sobre um possível “fim do bolsonarismo” (que o próprio Renan anunciou em seu canal). Para ele, foi um momento “melancólico” para o ex-presidente e “sem glória” para Alexandre de Moraes.
Questionado sobre o fato de que o MBL também teve seu fim decretado há alguns anos, o candidato compara a diferença de estratégia dos dois movimentos. “A decisão mais inteligente que a gente tomou foi se jogar do precipício em 2019. Ficamos trabalhando abaixo do radar.”
Enquanto isso, ele afirma, os bolsonaristas “ficaram viciados na cultura do like e do seguidor fácil, de só falar das coisas mais fáceis”.
Quanto à relação do MBL com o STF, Renan diz que o grupo contesta muitas decisões da Corte — mas se recusa a participar da guerra “suicida” promovida pelo bolsonarismo. Para ele, o ex-presidente “escolheu as lutas erradas, nas horas erradas, com os aliados errados”. “E perdeu todas elas”, diz.
Projeção ambiciosa
Para 2026, ele estabelece uma meta ambiciosa: “Nós temos que ser uma das três expressões políticas mais poderosas do Brasil”.
O candidato projeta três blocos principais no cenário político a partir do próximo ano: uma “centro-direita bolsonarista” (representada possivelmente por Tarcísio de Freitas), uma esquerda populista lulista (com o reforço do PSOL) e “o modelo reformista o Missão”.
“Acho que o futuro são essas três forças. Espero que a nossa destrua as deles”, afirma.
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