O Nobel de Economia deste ano premiou três pesquisadores – Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson – que, em linhas gerais, explicaram por que alguns países são ricos e outros, pobres.
Esse também é o tema do livro "Por que as Nações Fracassam", escrito por Acemoglu e Robinson e publicado no Brasil pela editora Intrínseca. Segundo eles, os países só escapam à pobreza quando dispõem de instituições adequadas, com a preservação do direito à propriedade privada e da livre concorrência.
Leia a seguir o prefácio da obra, no qual os dois provam que o povo de lugares pobres, ao contrário de muitos especialistas, entende muito bem os motivos de seu sofrimento.
Este livro trata da imensa diferença de renda e de padrões de vida que separa os países ricos do mundo, como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Alemanha, dos países pobres, como os da África subsaariana, da América Central e do sul da Ásia.
No momento em que escrevemos este prefácio, o norte da África e o Oriente Médio estão abalados pela “Primavera Árabe”, iniciada pela chamada Revolução de Jasmim, que teve como gatilho a indignação popular pela autoimolação de um vendedor ambulante, Mohamed Bouazizi, em 17 de dezembro de 2010
Em 14 de janeiro de 2011 houve a renúncia do presidente Zine El Abidine Ben Ali, que governava a Tunísia desde 1987, mas, em vez de diminuir, o ardor revolucionário contra o domínio das elites privilegiadas do país ficou mais forte e logo se espalhou pelo restante do Oriente Médio. Hosni Mubarak, que governou o Egito com mão de ferro por quase trinta anos, foi derrubado em 11 de fevereiro de 2011.
Enquanto escrevemos este prefácio, os destinos dos governos de Bahrein, Líbia, Síria e Iêmen são desconhecidos.
As raízes do descontentamento nesses países vêm da pobreza. O egípcio médio tem uma renda que equivale a aproximadamente 12% da renda média de um cidadão dos Estados Unidos, e sua expectativa de vida é dez anos menor; 20% da população está em situação de extrema pobreza.
Embora essas diferenças sejam significativas, na verdade são consideravelmente pequenas quando comparadas às que existem entre os Estados Unidos e os países mais pobres do mundo, como Coreia do Norte, Serra Leoa e Zimbábue, onde bem mais da metade da população vive na pobreza.
Por que o Egito é tão mais pobre do que os Estados Unidos? Quais são as limitações que impedem os egípcios de se tornarem mais prósperos? A pobreza do Egito é imutável, ou pode ser erradicada?
Um modo natural de começar a pensar sobre isso é olhar o que os próprios egípcios dizem sobre os problemas que enfrentam e por que se revoltaram contra o regime de Mubarak.
Noha Hamed, de 24 anos, que trabalha em uma agência de publicidade no Cairo, deixou claro o que pensava enquanto protestava na praça Tahrir: “Sofremos devido à corrupção, à opressão e à péssima educação de base. Estamos vivendo em um sistema corrupto que precisa mudar”.
Também na praça, Mosaab El Shami, de 20 anos, estudante de farmácia, concordou: “Espero que até o fim do ano tenhamos um governo eleito, as liberdades universais tenham sido aplicadas e a corrupção que tomou o país tenha acabado”.
Os manifestantes da praça Tahrir eram unânimes quanto à corrupção do governo e à sua incapacidade de prestar serviços públicos e quanto à desigualdade de oportunidades no país. Eles reclamavam particularmente da repressão e ausência de direitos políticos.
Como Mohamed ElBaradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, escreveu no X em 13 de janeiro de 2011: “Tunísia: repressão + ausência de justiça social + falta de canais para mudança pacífica = uma bomba-relógio”.
Tanto os egípcios quanto os tunisianos acreditavam que seus problemas econômicos eram causados fundamentalmente pela falta de direitos políticos.
Quando os manifestantes começaram a formular suas exigências de modo mais sistemático, as doze demandas mais urgentes postadas por Wael Khalil, o engenheiro de software e blogueiro que se tornou um dos líderes dos protestos no Egito, eram voltadas para mudanças políticas. Questões como o aumento do salário mínimo só surgiram entre as demandas transitórias, que seriam implementadas mais tarde.
Para os egípcios, entre os motivos que impedem o país de se desenvolver estão um Estado ineficiente e corrupto e uma sociedade que não acolhe seus talentos, sua ambição e sua engenhosidade nem emprega a instrução que venham a receber.
Mas eles também reconhecem que as raízes desses problemas são políticas. Todos os impedimentos econômicos com que se deparam surgem do modo como o poder político no Egito é exercido e monopolizado por uma pequena elite. Isso, segundo eles, é a primeira coisa que precisa mudar.
No entanto, essa crença dos manifestantes da praça Tahrir diverge fundamentalmente da sabedoria convencional sobre o tema. Quando tentam compreender os motivos da pobreza de um país como o Egito, acadêmicos e comentaristas em geral dão ênfase a fatores completamente diferentes.
Alguns ressaltam que a pobreza do Egito é determinada, a princípio, por sua geografia: quase todo o território do país está numa área desértica, sem um regime de chuvas adequado e com solos e clima que inviabilizam uma agricultura produtiva.
