Em 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio tomava o nome de Francisco para assumir o papado da Igreja Católica. Tradicionalmente, o nome escolhido por um papa simboliza o rumo pelo qual o pontífice deseja guiar seu rebanho. Isso foi assim quando, no início do século XX, vários papas tomaram o nome de Pio, em sua luta contra os erros do chamado “modernismo”, e quando João Paulo II, canonizado em 2014, tomou o nome de seu antecessor, morto precocemente, simbolizando a renovação desejada na Igreja.
Ao tomar um nome inédito — em honra a São Francisco de Assis, padroeiro dos pobres —, Francisco declarou sonhar com “uma Igreja pobre e para os pobres". Inspirado no popular santo italiano, “o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e protege a criação”, o papa deixava antever traços de seu pontificado.
Já na saudação inicial os fiéis, Francisco recordou a necessidade de rezar por “uma grande fraternidade” no mundo dilacerado pela injustiça, violência e guerras. O pedido foi reforçado na homilia inaugural de seu pontificado, na Solenidade de São José de 2013, quando exortou o povo de Deus a “guardar a criação” e “levar o calor da esperança”, especialmente aos mais pobres.
Uma “Igreja em saída”, que serve com humildade, aliás, é uma tônica do ministério de Francisco. “Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé”, recordou, pedindo ao final do sermão “a todos vós, digo: rezai por mim!".
Francisco iniciou seu pontificado em situação incomum. A surpreendente renúncia do papa Bento XVI deixou a Igreja Católica perplexa. Conspirações foram sugeridas aqui e ali, assim como a legitimidade do novo pontífice, questionada pela sombra do então papa emérito. Contudo, esse pode ser considerado um tema menor durante o governo do primeiro papa latino-americano e o 266º da história da Igreja Católica.
Abusos sexuais
Francisco herdou de seu antecessor o enfrentamento das denúncias de abusos sexuais cometidos por membros do clero. Já em julho de 2013, lançou uma reforma do código penal do Vaticano, agravando as penas contra as várias formas de abuso sexual.
A tentativa de sanar esse flagelo no seio da Igreja tem sido uma constante em seu pontificado. Em fevereiro de 2019, Francisco destituiu ex-cardeal americano Theodore McCarrick, considerado culpado por abuso sexual contra menores e adultos. Ainda em fevereiro, o papa deu início a uma cúpula contra os abusos sexuais na Igreja. Na ocasião, deu a tônica das reformas que deveriam ser sugeridas: "Nenhum abuso deve jamais ser encoberto e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo", disse aos 190 representantes da hierarquia religiosa e aos 114 presidentes ou vice-presidentes de conferências episcopais reunidos em Roma.
Em maio do mesmo ano, emitiu um decreto que obrigava bispos a denunciar casos de abusos sexuais, prevendo inclusive que, caso não o fizessem, eles próprios poderiam ser considerados corresponsáveis pelo crime que ocultaram.
Ambientalismo
Na missa inaugural de seu pontificado, Francisco afirmou a necessidade de se “respeitar o meio ambiente em que vivemos e todas as criaturas de Deus”. A publicação de uma encíclica sobre o tema veio em maio de 2015. Primeira escrita exclusivamente por Francisco (o texto da anterior, Lumen Fidei, publicada ainda em 2013, havia sido iniciado por Bento XVI), “Laudato si´” se inspira no conhecido cântico do pobre de Assis “louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”, exortando ao cuidado com o planeta, a “Casa Comum”.
O tema vem sendo majoritariamente capitaneado pelos setores políticos esquerdistas, o que levou muitos à direita a enxergarem o documento como uma ode ao ecologismo radical. Apesar disso, embora aceite um certo consenso em matéria de diagnóstico sobre a questão climática, a encíclica tem uma visão bastante conservadora sobre a temática, incluindo críticas ao aborto e a pesquisas com embriões humanos.
