Desde o início da ofensiva russa na Ucrânia, a letra "Z", pintada em branco e à mão, tem sido ostentada na lateral de veículos militares da Rússia e se tornado um símbolo de apoio popular à ação iniciada por Vladimir Putin no país vizinho.
Pouco a pouco, no entanto, a marca tem deixado de ser utilizada apenas entre os militares e tem ganhado terreno entre os civis: não são raros os registros de veículos comerciais na Rússia estampando "Z", por exemplo. O símbolo também tem sido visto cada vez mais em camisetas.
Em um episódio mais controverso, na cidade russa de Kazan, um grupo de crianças e funcionários de um hospital foi fotografado por drone formando um enorme "Z" na neve em frente às instalações de saúde. Por sua vez, a russa Maria Butina, condenada por servir como agente estrangeira nas eleições de 2016 nos EUA e agora membro do Parlamento russo, também postou um vídeo em suas redes sociais desenhando um "Z" branco em seu paletó. "Façam seu trabalho, irmãos. Nós sempre o apoiaremos", disse ela em uma aparente referência às tropas russas na Ucrânia.
Também há casos em que o movimento tomou maiores proporções: numa demonstração pública de apoio ao Kremlin, sérvios utilizaram a letra em uma marcha por Belgrado até a embaixada russa. E durante as premiações da Taça do Mundo de ginástica, realizada em Doha, no Catar, o ginasta russo Ivan Kuliak subiu ao pódio exibindo a letra "Z" em seu peitoral. Ele estava ao lado de um adversário ucraniano. A Federação Internacional de Ginástica (FIG) abriu um processo disciplinar contra o Kuliak. Mas, afinal, o que o símbolo significa?
Diferentes teorias tentam explicar a origem e o motivo exato para a utilização da letra. Apesar de o Ministério da Defesa russo ter informado, por meio de suas redes sociais, que a utilização da letra seria uma referência à expressão "Za pobedu" (Pela vitória, em tradução literal), a explicação é tida como pouco clara e duvidosa por alguns interlocutores.
Identificação de tropas, estratégia contra fogo amigo e "Z" de Zelensky
A letra "Z" sequer aparece nas versões russas e ucranianas do alfabeto cirílico - o qual, em vez disso, possui uma letra semelhante ao número "3" para a representação do som "z". Entre especialistas militares, a teoria mais popular é a de que as marcações são feitas a fim de identificar as tropas e impedir um possível fogo amigo de ataques russos.
A estratégia ajudaria, dessa forma, a distinguir equipamentos russos e ucranianos, já que os países compartilham armamentos semelhantes em função da antiga União Soviética. "Boa parte dos equipamentos dos ucranianos – tanques, caminhões - era equipamento russo. Eles eram muito próximos, afinal. Então há essa dificuldade para saber em quem estou atirando. A letra Z surge nesse contexto, para conseguir separar um tanque, caminhão, caça do outro", explica Leonardo Paz Neves, pesquisador do núcleo de Inteligência Internacional da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Uma outra teoria é a de que a utilização da letra latina seria uma referência à "zapad", que significa oeste. Essa seria uma maneira de identificar as respectivas áreas onde as tropas russas geralmente estão estacionadas. Por essa razão, outras letras, como "O, X, A e V", já foram vistas estampadas em veículos militares - embora nenhuma tenha se tornado tão popular quanto a "Z".
Para outros comentaristas, ao promover a letra como uma espécie de hashtag, o governo russo tenta angariar apoio popular e criar uma identidade nacionalista. Em São Petesburgo, outdoors com propaganda oficial do governo apresentam a letra junto de frases como "nós não desistimos de nosso povo". Não se trata de uma estratégia exclusiva da Rússia.
Para o especialista da FGV, autoridades russas apenas se aproveitaram de uma estratégia prática que nasceu para resolver um problema crucial de zona de conflito. "Começou como maneira de identificação e a população de uma maneira ou de outra comprou. Não me parece uma estratégia de marketing. De forma espontânea isso ganhou tração entre a população russa e, por fim, as autoridades incentivaram isso", diz ele.
"A população começou a comprar esse símbolo, pois é uma maneira fácil de demonstrar apoio à causa. Isso é muito recorrente em vários outros contextos de guerra, em que a população acaba pegando determinada marca. Os americanos, em especial, são muito bons nisso. As principais forças armadas dos EUA têm seus respectivos símbolos e se vê com frequência esse tipo de ação entre eles", afirma Neves.
Há, ainda, teorias mais remotas, tidas inclusive como teorias da conspiração, como aquelas que apontam para uma possível referência ao nome do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
No Conselho de Segurança das Nações Unidas, o significado por trás do uso da letra "Z" também foi alvo de debate. O embaixador ucraniano Sergiy Kyslytsya associou a letra ao começo da palavra "zveri", que significa animais ou bestas em russo. O embaixador da Rússia Vasily Nebenzya, por sua vez, respondeu que os russos tinham a "sua própria opinião sobre quem eram os animais", segundo o New York Times.
Mas nem todos os russos aderiram à marca. Alguns, inclusive, ridicularizaram a utilização da letra em manifestações populares recentes contra a invasão da Ucrânia por Putin. "Zachem (Para quê?, em tradução livre)", dizem cartazes levantados por alguns manifestantes durante protesto na Rússia.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião