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“El Abuelo”, uma das imagens mais veneradas da província de Jaén, em procissão. Há 74 anos, os fiéis não saíam às ruas para pedir chuva| Foto: EFE/José Manuel Pedrosa.

Há mais de sete décadas, os fiéis espanhóis não saíam em procissão pelas ruas para orar por algo tão básico, mas vital: água. No sul da Espanha, região que mais produz e exporta azeite de oliva no mundo, uma seca sem precedentes derrubou o nível dos reservatórios de água para menos de um quarto e a produtividade das oliveiras para menos de um terço do esperado.

Conscientes da situação, milhares de fiéis da principal cidade produtora do país, Jaén, seguiram, no dia 2 de maio, a imagem de Jesus Nazareno (localmente conhecido como “El Abuelo”) para rogar pelo fim da seca e proteção para as mais de 67 milhões de oliveiras da cidade. A última vez que isso aconteceu foi em 1949, mas a situação não era tão crítica.

"Sem água não há azeitona, e sem azeitonas a província de Jaén sofre", entoava o bispo de Jaén, Sebastián Chico, durante a procissão, segundo relatou o jornal espanhol El País. “Precisamos agora elevar nossas súplicas a Deus para que nos envie água para irrigar nossa terra sedenta, recuperar nossas nascentes e afluentes e aumentar o fluxo de nossos rios”, conclamava, enquanto a procissão seguia pelas ruas do centro histórico sob um calor de mais de 30 graus.

“Estamos enfrentando uma seca persistente e esta procissão tem como objetivo pedir ao Senhor que nos ajude e nos salve”, explicou Ricardo Cobos, líder da irmandade de “El Abuelo”, à agência France-Presse (AFP) durante a caminhada. “Dependemos muito das oliveiras e do azeite, e é um desastre econômico quando falta água.”

Os fiéis de Jaén não estavam sozinhos. Nos últimos dez dias, os habitantes de Granada, Alozaina, Córdoba, Solsona e até mesmo os de L'Espluga de Francoli, um município nas colinas catalãs onde não chove há mais de um ano, também saíram às ruas com imagens de seus padroeiros.

Até o final do verão, que ainda nem começou no país, é esperado que muitas outras paróquias se unam a esta lista, já que as previsões indicam que os termômetros devem subir ainda mais e que a tensão social deve aumentar. A divisão de crimes ambientais da Guarda Civil da Espanha prendeu, na última quarta-feira (10), 26 pessoas por perfurar poços ilegalmente. A operação para reprimir o uso não autorizado de água também identificou 250 infrações desta natureza, principalmente cometidas por produtores rurais.

As cotas de irrigação para essa classe foram cortadas em até 90% desde outubro do ano passado e o principal sindicato de agricultores do país, COAG, ainda estima que em todo o país, 60% das terras agrícolas estão "asfixiadas" pela falta de chuva.

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Situação do rio Genil, no centro de Granada, na última semana de abril| EFE/Miguel A.Molina

Ação humana

À Gazeta do Povo, a pesquisadora de clima do Instituto Meteorológico Real da Holanda (KNMI) Sjoukje Philip explicou que o calor intenso resseca a escassa água do solo, ao mesmo tempo que a baixa pluviosidade e a falta de neve no inverno não a repõem. Durante a última semana de abril, as temperaturas locais em muitas regiões da Espanha, Portugal, Marrocos e Argélia chegaram a ser 20 graus acima do esperado, com temperaturas alcançando 36,9°C e 38,8°C.

"A onda de calor e a seca experimentadas pela Europa nos últimos anos estão indubitavelmente ligadas às mudanças climáticas", explicou a pesquisadora. "Vários estudos da World Weather Attribution demonstraram isso, incluindo um estudo publicado na semana passada que descobriu que a onda de calor que impactou partes da Espanha, Portugal, Marrocos e Argélia no final de abril foi pelo menos cem vezes mais provável e 3,5°C mais quente devido às ações humanas."

A pesquisadora também complementou que algumas previsões sazonais, como a feita pelo observatório Copernicus, indicam a possibilidade de chuvas no sul da Europa durante o verão, mas observou que "tais quantidades de chuva não seriam suficientes para mudar significativamente a situação", uma vez que a região acumula uma série de temporadas de seca, sem alívios. No ano passado, a Organização Mundial da Saúde revelou que 4 mil espanhóis morreram em decorrência das altas temperaturas.

"Se continuarmos com as mesmas práticas, as temperaturas de verão na Espanha deverão aumentar em cerca de 1,6 °C a 2,3°C até 2050, com a precipitação de verão diminuindo aproximadamente 12%. No mesmo cenário, a partir de 2070, projeta-se que a maioria da Espanha experimentará um aumento de mais de 45% no grau de estresse da seca agrícola", explicou Sjoukje Philip.

Atualmente, 27% do território espanhol está em estado de emergência ou alerta por conta da seca.

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No reservatório de Sau, que fornece água para Barcelona, ​​os níveis de água caíram para 7%, o mais baixo do país. A falta de água expôs as ruínas de uma igreja do século 11, que foi inundada na década de 1960 quando uma barragem foi construída no local| EFE/Siu Wu

Queda de braço

Tentando aliviar a situação, o governo espanhol pediu, no dia 25 de abril, à União Europeia a liberação de uma reserva de crise para ajudar financeiramente seus agricultores, além de anunciar uma série de incentivos fiscais, incluindo uma redução de 25% no imposto de renda para essa categoria. O governo de Pedro Sánchez Pérez-Castejón também determinou limites para empresas delegarem trabalhos externos quando as temperaturas atingirem níveis de alerta laranja.

Nesta quinta-feira (11), um conselho extraordinário de ministros também anunciou um novo pacote com medidas para pecuaristas, apicultores e outros setores que estão sendo impactados pela seca, em um total superior a R$ 4 bilhões em ações.

Foi a primeira vez que um conselho extraordinário foi convocado para debater este assunto, mas as medidas ainda não são consideradas suficientes. Partidos de direita, como Vox e PP, pleiteiam que novas perfurações de poços sejam legalizadas na região da Andaluzia e criticam os recentes anúncios como “eleitoreiros”, uma vez que a Espanha terá eleições municipais e regionais no fim deste mês.

No centro da queda de braço política está a melhor forma de adaptação. “Agora estamos em uma situação muito dramática”, disse à CNN Joan Girona Gomis, cientista do Instituto de Pesquisa e Tecnologia Agroalimentar. "Se a Espanha pode continuar sendo uma das principais regiões agrícolas da Europa, é a grande questão. Tudo depende de se conseguiremos nos adaptar.”

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