Em uma reviravolta política, a esquerda venceu o segundo turno das eleições legislativas na França, neste domingo (7), com a coalizão Nova Frente Popular (NFP), liderada pela radical França Insubmissa (LFI), de Jean-Luc Mélenchon.
O esquerdista, de 72 anos, é um veterano na política francesa e já ocupou diversos cargos públicos, iniciando sua carreira ainda na década de 1970, após se filiar ao Partido Socialista. Foi eleito senador pelo distrito de Essonne em 1986 e ocupou o cargo até 2009.
Foi ministro da Educação no governo do socialista Lionel Jospin, no final da década de 1990, mas deixou o partido em 2008 por considerá-lo "muito moderado". Ele então fundou o Partido de Esquerda naquele mesmo ano, alinhando-se ao Partido Comunista Francês para formar a Frente de Esquerda.
Apesar da passagem por diferentes alas da esquerda, a radical França Insubmissa (LFI), criada em 2016, foi a que realmente concedeu visibilidade política ao filósofo.
Formado em filosofia, Mélenchon foi um trotskista na juventude e é considerado o nome de maior destaque da esquerda radical atualmente. Dono de uma retórica anticapitalista, seus discursos são marcados pela combatividade e um forte apelo nas pautas sociais.
Sua força política começou a crescer em 2012, após a primeira tentativa de chegar à presidência da França. Ele disputou o cargo em outras duas eleições - 2017 e 2022 - mas sem êxito, apesar de conquistar cada vez mais apoio dos franceses, principalmente dos mais jovens, que o acompanham nas redes sociais.
As principais propostas de Mélenchon envolvem a taxação dos mais ricos e a estatização de diversos serviços na França, questões que dividem até mesmo a própria esquerda no atual parlamento.
Em 2017, ele concorreu por uma plataforma que incluía taxar os ricos em 100% sobre renda acima de € 400 mil euros (R$ 2,3 milhões), reduzir a semana de trabalho para 32 horas e acabar com o uso de energia nuclear na França, responsável por quase 80% da eletricidade do país.
Além disso, nas eleições de 2022, fez promessas de se livrar do que chama de "monarquia presidencial", o que concederia mais poderes à Assembleia Nacional e instauraria uma sexta república na França.
Controvérsias na política externa
Admirador dos ditadores venezuelano Hugo Chávez e cubano Fidel Castro, Mélenchon também possui posições controversas na política externa, com destaque para a guerra no Oriente Médio, na qual tem sido um forte crítico de Israel.
O partido mais forte da coligação Nova Frente Popular, o França Insubmissa (LFI), do qual o político é líder, se recusou a condenar o Hamas como uma organização terrorista, mesmo após o massacre da milícia contra civis inocentes no território vizinho à Faixa de Gaza.
No ano passado, logo após a guerra ter início, o LFI de Mélenchon comparou Israel ao Hamas e disse que o governo israelense "tinha tanta responsabilidade quanto os extremistas pelo conflito".
O líder esquerdista, por sua vez, se envolveu em uma declaração polêmica dias depois do conflito ter começado. Em 22 de outubro, Mélenchon disse que a presidente da Assembleia Nacional Francesa, Yaël Braun-Pivet, estava "acampando" em Tel Aviv para "encorajar o massacre", enquanto fazia uma visita oficial a Israel para expressar "total apoio da França" ao país naquele momento.
Braun-Pivet acusou Mélenchon de usar propositalmente a palavra "acampando" devido à sua herança judaica, o que rendeu muitas críticas ao líder do LFI.
Logo após os primeiros resultados eleitorais serem divulgados neste domingo, o líder de esquerda radical prometeu pressionar pelo reconhecimento de um estado palestino. “Teremos um primeiro-ministro da Nova Frente Popular. Poderemos decidir muitas coisas por decreto. No nível internacional, teremos que concordar em reconhecer o Estado da Palestina", escreveu no X.
O LFI também recebeu fortes críticas por menosprezar a ameaça do antissemitismo na França.
O governo francês informou que houve um aumento de ataques contra judeus no país desde a guerra entre Israel e o Hamas, incluindo mais de 360 incidentes nos primeiros três meses de 2024, um aumento de 300% em relação a 2023. Mélenchon classificou o antissemitismo na França como algo "residual".
A vitória da esquerda gerou um receio para muitos judeus franceses, que consideram a retórica do bloco uma ameaça.
Uma pesquisa realizada pelo American Jewish Committee (AJC) na Europa apontou que 92% dos judeus franceses acreditam que a France Insubmissa “contribuiu” para o aumento do antissemitismo. A comunidade judaica na França reúne mais de 500 mil pessoas.
Além do conflito, outras propostas polêmicas nas relações internacionais envolvem a possibilidade de saída da França da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), sob a justificativa de que a aliança militar é "dominada pelos EUA", e da União Europeia, por discordância com políticas de austeridade.
O programa político de Mélenchon também prevê o veto a acordos internacionais de livre comércio e o fim do Banco Central Europeu, a fim de ter controle total sobre a situação financeira da França.
O bloco de esquerda obteve 182 deputados e candidatos independentes alinhados ideologicamente com essa frente emplacaram outros 13.
O bloco Juntos, do presidente francês, Emmanuel Macron, que tinha a maior bancada na última legislatura, embora também sem maioria absoluta, conseguiu o segundo lugar, com 168 legisladores. Já o Reagrupamento Nacional (RN), partido de direita nacionalista comandado por Marine Le Pen, acabou em terceiro lugar, com 143 cadeiras, juntamente aos aliados.
O partido de centro-direita Os Republicanos obteve 45 assentos parlamentares, e outros candidatos independentes de direita somaram 15.
Com esse mapa político, a Assembleia Nacional ficará extremamente dividida e sem maioria absoluta de 289 deputados, inaugurando uma fase na qual a governabilidade da França está indefinida.
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