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A cantora baiana Claudia Leitte | GIULIANO GOMES/Gazeta do Povo
A cantora baiana Claudia Leitte| Foto:

Talvez nem o mais pessimista dos teóricos da indústria cultural pudesse prever um momento tão grotesco quanto o protagonizado por Silvio Santos durante o Teleton, neste sábado (10). O dono do SBT se recusou a abraçar a cantora Claudia Leitte porque “esse negócio de abraço me deixa excitado”. Constrangida, Leitte tentou desconversar: “Você quis dizer excitado de euforia, empolgação, entusiasmo, né?” Santos insistiu: “Não, excitado mesmo”. Tudo isso com a mulher do apresentador, Iris Abravanel, na plateia, tentando disfarçar o embaraço com um sorriso amarelo.

Silvio Santos ainda fez vários comentários sobre o vestido da cantora, a medindo de cima a baixo. E ainda perguntou se ela havia perdido o marido. Um momento deplorável em meio a um momento dedicado a uma causa tão nobre quanto a defendida pelo Teleton, que é arrecadar fundos para a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), que ajuda pessoas com deficiências. O programa foi criado nos Estados Unidos e ganhou uma versão brasileira por iniciativa de Silvio Santos, faz 20 anos, após uma de suas filhas nascer com um problema neurológico.

Nossas convicçõesO valor da família

Diante do utilitarismo que toma conta da lógica vigente no Brasil, é permitido que Silvio Santos faça o que fez com Claudia Leitte porque o fim — dinheiro para crianças deficientes — justificaria o meio — o assédio descarado. A filosofia do utilitarismo sustenta que as ações devem ser julgadas certas ou erradas caso aumentem ou diminuam o bem-estar humano — quanto mais pessoas beneficiadas, mais felicidade, mais correta estaria a ação.

Nossas convicçõesO alcance da noção de dignidade da pessoa humana

O utilitarismo tem um problema que é o de desconsiderar que a maioria das ações devem ser tomadas com base no valor intrínseco delas. A moral não é um jogo matemático, caso contrário seria aceitável ações ruins de maiorias contra minorias, desde que mais gente ficasse feliz do que infeliz.

Se em civilizações como a grega e a romana as mulheres eram consideradas inferiores, propriedades de seus maridos e de seus pais, que dispunham como queriam dos corpos femininos, a ascensão uma nova ética e moral fez com que tais noções fossem rejeitadas, culminando com o reconhecimento de que ambos os sexos têm uma igual dignidade.

Nossas convicçõesA valorização da mulher

Mesmo que os direitos das mulheres tenha sido uma conquista relativamente recente, não existe mais volta, felizmente. Claudia Leitte obviamente não mereceu sofrer o assédio praticado por Silvio Santos porque já vai longe o tempo em que as mulheres pertenciam a seus pais, maridos e suseranos.

A atitude do apresentador é agravada por desvirtuar a comunicação, transformar um meio nobre em veículo para a baixeza. Os veículos de comunicação têm um papel essencial na construção de uma sociedade saudável. Não é só isso: as empresas de comunicação têm a responsabilidade de difundir uma visão humanística renovada, baseada em verdades às vezes esquecidas, como a dignidade da pessoa humana, para que aqueles que consomem a informação possam fazer melhores escolhas.

Nossas convicçõesFortalecer laços tem de ser a prioridade da comunicação social. Para isso, é preciso comunicar o que é mais nobre, o que nos une

Pode ser que no futuro se revele que Santos, aos 87 anos, não estava em suas perfeitas condições mentais no momento em que faltou com o respeito à cantora. Neste caso, seus familiares podem tomar as providências para cuidar do assunto com a discrição e dignidade necessárias.

Caso contrário é bom que fique claro: o que aconteceu no sábado foi assédio. Apontar isso não é mimimi nem um sinal que “o mundo está chato”, e sim mostrar que certas atitudes não podem mais ser toleradas, seja lá de quem venham.

Claudia Leitte poderia ter dado o troco na mesma moeda, mas se portou com uma elegância que poucos teriam num momento tão difícil. Nesta segunda-feira, em entrevista à Globo, ela deu uma declaração exemplar:

"Precisamos nos preocupar com o que vamos deixar. Não podemos falar qualquer coisa, não podemos permitir que o outro se sinta mal. Somos breves e temos que deixar rastros de amor por onde estamos passando, agora."

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