O palestino Mohammed al Sharqawi é tradutor, mas trava quando tenta explicar, em inglês, os motivos de ter deixado a Síria para viver em Barcelona. Trava porque ele perdeu a fluência no idioma; em sua nova cidade, já não tem mais o volume de trabalho de quando deixou Damasco, há dois anos, fugindo das bombas. “Cada dia que passava, elas caíam mais perto.”
Em espanhol, Mohammed já se comunica muito melhor. Lembra que, nos últimos meses em que viveu na Síria, seu bairro já não tinha água, nem luz. A esperança de uma vida menos sofrida o levou a pedir refúgio.Barcelona o acolheu. Mas a vida está muito longe de ser a que ele – e tantos outros refugiados – sonhavam.
O momento é de urgência na União Europeia. A relação entre o bloco e os refugiados é complexa, tem matizes que variam em cada um dos países, seja em função do momento econômico ou da sigla no poder.
Só que, nos últimos meses, as feridas foram abertas.
Os mortos nas travessias no Mar Mediterrâneo, os trens abarrotados de gente em algumas das principais estações do continente e os grupos que pedem por acolhida multiplicaram-se.
E, desde quarta-feira (2), uma imagem atormentou o mundo. A foto do garoto sírio Aylan Kurdi, de 3 anos, morto na praia da Bodrum, na Turquia, levou a discussão a um outro patamar.
A morte de Aylan lançou os olhares da opinião pública sobre os governos europeus. E deu início a uma onda de ações populares – seguidas por respostas governamentais – que podem significar o início de uma mudança profunda.
O primeiro-ministro inglês, David Cameron, foi um que mudou de posição e declarou que o governo vai se envolver mais diretamente com a questão. Na Islândia, mais de 11 mil pessoas se ofereceram para receber refugiados em suas casas. Na Alemanha, o Bayern de Munique – time de futebol mais popular do país – anunciou que construirá um espaço para abrigar refugiados recém-chegados.
Na Espanha, o primeiro-ministro Mariano Rajoy ainda não se posicionou claramente, mas a iniciativa de pessoas em todo o país levou os prefeitos de oito cidades a se reunirem em Barcelona, na sexta-feira, para debater a questão.
A prefeita Ada Colau, anfitriã do evento, tem defendido com frequência uma política mais inclusiva para os refugiados. No encontro, ela anunciou a criação de um e-mail para centralizar as manifestações de apoio, doações e informações sobre como ajudar os refugiados.
Esse novo momento é uma mudança radical no tratamento dado aos imigrantes nos últimos anos, em várias partes do continente. A crise econômica, desencadeada em 2009, fez crescerem os índices de desemprego; daí, seja pela disputa direta por postos de trabalho ou por questões como a segurança pública, os imigrantes passaram a ser vistos com maus olhos.
Em países com partidos de extrema direita mais presentes, como França e Itália, a situação atingiu níveis preocupantes. Os maiores alvos são os imigrantes – muitos deles em situação de refugiados – de países da África e do Oriente Médio, justamente os que mais têm buscado uma nova vida na União Europeia.
Segundo a Frontex, a agência que coordena as fronteiras da UE, 283 mil imigrantes entraram no bloco em 2014. Destes, 79 mil eram sírios, fugindo da guerra no país (em 2011, eram 1.600).
Os números de 2015 serão ainda maiores. Só que, ao que parece pela mobilização de governos e da população, eles podem ter um destino diferente: com mais acesso a necessidades básicas e integração à sociedade. O sucesso de iniciativas como essas podem devolver o sorriso e a dignidade a milhares de pessoas.
Uma revolução que pode começar com a imagem de Aylan. O garoto que pode ter mudado a vida de tantos outros.