O assassinato de Fernando Villavicencio Valencia nesta quarta-feira (9) em Quito, capital do Equador, chocou o mundo e expôs como a violência vem se alastrando no país, que até pouco tempo atrás era considerado pacífico - ao menos na comparação com vizinhos mais problemáticos.
Villavicencio foi morto com três tiros na cabeça ao deixar um comício realizado em um ginásio de um colégio na capital equatoriana. Ele tinha 59 anos e era o candidato do movimento de centro-direita Construye à presidência do país.
Nesta quinta-feira (10), membros da facção Los Lobos, considerada uma das maiores organizações criminosas do Equador, reivindicaram a responsabilidade pela morte de Villavicencio. Por meio de um vídeo, também fizeram ameaças a outros presidenciáveis do país, como o empresário Jean Topic, candidato que se define como um “outsider”.
Apesar do grupo criminoso assumir a responsabilidade pelo crime, a polícia equatoriana não confirmou se a facção foi realmente a autora do assassinato de Villavicencio até o momento. Depois, outros integrantes de Los Lobos negaram a autoria do crime.
Verdadeira ou não, a alegada participação da organização criminosa no assassinato de Villavicencio expõe a influência dos cartéis envolvidos no tráfico de drogas e sua ascendência em todo o território equatoriano nos últimos anos.
Apesar de viver um cenário político conturbado desde a redemocratização, o Equador não era reconhecido como uma nação cuja população estava entregue aos cartéis e ao narcotráfico - ao contrário da vizinha Colômbia.
O aumento do poder das organizações que lutam pelo controle do tráfico de drogas no país fez com que as ruas do Equador, que antes viviam um cenário de certa estabilidade, se transformassem em um campo de batalha marcado por violência, assassinatos e a influência devastadora do crime organizado.
Em 2017, a taxa de homicídios no Equador era de 5,6 por 100 mil habitantes, uma das mais baixas da América Latina. No entanto, esse índice disparou nos últimos anos e chegou a 25,5 assassinatos por 100 mil habitantes em 2022.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a violência é epidêmica numa região quando ocorrem mais de dez homicídios para cada 100 mil habitantes.
A elevação das taxas de mortalidade acompanhou a transformação do Equador em uma rota primordial para a exportação de cocaína oriunda da Colômbia e do Peru, dois dos principais produtores mundiais da droga.
Alinhada a esses problemas, está também a falta de medidas eficazes de aplicação da lei para frear a ascensão e o fortalecimento do tráfico de drogas.
Isso abriu portas para que grupos criminosos internacionais e locais pudessem estabelecer de forma definitiva suas operações no país. A violência cresceu ainda mais quando as facções locais buscaram afirmar seu domínio sobre os territórios e rotas de drogas mais lucrativos.
As facções criminosas, como Los Choneros e Los Lobos, desempenham papéis centrais nesse cenário. Los Choneros, ligada ao Cartel de Sinaloa, do México, costumava ser a facção dominante no Equador. No entanto, após a morte de seu líder, Jorge Luis Zambrano, em 2020, o grupo perdeu sua hegemonia no país.
Isso abriu caminho para Los Lobos: são mais de 8 mil membros distribuídos pelas cidades e prisões equatorianas. O grupo está envolvido nos grandes massacres em prisões do Equador, no tráfico de drogas e até na mineração ilegal.
Atualmente, Los Lobos competem com outras facções, como a Los Tiguerones, que nasceu dentro da Los Choneros, pelo controle das prisões no Equador e do tráfico de drogas no país. A organização criminosa colabora com o cartel mexicano Jalisco Nova Geração (CJNG), que busca controlar as rotas de cocaína no país e ampliar sua influência na região.
Os confrontos entre esses grupos criminosos têm resultado em massacres dentro dos presídios do Equador, com um grande número de mortos. Em 2021, por exemplo, os confrontos entre Los Choneros e Los Lobos levaram à morte mais de 300 presos equatorianos.
Além dessas facções, atuam também no Equador o colombiano Clã do Golfo, as dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e facções locais como Los Lagartos e La Jauría.
O grupo venezuelano Tren de Aragua, o brasileiro Comando Vermelho e até a máfia albanesa são outras organizações que atuam no Equador.
Demais fatores
A crise econômica agravada pela pandemia de Covid-19 também contribuiu para a violência e para o crescimento das facções e do tráfico de drogas no Equador, uma vez que muitos jovens acabaram sendo recrutados para as organizações criminosas com a promessa de grandes retornos financeiros.
Também ocorre no país o recrutamento forçado de crianças pelas facções, com a maioria dos casos ocorrendo dentro das escolas do Equador. O narcotráfico também tem influência na política equatoriana: alguns candidatos a cargos públicos são financiados ou ameaçados pelos cartéis, que buscam garantir a sua impunidade e a sua expansão.
O governo equatoriano, ainda comandado por Guilherme Lasso (que não tentará um novo mandato na eleição presidencial do próximo dia 20), tem tentado responder a essas ações com medidas como decretos de estado de exceção para tentar controlar o aumento da criminalidade, mas não tem obtido sucesso.
O fracasso na tentativa de controlar o tráfico se reflete também na grave crise política que alcançou o governo federal. Ameaçado pelo segundo processo de impeachment em menos de um ano, Lasso dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições antecipadas para o Executivo e Legislativo do país. Seu sucessor terá a difícil missão de governar um país dominado pelo crime organizado.
“Eu diria que o Equador é um narcoestado governado desde as prisões pelo crime organizado”, disse Carla Álvarez, professora e pesquisadora de segurança no Instituto de Altos Estudos Nacionais (IAEN) do Equador, em entrevista à BBC.
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