Até o próximo sábado, US$ 0,50 do valor de cada sanduíche Big Mac será doado à causa haitiana. O lanche da rede McDonalds, antigo símbolo do "imperialismo" norte-americano, se tornou parte da onda de solidariedade que se espalha pelo mundo desde terça-feira, dia da catástrofe no Haiti.
As iniciativas em prol das vítimas são realizadas por diferentes meios, organizações, mídias e pessoas. Desde governos e organismos internacionais até associações de moradores e grupos de amigos, o chamado à solidariedade reflete a comoção pelo drama do país.
As maiores quantias serão doadas por Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Estados Unidos (US$ 100 milhões cada) e Organização dos Estados Americanos (US$ 170 milhões). Somadas às ajudas de outros países e instituições, o fundo de auxílio ao Haiti alcança aproximadamente US$ 600 milhões. Este valor cobre os US$ 550 milhões estimado pela ONU para atender às necessidades imediatas da população, como comida e água. Porém ainda é insuficiente para pôr em prática qualquer plano de reconstrução do Haiti.
Contribuições individuais e de ONGs lideram a lista de repasses não governamentais. Em geral, o dinheiro é aglutinado em pequenos fundos, como os comandados por igrejas e empresas, e reencaminhado para fundos maiores.
Algumas iniciativas chamam a atenção. A modelo brasileira Gisele Bündchen doou US$ 1,5 milhão mais do que a China. O governo cubano, costumaz crítico dos EUA, autorizou a passagem de aviões americanos por seu espaço aéreo. Até bancos de Wall Street, que há um ano recorriam a aportes bilionários para não quebrar por causa da crise, integraram o esforço humanitário. Morgan Stanley, Bank of America e Goldman Sachs doaram US$ 1 milhão cada para a Cruz Vermelha norte-americana e os Médicos Sem Fronteiras.
No Brasil, o dinheiro para o Haiti está sendo arrecadado através de contas do Banco do Brasil, da ONG Viva Rio e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O governo federal prometeu uma doação de US$ 15 milhões. No Paraná, entidades governamentais, movimentos sociais e instituições da sociedade civil se uniram para direcionar os apelos à conta da Ação Social do Paraná (veja no box como doar).
A cientista política Maria Lúcia Victor Barbosa, professora aposentada da Universidade Estadual de Londrina, percebe existir um sentimento de solidariedade maior do que o provocado por outras tragédias recentes. "Parece estar havendo uma disputa política para ver quem aparece como o maior benfeitor", entende. No entanto, ela teme pelo bom uso desses recursos. "Se não houver uma administração rigorosa e forem definidas as prioridades para este dinheiro, há, inclusive, o risco de desvios."
Esse temor se estende aos doadores, coforme indica análise do Serviço de Rastreamento Financeiro, banco de dados de doações humanitárias globais mantido pela ONU. Dos 119 grupos que efetivamente repassaram dinheiro ao Haiti, somente os governos da Suíça e da Guiana e o Banco Interamericano de Desenvolvimento o fizeram diretamente ao Estado. Em regra, as emissões são feitas via Nações Unidas ou agências humanitárias do país doador. Reflexo do alto índice de corrupção no Haiti, apenas o 168.º no ranking da Transparência Internacional.
Maria Lúcia ressalta também a possibilidade de a intensidade das doações diminuir à medida em que a tragédia vai deixando de ser uma novidade. "A tendência é que deva acontecer um esvaziamento", prevê. Os próprios haitianos sofreram recentemente com esse desinteresse. Para as vítimas do furacão Gustav, que atingiu o país em 2008, foram pedidos US$ 121 milhões e doados US$ 73 milhões ou 60,5%.
Agora, há dois fatores que tendem a ampliar a onda de doações, diz Luciana Worms, professora de geopolítica do grupo Positivo: a simpatia mundial pelo historicamente vitimizado Haiti e a morte de Zilda Arns, benemérita reconhecida internacionalmente.
"O Haiti tem um dos piores índices de desenvolvimento humano do mundo. Há um carinho muito grande por um país que, no século 19, conseguiu romper com o governo francês e, no século 20, apostou na democracia e sofreu com uma ditadura cruel. O mundo quer compensar os haitianos por terem sofrido tanto", diz. "Além disso, a morte de Zilda Arns sensibilizou não apenas o Brasil, mas todo o mundo".