Durante o governo George W. Bush, uma série de acontecimentos se somaram para destruir o já fraco canal de comunicação entre árabes e americanos: os atentados de 11 de setembro, a Guerra no Iraque e o tratamento de prisioneiros muçulmanos em Abu Ghraib e Guantánamo criaram um cenário de "Choque das Civilizações", conforme imaginado pelo cientista político Samuel P. Huntington.
Cumprindo promessa de campanha, Barack Obama foi ao Egito na última semana tentar reatar relações. Há quem já esteja comparando o discurso no Cairo ao famoso "Ich in ib Berliner", de John F. Kennedy, proferido em Berlim durante a Guerra Fria. Como Kennedy, Obama mostrou simpatia e arriscou algumas palavras na língua local. Mais do que isso: abordou temas delicados democracia e direito das mulheres no Oriente Médio, negação do Holocausto, proliferação nuclear e erros de governos americanos anteriores. Se não agradou a todos, certamente mostrou boa vontade para reiniciar um diálogo com o Islã.
Segundo Shibley Telhami, professora da Universidade de Maryland, só o fato de haver uma audiência muçulmana a um presidente americano já é um avanço. "O que é novo é que as pessoas estão ouvindo este presidente", disse ela. "Eles o ouviram demonstrar simpatia pelos assuntos deles. Eles o ouviram expressar uma compreensão não apenas da religião e da cultura deles, mas também de seus problemas."
Mas, como o próprio Obama admitiu, um discurso não resolve problemas. Agora, a grande questão a ser respondida é como transformar as palavras em avanços concretos. Logo após o discurso, Obama deu uma entrevista coletiva a um seleto grupo de jornalistas árabes. O primeiro questionamento foi justamente o que o presidente norte-americano faria caso os israelenses não seguissem a etapa um do Mapa da Paz, documento que prevê a criação de um Estado palestino. A primeira etapa é o congelamento de novos assentamentos judeus na Cisjordânia. A resposta do presidente não foi nada mais do que engazopamento. Disse que os EUA não estão emocionalmente envolvidos no conflito e, portanto, tentarão fazer uma mediação justa.
"O presidente dos Estados Unidos não é um mediador honesto entre a América e o resto do mundo", criticou David Frum, ex-assessor de George W. Bush e supostamente o responsável pela criação do termo "eixo do mal". "Ele é o líder dos Estados Unidos, e, portanto, se posicionar dessa forma como mediador é realmente uma coisa surpreendente a se fazer. E isso gera a questão que, se o presidente é o mediador, quem é o representante da América?".
O grande desafio de Obama será o de criar um ponto em comum entre as partes em conflito. Hoje, a briga está dominada pelos extremos o diálogo é praticamente impossível. Os israelenses indagam: negociar com quem? Desde julho de 2007 os palestinos estão divididos entre o Fatah, que controla a Cisjordânia, e o Hamas, que domina a Faixa de Gaza. Ainda nesta última semana os dois grupos se enfrentaram. Enquanto o laico Fatah é nos olhos de Israel um interlocutor viável, o Hamas está longe disso foi o inimigo da última guerra em Gaza e é considerado grupo terrorista, inclusive pelos EUA. Como fechar um acordo com só metade da população?
Do lado palestino, também há muitas queixas. Após o discurso de Obama, oficiais israelenses se pronunciaram dizendo que os assentamentos não vão parar. O primeiro-ministro isralense, Benjamin Netanyahu, terá que escolher entre apoiar os pedidos de Obama para uma nova política, e arriscar bater de frente com sua coalizão direitista de governo, ou rejeitar a visão dos EUA e desafiar o principal aliado de Israel.
Estão aí dois pontos importantes que serão avaliados para medir a capacidade de Obama em resolver os problemas no Oriente Médio: 1) criar uma unidade palestina pacífica e 2) fazer os israelenses aceitarem concessões para a criação de dois Estados. Seu sucesso vai medir também quão histórico foi o discurso da última quinta-feira.
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Obama será um bom mediador do conflito entre palestinos e israelenses?
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