Outros destacam os atributos culturais dos egípcios, que supostamente não são propícios para o desenvolvimento econômico e a prosperidade. Afirmam que os egípcios não têm o mesmo tipo de ética de trabalho nem os mesmos traços culturais que permitiram a prosperidade de outros povos; em vez disso, aceitaram as crenças da fé islâmica, incompatíveis com o progresso econômico.
Uma terceira abordagem, predominante entre os economistas e especialistas em políticas públicas, se baseia na noção de que os governantes do Egito simplesmente não sabem o que é necessário para tornar o país próspero, por isso seguiram muitas políticas e estratégias incorretas. Segundo o raciocínio, se esses governantes fossem bem aconselhados, a prosperidade viria.
Para esses acadêmicos e especialistas, o fato de os egípcios terem sido governados por pequenas elites que enriqueceram à custa da sociedade parece irrelevante para compreender os problemas econômicos do país.
Neste livro, afirmaremos que são os egípcios da praça Tahrir, e não a maior parte dos estudiosos e especialistas, que têm a razão. Na verdade, o Egito é pobre precisamente por ter sido governado por uma pequena elite que organizou a sociedade para benefício próprio, à custa da vasta massa da população.
O poder político esteve muito concentrado e foi usado para criar muita riqueza para seus detentores, como a suposta fortuna de 70 bilhões de dólares acumulada pelo ex-presidente Mubarak. Quem saiu perdendo foram os egípcios, que entendem isso muito bem.
Vamos mostrar que a interpretação sobre a pobreza egípcia feita pelo povo fornece uma explicação geral para a pobreza de todos os países. Não importa se o assunto é Coreia do Norte, Serra Leoa ou Zimbábue: mostraremos que os motivos de esses países serem pobres são os mesmos que tornam o Egito pobre.
Países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos se tornaram ricos porque seus cidadãos derrubaram as elites que controlavam o poder e criaram uma sociedade em que os poderes políticos eram muito mais bem distribuídos, em que o governo era responsabilizado e responsivo aos cidadãos, em que a grande massa de habitantes era capaz de aproveitar as oportunidades econômicas.
Mostraremos que, para entender por que existe tanta desigualdade no mundo de hoje, precisamos investigar o passado e estudar a dinâmica histórica da sociedade. Veremos que a razão para que a Grã-Bretanha seja mais rica do que o Egito é o fato de que, em 1688, a Grã-Bretanha (ou a Inglaterra, para sermos exatos) passou por uma revolução que transformou a política e, por consequência, a economia dessa nação
As pessoas lutaram e conquistaram mais direitos políticos, que usaram para expandir suas oportunidades econômicas. O resultado foi uma trajetória política e econômica fundamentalmente diferente, que culminou com a Revolução Industrial.
A Revolução Industrial, com as tecnologias que a acompanham, não chegou ao Egito porque o país estava sob controle do Império Otomano, que tratava o povo mais ou menos do mesmo modo como a família Mubarak faria tempos depois.
O governo otomano no Egito foi derrubado por Napoleão Bonaparte em 1798, mas em seguida o país caiu sob controle do colonialismo britânico, que tinha tão pouco interesse quanto os otomanos na promoção da prosperidade egípcia.
Embora os egípcios tenham se libertado dos impérios Otomano e Britânico e, em 1952, derrubado a monarquia local, não passaram por revoluções como a de 1688 na Inglaterra.
Ao invés de alterar os fundamentos da política no Egito, essas revoluções levaram ao poder outra elite igualmente desinteressada em buscar prosperidade para a população geral, como já acontecia desde os otomanos e os britânicos.
Por consequência, a estrutura básica da sociedade não se alterou, e o Egito permaneceu pobre. Neste livro, vamos estudar como esses padrões se reproduzem ao longo do tempo e por que às vezes se alteram, como aconteceu na Inglaterra, em 1688, e na França, com a revolução de 1789.
Isso nos ajudará a entender se a situação no Egito está mudando e se a revolução que derrubou Mubarak conduzirá a um novo conjunto de instituições capaz de levar prosperidade ao cidadão médio.
O Egito passou por revoluções que não mudaram a situação porque seus organizadores simplesmente tomaram as rédeas dos líderes depostos e recriaram um sistema similar. É difícil, para cidadãos comuns, obter poder político genuíno e mudar o modo como suas sociedades funcionam.
Mas é possível, e veremos como isso aconteceu na Inglaterra, na França, no Japão e nos Estados Unidos.
É necessária uma transformação política desse tipo para que uma sociedade pobre se torne rica. Há indícios de que isso esteja acontecendo no Egito.
Reda Metwaly, outro manifestante na praça Tahrir, afirmou: “Agora você vê muçulmanos e cristãos juntos, agora você vê os mais velhos e os mais jovens juntos, e todos querem a mesma coisa”.
Veremos que um movimento social abrangente como esse foi um fator decisivo para transformações políticas reais. Se compreendermos quando e por que essas transições acontecem, estaremos em melhores condições de avaliar quando esses movimentos vão fracassar, como aconteceu com frequência no passado, e quando podemos ter esperanças de que sejam bem-sucedidos e mudem a vida de milhões de pessoas.
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