A publicação suscitou até mesmo reflexões do filósofo francês Fabrice Hadjadj sobre o chamado transumanismo. Embora muitos tenham pinçado frases da encíclica, seja para repudiá-la ou para louvá-la, uma leitura integral poderia favorecer reflexões para os atores públicos sobre como lidar com os problemas sociais e ambientais que a sociedade atual apresenta.
Sínodo dos bispos sobre a família e sobre a Amazônia
Outra marca do pontificado de Francisco é a sinodalidade. Suas declarações sobre a necessidade de reformas na Cúria Romana têm sido constantes, sobretudo no que diz respeito à descentralização de decisões sobre a vida da Igreja (embora não poucas vezes Francisco tenha chamado para si decisões que considerava importantes). No ano passado, ele promulgou a Constituição Apostólica Praedicate evangelium, sistematizando reformas já implantadas na estrutura administrativa da Cúria, ao longo dos nove anos anteriores.
A promoção de sínodos para a discussão de temas sensíveis foi uma das estratégias adotadas pelo pontífice para operar essas mudanças. Trata-se de uma reunião de bispos para discussão de temas importantes para a Igreja. Francisco quis que leigos fossem ouvidos sobre seus pensamentos e dificuldades, presidindo cinco sínodos com bispos. Isso reflete a visão defendida por ele de que a Igreja seja, primeiro, um lugar de acolhimento e acompanhamento.
Em 4 de outubro de 2014, Francisco deu abertura ao Sínodo Extraordinário sobre a Família. Foram muitos os temas discutidos durante os encontros: indissolubilidade do casamento, imigração, violência doméstica, acolhimento de homossexuais, ideologia de gênero e comunhão para casais de segunda união.
Embora houvesse uma expectativa muito grande sobre a comunhão para casais de segunda união, o documento resultante do sínodo, a exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, não alterou significativamente o entendimento da Igreja sobre os temas abordados.
De fato, o documento não afirma explicitamente essa alteração, mas o parágrafo 305 aponta para uma maior abertura sobre o tema: “por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja”, afirma o documento. Uma nota de rodapé acrescenta que “Em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos”, lembrando aos sacerdotes que “o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor” e que “a Eucaristia 'não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos’”.
O texto causou preocupação dentro da Igreja Católica. Quatro cardeais chegaram a explicitar formalmente ao papa suas dúvidas, numa carta que ficou conhecida como Dubia. Eles questionavam se houve mudanças no entendimento do que o papa João Paulo II havia dito em sua exortação apostólica Familiaris Consortio.
Ao menos publicamente, o papa Francisco jamais respondeu aos cardeais. O texto ficou muito marcado por essa polêmica embora contivesse reflexões importantes sobre a beleza do matrimônio cristão.
Quanto ao Sínodo da Amazônia, realizado em outubro de 2019, discutia-se muito sobre o diaconato de mulheres e a possibilidade da ordenação sacerdotal de homens casados, como forma de contribuir para a evangelização da região brasileira. Alegava-se que as distâncias e dificuldades de acesso impossibilitam a presença de um sacerdote em cada comunidade, sendo isso razão suficiente para alterar a disciplina da Igreja.
Também temia-se que o sínodo resultasse numa visão mais internacionalista da Amazônia, o que chegou a se tornar preocupação para o então presidente Jair Bolsonaro. O documento final do sínodo, contudo, publicado em 2020, foi contrário a todas essas propostas.
Embora crítico dos crimes ambientais de toda sorte e exigindo a proteção dos povos da região, o documento afirma que a internacionalização da Amazônia a tornaria refém de “enormes interesses econômicos internacionais”. E, sobretudo, manteve o ensinamento da Igreja sobre o celibato e a não inclusão de mulheres no clero, não sem agradecer o imenso trabalho realizado pelas mulheres na região.
"Na Amazônia, há comunidades que se mantiveram e transmitiram a fé durante longo tempo, mesmo decênios, sem que algum sacerdote passasse por lá. Isto foi possível graças à presença de mulheres fortes e generosas, que batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias", escreveu o papa.
