Em buscas de publicações científicas, ainda não há um consenso de que o banimento total de celulares nas escolas melhora o desempenho e a saúde mental dos estudantes. Mas consenso não é necessário na ciência: as evidências, se suficientes, bastam para apoiar uma conclusão. Cresce o número de profissionais da educação e pesquisadores que consideram benéfica a remoção completa dos dispositivos móveis do ambiente escolar.
Um estudo da Noruega, coberto em abril pela Gazeta do Povo, encontrou evidências de que o banimento é bom especialmente para as meninas, mas diminui o bullying em ambos os sexos. Os melhores efeitos foram observados no banimento completo, sem exceções para uso dos celulares nos intervalos de aula ou no recreio.
Proibir os celulares melhora o desempenho dos alunos com maior dificuldade
A primeira avaliação quantitativa do banimento dos celulares foi publicada em 2016 por Louis-Philippe Beland (Universidade Estadual da Luisiana, EUA) e Richard Murphy (Universidade do Texas em Austin), na revista acadêmica Labour Economics.
Os autores usaram um banco de dados com toda a população de alunos de escolas públicas da Inglaterra, mas deram foco à faixa etária entre 11 e 16 anos. Os dados complementares para comparações entre políticas de uso de celular entre escolas foram fornecidos pelas instituições, 91 delas ao todo. A amostra final foi de mais de 130 mil estudantes.
Beland e Murphy descobriram que os 25% estudantes com maior desempenho continuavam assim independentemente de banimentos de celular, mas os alunos com maior dificuldade melhoraram suas notas com as proibições. O efeito foi observado tanto entre escolas quanto entre anos.
Em 2019, três suecos do Instituto de Pesquisa de Economia Industrial (IFN), liderados por Björn Tyrefors, refizeram o estudo de Beland e Murphy com amostras suecas. Para eles, o resultado foi nulo: “não encontramos impacto de banimentos de celulares sobre o desempenho estudantil e podemos rejeitar até benefícios de pequeno tamanho”, afirmaram.
O estudo da Noruega, realizado pela economista Sara Abrahamsson e disponível como pré-publicação desde fevereiro, contudo, corrobora as conclusões de Beland e Murphy.
Benefícios à saúde física das crianças
Abrahamsson concluiu que a proibição das telinhas nas escolas melhora a saúde mental dos alunos, especialmente as meninas. Outro estudo de 2022, de Charlotte Skau Pawlowski (Universidade do Sul da Dinamarca) e colegas, estende o benefício à saúde física.
O trabalho, publicado no European Journal of Public Health, envolveu o banimento de celulares especificamente no recreio de crianças entre 10 e 14 anos em seis escolas dinamarquesas. Os autores concluíram que “a frequência de atividade física cresceu significativamente” nessas crianças. Vale para ambos os sexos, mas, mais uma vez, as principais beneficiadas foram as meninas.
Benefícios à saúde mental dos adolescentes
Este mês é de expectativa para a pesquisa sobre celulares e seus efeitos na educação. É quando deve ser concluído um estudo britânico iniciado em abril de 2022 por Grace Wood (Faculdade de Esporte, Exercício e Reabilitação da Universidade de Birmingham) e colegas. O plano do estudo foi publicado em 2023 na revista BMJ Open, e envolve investigar se a restrição de acesso aos celulares melhora a saúde mental dos adolescentes.
O plano do estudo detalha que 20% dos adolescentes britânicos sofrem com doenças mentais, na maior parte depressão e ansiedade. Metade dessas doenças começam antes dos 14 anos. A esmagadora maioria desses jovens (98%) tem smartphone e 93% são usuários ativos das redes sociais. Estima-se em estudos anteriores que 12% são viciados nas plataformas sociais.
