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Qassim Suleimani foi morto por forças dos EUA em 3 de janeiro
Qasem Suleimani foi morto por forças dos EUA em 3 de janeiro| Foto:

Duas semanas atrás, os Estados Unidos pareciam prestes a iniciar outra guerra no Oriente Médio depois que um ataque por drone matou o mais notório mestre de espionagem do Irã, Qasem Suleimani, quando ele saía de um aeroporto internacional em Bagdá. O general sombrio, responsável pelo equivalente da CIA no Irã, foi um dos agentes mais eficazes da história do Oriente Médio. Ele construiu um exército extenso de milícias aliadas em toda a região e ajudou a expandir o domínio de Teerã em países vizinhos.

Mas a poeira agora se assentou e nenhum dos cenários apocalípticos sobre os quais a mídia tanto alertou aconteceu. É verdade que o Irã lançou um ataque de mísseis às bases dos EUA no Iraque, mas o ataque foi meramente simbólico. Como autoridades iraquianas revelaram no dia seguinte, o Irã os informou de um ataque iminente às bases dos EUA, uma mensagem que os iraquianos prontamente e previsivelmente transmitiram aos americanos. Nenhuma morte foi registrada, mas o regime iraniano mesmo assim disse a seus seguidores que dezenas, se não centenas, de americanos foram mortos como resultado da retaliação.

De fato, nenhum dos cenários apocalípticos era plausível. O Irã tem um leque restrito de opções em termos de escalada contra os EUA. O país não está interessado em uma guerra direta com os EUA, nem nenhum de seus representantes ou aliados na região. O regime enfrenta sanções cada vez mais devastadoras impostas por Washington, e a agitação doméstica está aumentando com protestos ocasionais nas ruas. Além disso, seus aliados no Iraque e no Líbano estão sob pressão sem precedentes de protestos populares, que persistem desde outubro. Na Síria, a moeda está entrando em colapso em níveis históricos e mais de um terço do país permanece fora do controle do governo apoiado pelo Irã. O Irã está envolvido em crises domésticas e regionais, e muitos dos ganhos obtidos nos últimos anos ainda são frágeis.

No pânico que se seguiu à notícia do assassinato de Suleimani, esse contexto essencial foi esquecido. Especialistas e ex-autoridades alertaram para um confronto, entre o Irã e os EUA, que Teerã não desejaria. Quando o confronto não foi adiante, críticos ainda sustentavam que isso era mera sorte. Um jornalista opinou que a guerra foi evitada porque os mulás no Irã exerceram "mais moderação" do que os EUA.

Na realidade, o alarmismo nunca foi justificado. As circunstâncias do assassinato de Suleimani expuseram não apenas as muitas vulnerabilidades do Irã e suas opções limitadas de escalada contra os EUA, mas também sérios mitos que moldam grande parte da percepção americana sobre o regime iraniano. Especificamente, a ideia de que o Irã pode causar danos aos EUA é uma visão desatualizada sobre a situação na região.

Em 2020, diferentemente dos primeiros anos após a invasão do Iraque, os EUA têm pouca presença em zonas de conflito como Iraque e Síria. O Irã, por outro lado, investiu pesado para manter seus aliados no poder, quase todos agora sob pressão doméstica. Em outras palavras, em um reverso da dinâmica da Guerra do Iraque, os EUA podem mexer com o Irã de muito mais maneiras do que o Irã pode retaliar. Essa é uma nova realidade para a qual especialistas e formuladores de políticas dos EUA ainda precisam se atualizar. A mudança de política para o Irã sob o governo Trump - para aumentar a pressão militar, política e econômica para enfraquecer sua hegemonia regional - está expondo essas vulnerabilidades e demonstrando que os EUA podem deter o Irã com custos mínimos.

Os comentários apocalípticos que testemunhamos este mês se tornou a resposta padrão às provocações do Irã ou de seus aliados. Considere, por exemplo, as reações quando o presidente Obama anunciou que lançaria ataques punitivos contra o regime sírio apoiado pelo Irã após o uso de armas químicas em 2013. O caso a favor dos ataques não poderia ter sido mais convincente: Damasco violou uma linha vermelha explícita que Obama declarou contra uma arma proibida internacionalmente - "uma linha vermelha para nós é começar a ver armas químicas circulando ou sendo utilizadas".

Cenários semelhantes de uma "Terceira Guerra Mundial" foram apresentados. Alguns chegaram a apontar as formidáveis ​​(inexistentes) defesas aéreas da Síria. Obama no fim recuou e assinou o que pode ser descrito apenas como um acordo para manter as aparências com a Rússia, apoiadora internacional do regime, para acabar com o uso de armas químicas pela Síria e desmantelar seu arsenal. Apesar do acordo, esses ataques persistiram.