Pandemia e Guerra na Ucrânia
Os momentos mais memoráveis da trajetória de Francisco aconteceram nos últimos anos. Em 2020, durante o período mais severo de lockdown, devido à pandemia de Covid-19, o papa realizou a benção Urbi et Orbi, comumente acompanhada por milhares de pessoas na praça da Basílica de São Pedro, sozinho.
A figura do homem vestido de branco naquela noite chuvosa, pedindo orações pelo mundo inteiro que sofria com a doença e as restrições de liberdade, comoveu a muitos. Na ocasião, o pontífice lançou uma mensagem de esperança enquanto o mundo passava pela “tempestade” da pandemia. “É diante do sofrimento que se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos”, disse Francisco, recordando que a oração e o serviço silencioso são as nossas “armas vencedoras”.
Em 2022, quando o presidente russo, Vladimir Putin, invadiu o território ucraniano e inicia uma guerra de ocupação de territórios como há muito não se via no mundo, o papa não se omitiu diante do conflito. Consagrou, junto dos bispos do mundo inteiro, os dois países ao Imaculado Coração de Maria, pedindo a intercessão da Virgem pela paz.
O papa explicara em carta aos bispos o motivo da consagração, mencionando que “nesta hora escura, a Igreja é fortemente chamada a interceder junto do Príncipe da Paz e a fazer-se próxima a quantos pagam na própria pele as consequências do conflito”.
Essa consagração era há muito esperada pelos católicos, pois era anunciada desde as chamadas “Aparições de Fátima”, no início do século XX.
Algumas controvérsias do pontificado
Algumas vezes, Francisco entrou em conflito com setores mais conservadores da Igreja, como em 2021, quando limitou a celebração das missas no formato pré-conciliar, por meio do Motu Proprio Traditionis custodes. ““Em defesa da unidade do Corpo de Cristo, sou obrigado a revogar a faculdade concedida pelos meus Predecessores [...] O uso distorcido que foi feito desta faculdade é contrário às intenções que levaram a conceder a liberdade de celebrar a Missa com o Missale Romanum de 1962”, justificou o papa.
Francisco mostrou-se ainda aberto ao ecumenismo, promovendo o diálogo com representantes de diversas religiões, como revela o encontro histórico com o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Cirilo, em 2016, quase mil anos após o Cisma do Oriente. Também foram amplas as queixas à participação de Francisco na celebração dos 500 anos da Reforma Protestante, durante sua visita à Suécia, em 2017.
Em janeiro deste ano, Francisco presidiu os ritos fúnebres de Bento XVI. O contraste entre os dois foi uma constante durante sua primeira década de pontificado. Muitos críticos recorriam à comparação com o papa Emérito, acusando-o de formar uma igreja “bergogliana”.
Francisco não costuma responder abertamente às críticas, e limita-se a conduzir a Igreja Católica conforme lhe parece correto em cada ocasião. Os números, porém, mostram que o clero recebeu influência forte de seu pontificado. Segundo o Vaticano, o papa nomeou 111 cardeais do total de 223. Os cardeais são responsáveis pela eleição do próximo papa, e a possibilidade de um sucessor que siga o mesmo espírito de Francisco não pode ser descartada, já que, entre os 123 com menos de 80 anos (portanto aptos a participar de um conclave), 81 foram escolhidos por ele.
Embora necessite da ajuda de uma cadeiras de rodas, Francisco chega aos 86 anos de idade bastante ativo. Ao longo de uma década, Francisco cinco exortações apostólicas e três encíclicas. O papa também percorreu mais de 400 mil quilômetros, visitando 60 estados e territórios e se encontrando com 330 chefes de Estado.
A amplitude de temas abordados no seu pontificado e suas declarações controversas, que por vezes abrem margem para interpretações de supostos acenos à cultura progressista e a reformas mais profundas, contrastam com posturas mais enérgicas quando se trata da defesa de princípios caros à doutrina da Igreja.
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