O presidente da França, Emmanuel Macron, surpreendeu o mundo inteiro ao dissolver a Assembleia Nacional e antecipar as eleições legislativas no país após a derrota da sua coalizão nas eleições para o Parlamento Europeu, no começo de junho.
Analistas apontam que o objetivo do político foi mobilizar o eleitorado da França para impedir internamente uma vitória do partido de direita nacionalista Reagrupamento Nacional (RN), o vencedor das eleições europeias no país.
Conseguiu, parcialmente: ainda que a coalizão centrista de Macron e a esquerda tenham precisado recorrer a uma manobra de retirada massiva de candidaturas no segundo turno das eleições legislativas na França, realizado no domingo (7), o RN acabou ficando em terceiro lugar em número de cadeiras, atrás da coligação esquerdista Nova Frente Popular (NFP) e do grupo do presidente.
Porém, Macron está longe de poder cantar vitória. Enquanto a NFP obteve 49 cadeiras a mais na Assembleia Nacional em relação à eleição anterior, realizada em 2022, e o RN, 53 assentos a mais, a coligação do presidente perdeu 86.
Vale lembrar que, na Assembleia Nacional dissolvida em junho, o grupo de Macron, apesar de ser o que tinha mais cadeiras na casa, já não ostentava maioria absoluta (ao menos 289 assentos) e isso lhe gerava grandes dificuldades.
No ano passado, sem apoio suficiente para aprovar uma proposta de reforma previdenciária para aumentar a idade mínima de aposentadoria na França de 62 para 64 anos, recorreu a um artigo da Constituição francesa que permite ao governo promulgar uma medida sem aval do Legislativo.
Agora, com a coalizão de Macron sem ter sequer maioria relativa e com a Assembleia Nacional rachada em três grandes blocos, a perspectiva é que a crise política se aprofunde na França.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Fernanda Brandão, coordenadora da área de relações internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio (FPMR), apontou que a antecipação das eleições legislativas foi um “blefe” de Macron que deu certo no objetivo do presidente de frear a direita nacionalista (ao menos como o grupo político com mais cadeiras na Assembleia Nacional), mas errado na tentativa de resgatar para o seu grupo a maioria absoluta da eleição de 2017 e de pavimentar o caminho para a eleição presidencial de 2027.
“Há uma sensação de piora das condições econômicas, no início do ano nós tivemos os protestos dos agricultores franceses. Tem a questão da guerra na Ucrânia e o alto gasto da França com a OTAN e o [apoio ao] esforço de guerra [ucraniano]. Isso tudo gera uma percepção de declínio das condições sociais e também há a insatisfação de parte do eleitorado com a presença de imigrantes na França”, explicou, detalhando o recado que as urnas deram ao governo Macron.
Fernanda Brandão apontou que, para tentar resolver o impasse político, Macron deve tentar angariar apoio da centro-esquerda e fragmentar a NPF.
“Ele pode conseguir isso, considerando-se o racha que existe nessa coalizão, há divergências muito grandes na esquerda, alguns partidos têm uma visão mais radical, outros são mais moderados. Mas, se o recado que ficou claro é de insatisfação com o governo do Macron e com sua base política como um todo, eu acho difícil algum partido se ‘sacrificar’, se aproximar do seu governo agora”, disse a especialista.
Mesmo com grandes dificuldades, Macron tentará ao menos manter um “governo de tutoria”, isto é, minimamente viável, até poder convocar novas eleições legislativas no meio de 2025 – a legislação francesa impede a dissolução do Parlamento e a convocação de um novo pleito no intervalo de um ano depois dessa medida ser implementada. Porém, essa estratégia também traz riscos para o presidente.
“Ele não pode chamar novas eleições parlamentares, então, seria um governo muito limitado, que se manteria por um ano, até novas eleições poderem ser convocadas. Mas, nesse processo, um governo ineficiente aumentaria o desgaste e a sensação de insatisfação que já existem e poderia fortalecer ainda mais o partido da Marine Le Pen”, afirmou Fernanda Brandão.
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