Foi o presidente Trump que lançou ataques punitivos contra o regime de Bashar al-Assad quatro anos depois. Novamente, nenhum dos cenários sobre os quais muitos haviam alertado aconteceu. Os sírios ficaram passivos enquanto 59 mísseis de cruzeiro Tomahawk, lançados do Mar Mediterrâneo, pousaram em bases militares. Ao contrário de 2013, desta vez a Rússia estava presente no território da Síria, após sua intervenção militar em 2015, então os riscos eram ainda maior para os EUA em 2017.

O ponto é que a reação usual contra qualquer política assertiva dos EUA em relação ao Irã tem pouca base na realidade. Essa reação tem base principalmente no exagero e na propaganda do medo que encoraja o regime no Irã e lhe dá espaço para operar impunemente em toda a região. De que outra forma alguém poderia explicar que Suleimani, acusado de ter sangue americano nas mãos, estava fazendo aparições públicas não muito longe das forças americanas durante a luta contra o Estado Islâmico? Ele organizou o ataque ao estilo Benghazi da embaixada dos EUA em Bagdá. Poucos dias antes de ser morto, ele ordenou um ataque em uma base militar que abrigava forças dos EUA, que matou um civil americano. No entanto, ele ainda viajou para o Iraque, provavelmente suspeitando que os EUA não ousariam atacá-lo.

Na verdade, ninguém esperava que os EUA realizassem um ataque de alto nível como esse. Sob as administrações de Obama e Trump, os EUA pareciam ter dado ao Irã liberdade na região - não respondendo às suas provocações desde que o Irã agisse com negação plausível. A base da política dos EUA tornou-se tal que o Irã, e não os EUA, tinha vantagem. Apenas nos seis meses antes da morte de Suleimani, o Irã foi acusado de estar por trás de ataques de navios-tanque no Golfo Pérsico, a queda de um drone dos EUA sobre águas internacionais e o ataque a instalações de petróleo sauditas, além da morte do funcionário americano e do ataque à embaixada dos EUA.

O Irã, então, tinha motivos para sentir que poderia ter uma posição confortável em relação aos EUA. Teerã suspeitava que as únicas ferramentas que os EUA tinham eram sanções econômicas, às quais poderia suportar ou driblar através de suas redes de proxies e países na região. A nova política, sob o governo atual, começou a usar outras ferramentas, incluindo o alvejamento frequente de proxies iranianos em lugares como a Síria - para impedir a construção de redes semelhantes às estabelecidas no Iraque - e um regime de sanções amplo e controlado.

Essas ferramentas começaram a prejudicar o regime iraniano e seus aliados. O aumento da pressão levou Teerã a agir de maneira irregular, e os ataques estranhamente provocativos no ano passado foram em grande parte sintomáticos do seu nervosismo. Então veio o assassinato de Suleimani, que foi sem dúvida uma decisão estratégica, e não tática, do governo Trump, de restabelecer o poder de dissuasão e interromper o ciclo de escalada e contra-escalada.

Apesar do alarmismo, as circunstâncias em torno do assassinato de Suleimani mostram que a atual política em relação ao Irã está funcionando como pretendido. A abordagem de "pressão máxima" está apertando os parafusos econômicos no Irã e organizando esforços regionais para aumentar a pressão sobre o regime. A intenção não é apenas forçar Teerã a "voltar à mesa" para negociar seu programa nuclear, como costuma ser declarado publicamente, mas reduzir a capacidade do Irã de dominar as áreas ao seu redor. A pressão está funcionando não porque não foi tentada antes, mas porque segue numerosos desafios - principalmente protestos populares e os crescentes sentimentos nacionalistas que estão ofuscando as tensões sectárias que antes ajudavam o regime - que o regime iraniano enfrenta em seu território e nas áreas onde ele construiu presença profunda.

A "pressão máxima" está exacerbando esses desafios para o Irã. Além disso, as tentativas de Teerã de mobilizar os iraquianos para acabar com a presença dos EUA em seu país até agora fracassaram, depois que Washington insistiu que a presença agora é mais vital para manter a pressão contra o Estado Islâmico. Até a tentativa do Irã de causar uma divergência entre EUA e seus aliados europeus saiu pela culatra: depois que Teerã anunciou que não cumpriria mais as limitações do acordo nuclear sobre o enriquecimento de urânio, os europeus advertiram Teerã e ameaçaram impor sanções.

Uma parte importante desse esforço é convencer o regime iraniano de que as antigas políticas que o permitiram preencher o vazio após a guerra de 2003 no Iraque e das revoltas populares de 2011 no Oriente Médio terminaram. Nesse sentido, o ataque dos EUA a Suleimani pode vir a ser um divisor de águas para o papel do Irã no Oriente Médio, não apenas porque Teerã perdeu um agente astuto, mas porque a operação lembrou ao Irã que o país não deveria abusar de seu comportamento atual na região. Tudo o que os EUA precisam fazer agora é continuar com sua política, com calma e consistência, para limitar o alcance do Irã.

©2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês

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