Em outubro do ano passado, logo após os ataques do grupo terrorista Hamas a Israel, o presidente da França, Emmanuel Macron, manifestou apoio aos israelenses e fez um paralelo com os atentados do Estado Islâmico em Paris e região em 2015.
“Nós também lamentamos vítimas mortas em uma festa, [pessoas que viviam uma] juventude sem preocupações... sabemos, na pele, que nada pode justificar o terrorismo”, disse o mandatário francês.
Um ano depois, o governo de Macron e a gestão do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, se tornaram grandes desafetos.
Um primeiro ponto de atrito surgiu em maio, quando a França apoiou a decisão da procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) de pedir a prisão de Netanyahu e do ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, além de lideranças do Hamas, por supostos crimes de guerra e contra a humanidade no conflito na Faixa de Gaza.
O Ministério das Relações Exteriores da França afirmou à época que “apoia o Tribunal Penal Internacional, sua independência e a luta contra a impunidade em todas as situações”.
O então ministro das Relações Exteriores francês, Stéphane Séjourné, depois reafirmou que “a França reconhece a independência do TPI, é um princípio”, e disse que “caberá agora aos juízes do TPI decidir se esses mandados serão concedidos”.
Porém, o então ministro disse que não deveria ser estabelecida uma “equivalência” entre os pedidos de mandados de prisão contra líderes israelenses e aqueles contra lideranças do Hamas.
Israel lamentou a postura francesa e pediu para que Paris adotasse a posição de aliados como Alemanha e Estados Unidos, que criticaram o procurador do TPI, Karim Khan.
Nas últimas semanas, esse estranhamento entre o governo Macron e Israel aumentou. No começo de outubro, após o início da ofensiva terrestre das forças israelenses contra o grupo terrorista Hezbollah no sul do Líbano, o presidente francês propôs um embargo de armas da comunidade internacional contra Israel.
Netanyahu respondeu que seu país vencerá a guerra no Oriente Médio “com ou sem o apoio” da França.
Depois, o Ministério das Relações Exteriores da França convocou o embaixador israelense em Paris após ataques sofridos pela Unifil, a missão de paz da ONU no sul do Líbano.
Israel alega que o Hezbollah tem usado as estruturas e as forças da Unifil como escudos e pediu para que as tropas da ONU se retirem do sul do Líbano.
Na última terça-feira (15), a troca de farpas ganhou mais temperatura. Macron disse no Conselho de Ministros da França que “Netanyahu não deve esquecer que seu país foi criado por uma decisão da ONU”, referindo-se à votação da Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de 1947 que criou um Estado judeu e um árabe na Palestina.
“E, portanto, este não é o momento de romper com as decisões da ONU”, disse o presidente da França.
A fala do presidente francês foi uma referência a decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que em junho aprovou uma resolução para um plano de trégua em Gaza e em 2006 determinou que apenas as tropas da ONU e libanesas podem atuar no sul do Líbano.
Netanyahu rebateu Macron, afirmando que a independência do país foi conquistada na guerra árabe-israelense de 1948-49, e alfinetou o presidente francês, lembrando da colaboração da França com o Holocausto por meio do regime de Vichy.
No dia seguinte, Gallant chamou de “vergonha” o veto da França à participação de empresas israelenses numa feira da indústria de defesa naval que será realizada no mês que vem no país europeu.
Em junho, o governo Macron já havia proibido fabricantes de Israel de participar da Eurosatory, feira de armamentos terrestres. Um tribunal chegou a anular a proibição, mas não houve tempo hábil para as empresas israelenses participarem do evento.
“As ações do presidente francês Macron são uma vergonha para a nação francesa e os valores do mundo livre, que ele afirma defender. A decisão de discriminar as indústrias de defesa israelenses na França pela segunda vez ajuda os inimigos de Israel durante a guerra. É um acréscimo à decisão de colocar um embargo de armas ao Estado judeu”, escreveu Gallant no X.
O ministro acusou Macron de “implementar uma política hostil em relação ao povo judeu”.
Para pesquisador, atitudes de Macron visam público interno
O que estaria por trás dessas ações da França em relação a Israel? Em entrevista ao site Politico, o professor de ciência política Vincent Martigny disse que, assim como em outros países do Ocidente, há uma grande polarização sobre o tema Oriente Médio dentro da França, que possui comunidades judaicas e muçulmanas que estão entre as maiores da Europa ocidental.
“Os conservadores acham que Israel e o Ocidente são um bloco de valores, onde Israel está na linha de frente e deve ser apoiado, ou a luta [contra o extremismo islâmico] chegará à Europa”, afirmou, enquanto a esquerda está ligada à causa palestina.
Nesse sentido, as posturas dúbias de Macron – que ora critica o que chamou de “separatismo islâmico” e defende normas migratórias mais rígidas, ora condena as ações de Israel em Gaza e no Líbano – seriam mais uma tentativa de acalmar grupos políticos franceses, e não de realmente influenciar o cenário internacional.
“Sabemos que ninguém, exceto os Estados Unidos, tem influência sobre Israel e acesso direto a Benjamin Netanyahu”, disse Martigny. “A posição do governo é voltada para um público interno, para a França.”
Porém, na tentativa de agradar todos, Macron acaba não agradando ninguém: uma reportagem da Rádio França Internacional (RFI) apontou que a fala do presidente sobre a criação do Estado de Israel foi criticada tanto pela esquerda quanto pela direita.
“Esse tipo de declaração em relação a um país amigo é um erro inaceitável”, afirmou o deputado Sébastien Chenu, do partido de direita nacionalista Reagrupamento Nacional (RN).
Na esquerda, o comentário de Macron foi entendido como jogo de cena. “São apenas palavras e não ações”, avaliou Thomas Portes, deputado do partido França Insubmissa.
Do ponto de vista prático, um embargo de armas apenas da França a Israel não teria grandes consequências.
Segundo números do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês) divulgados pela CNN, enquanto os Estados Unidos responderam por 69% das importações de armas de Israel em 2023 e a Alemanha por 30%, os dados coletados pelo think tank sueco não mostraram nenhuma exportação francesa de armas importantes para os israelenses entre 2019 e 2023, embora a França tenha fornecido componentes de armamentos durante esse período.
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