Enquanto o estudo não sai, publicações anteriores citadas por seu plano antecipam os possíveis resultados: sete estudos afirmam que o tempo gasto por adolescentes nas redes sociais e celulares está associado a piores níveis de ansiedade e depressão. Os celulares também parecem atrapalhar o tempo de atividade física, o desempenho escolar e acadêmico, o comportamento em sala de aula e o sono na faixa etária.
Geração ansiosa
Um dos mais famosos defensores de uma infância e adolescência sem celulares e redes sociais é o psicólogo social americano Jonathan Haidt. No momento, seu novo livro “A geração ansiosa: como a grande reestruturação da infância está causando uma epidemia de doenças mentais” (trad. livre, Penguin Press) é o mais vendido na Amazon entre os livros importados que tratam de adolescentes. A principal tese do livro é que os jovens de hoje são a geração mais ansiosa que já se viu, e as causas disso se distribuem entre “superproteção no mundo real e subproteção no mundo virtual”.
“Não conseguimos manter nossos filhos fora da Internet”, disse Haidt em entrevista à Virgin Radio UK, “mas devemos mantê-los longe do acesso contínuo, de 24 horas por dia e sete dias por semana, à Internet em seus bolsos”. Para ele, o notebook é melhor: “O que eu digo para minha filha é ‘se você quer ter contato com seus amigos, use o seu laptop’. A tecnologia touchscreen [telas responsivas ao toque dos celulares e tablets] tem um poder singular. No laptop, você tem que mover o cursor: você clica em alguma coisa e leva alguns segundos para acontecer. No celular, é tudo instantâneo”, afirma Haidt, comparando a rapidez de resposta e recompensa da telinha sensível ao toque ao treinamento de animais pelo pai da escola behaviorista da psicologia, B. F. Skinner.
“Deixe seus filhos saírem, dê um celular para eles, mas que seja dos antigos, o celular tijolo”, diz Haidt. Ele recomenda essa política até os 14 anos. Se for introduzido o smartphone a partir dessa idade, ele recomenda que haja períodos de restrição, “sem telas na hora das refeições, todas as telas fora dos quartos depois de certa hora”.
Haidt afirma que os próprios jovens da Geração Z reconhecem que as telinhas são viciantes e há movimentos criados por eles pedindo que os fabricantes e desenvolvedores de redes sociais os ajudem a largar o vício. “Eles sabem que esta coisa os está destruindo e que precisam de uma saída. Não foi assim com a febre das revistas em quadrinhos, ou a introdução da televisão ou qualquer outra coisa. É bem diferente”.
Banimento
“Sim, se deve banir”, diz Ronai Pires da Rocha, escritor em educação, doutor em filosofia e professor da Universidade Federal de Santa Maria, que atuou em programas educacionais. “O banimento do celular deve ser pensado dentro da realidade de um ensino regular, especialmente no ensino fundamental e no nível médio”.
Para o especialista, a intensidade do banimento deve ser maior no ensino fundamental. Se o celular estiver ao alcance do aluno, “é um fator de perturbação do espaço”.
Até a idade de 13 ou 14 anos, “o uso constante de telas por crianças deve ser diminuído e controlado, as evidências todas apontam que a permissividade gera na criança um uso intenso e pernicioso”.
Rocha pensa que o banimento de celulares não deve acontecer somente em horário de aula, mas que deve incluir o período de recesso (recreio) e intervalos, pois esses períodos existem para interação social entre os alunos, que faz parte do aprendizado.
Se alguma atividade exigir o uso de dispositivo móvel com tela em sala de aula, o melhor é que a própria escola forneça os dispositivos para este uso, diz Rocha, com diligências para que os aplicativos instalados no dispositivo sejam aqueles necessários para a tarefa.
“O que tenho percebido, na minha vivência em muitas escolas, é que aquelas que adotaram a abolição do papel em troca do tablet estão voltando atrás”, afirma o professor.
Ou seja, embora estudos formais dos banimentos ainda estejam no começo, as próprias escolas já fizeram “experimentos da vida real” com os dispositivos. E muitas se arrependeram.
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