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Mohammad bin Salman,
príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita
Mohammad bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita| Foto: EFE/Aitor Pereira

O mundo do esporte foi surpreendido na semana passada com a notícia da ida de Neymar para o futebol da Arábia Saudita.

Aos 31 anos, o brasileiro, que em 2017 havia trocado o Barcelona pelo Paris Saint-Germain (PSG) no auge da carreira, foi anunciado pelo Al-Hilal, comandado agora pelo ex-treinador do Flamengo Jorge Jesus, como a grande estrela do time para a disputa da nova temporada do campeonato saudita.

Com um salário de € 320 milhões (cerca de R$ 1,7 bilhão) por duas temporadas, Neymar chegou ao clube saudita afirmando que sempre quis ser um jogador global.

“Eu conquistei muito na Europa e desfrutei de momentos especiais, mas eu sempre quis ser um jogador global e me testar com novos desafios e oportunidades em novos lugares”, explicou ele durante sua apresentação.

Neymar seguiu afirmando que quer escrever uma nova história no esporte e que a “Saudi Pro League [campeonato saudita] tem uma energia tremenda e jogadores de qualidade no momento”.

De fato, o campeonato saudita contará com diversos nomes que brilharam no futebol europeu recentemente. Além de Neymar, os sauditas também contam com Benzema, atual melhor jogador do mundo, de acordo com a última premiação da Bola de Ouro da revista France Football; Sadio Mané, um dos grandes nomes do Liverpool; N’golo Kanté, campeão mundial com a França em 2018; os brasileiros Roberto Firmino e Fabinho; e aquela que é sua maior estrela, Cristiano Ronaldo, um dos melhores jogadores das últimas décadas, cinco vezes melhor do mundo e que foi o primeiro a chegar ao futebol saudita, no começo deste ano, atraído por um contrato multimilionário oferecido no final de 2022.

Há dois ou três anos seria difícil imaginar tais nomes vestindo as camisas de clubes sauditas e disputando o campeonato local, mas agora isso se tornou comum. Inclusive, a transferência de Neymar para o Al-Hilal foi a maior transação feita por um clube não europeu em toda a história. Os sauditas pagaram ao PSG cerca de € 100 milhões, entre pagamento fixo e parcelas variáveis.

Neste momento, segundo uma lista do jornal francês Le Parisien, oito dos dez jogadores mais bem pagos do futebol mundial atuam em solo saudita. Ao todo, somente com os salários anuais, a Arábia Saudita deverá gastar mais de US$ 1 bilhão.

Mas o que está por trás de tanto investimento?

A primeira resposta é o petróleo, ou melhor, o dinheiro que ele gera. A Arábia Saudita é uma das maiores produtoras da commodity e o dinheiro proveniente dela alimenta o poderoso fundo soberano do país, estimado em cerca de US$ 620 bilhões.

Em segundo lugar, está o sportswashing, a prática utilizada por alguns países para “lavar sua imagem” perante a comunidade internacional por meio do uso do esporte. Os sauditas estão utilizando o seu fundo soberano para investir em diversos campos, que vão da tecnologia ao entretenimento, e o futebol, de acordo com muitos analistas, tem sido adotado pelo país nesse momento como a principal plataforma para colocar em prática sua mudança de imagem.

Para colocar em marcha esse objetivo, o fundo soberano saudita adquiriu 75% de participação em quatro dos principais clubes de futebol do país em junho: Al-Ittihad, Al-Ahli, Al-Nassr e Al-Hilal, os mesmos que agora ofertam rios de dinheiro em salários para jogadores da Europa.

Os sauditas não são os primeiros árabes a utilizar tal prática: o Catar também fez uso do sportswashing ao sediar a Copa do Mundo em 2022. O objetivo foi utilizar o principal evento do futebol mundial para se vender ao mundo como um país moderno e dinâmico.

O Catar, assim como a Arábia Saudita, é alvo de denúncias por sua violação dos direitos humanos. As liberdades de expressão, religião, associação e orientação sexual são severamente restringidas no país. Além disso, o Catar também tem histórico de apoio a grupos fundamentalistas islâmicos na região, como o Hamas e a Irmandade Muçulmana.

Mas, para se vender ao mundo, o Catar investiu cerca de US$ 229 bilhões (R$ 1,22 trilhão) na organização da última Copa, o que a tornou a mais cara da história. O país construiu e renovou oito estádios, investiu na construção de hotéis e infraestrutura e até mesmo de uma nova cidade, tudo isso com o objetivo de mostrar ao mundo que era um país desenvolvido, inovador e acolhedor.

Diferentemente do Catar, a Arábia Saudita (ainda) não tem uma Copa do Mundo para organizar e fazer a sua “lavagem de imagem” por meio de um grande evento futebolístico, portanto, o reino apela neste momento para outros métodos dentro do esporte mais popular do mundo, que inclui também ir além da contratação de jogadores.

Por este motivo, os sauditas realizaram a compra do Newcastle, clube da Inglaterra, investiram em patrocínios em camisas de outros times europeus com a estampa de sua empresa de turismo, Visit Saudi, na contratação de Lionel Messi como embaixador do turismo, na aquisição dos direitos para realizar competições internacionais como a Supercopa da Espanha, que geralmente tem entre os seus principais competidores Real Madrid e Barcelona (talvez o maior clássico do futebol mundial), e o Mundial de Clubes da FIFA e, mais recentemente, na proposta de inserir o seu campeão nacional na UEFA Champions League, a principal competição europeia de clubes.

O país também investiu no futebol de base e até permitiu a entrada de mulheres nos estádios. A Arábia Saudita planeja se candidatar para sediar a Copa do Mundo de 2030 – o que seria o auge de todo o seu projeto para se vender como um novo país - e as novas contratações, indiretamente, ajudam a catapultar essa candidatura.

Segundo informações da imprensa esportiva, em alguns contratos assinados pelas novas estrelas do futebol local, inclusive o de Neymar, existem cláusulas de bônus que preveem o pagamento aos jogadores de mais uma “bolada” por posts nas redes sociais que exaltem os pontos positivos do país árabe.

Apesar desse esforço, instituições internacionais de direitos humanos como a Human Rights Watch (HRW) e a Anistia Internacional seguem denunciando de forma recorrente as diversas violações que ocorrem no país de Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro e primeiro-ministro saudita.

Bin Salman é acusado de ser o mandante do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, que desapareceu em 2018 dentro do consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia, aonde tinha ido buscar documentos para se casar.

Investigações sobre o caso apontaram que ele foi brutalmente assassinado dentro do consulado por um esquadrão saudita, tendo sido estrangulado e posteriormente esquartejado. Khashoggi era um crítico do regime saudita e escrevia matérias e artigos nos quais denunciava as violações dos direitos humanos no país árabe.

No mais recente índice de democracia do The Economist, divulgado em 2022, a Arábia Saudita apareceu na 150ª posição, em uma lista que contava com 167 países.

“Nos últimos meses, as autoridades da Arábia Saudita intensificaram sua repressão brutal à liberdade de expressão, condenando indivíduos a penas de prisão de dez a 45 anos simplesmente por sua expressão pacífica online. As autoridades também continuam a executar pessoas por uma ampla gama de crimes. Em um único dia no ano passado, 81 pessoas foram condenadas à morte, muitas das quais foram julgadas em julgamentos grosseiramente injustos”, disse em fevereiro Stephen Cockburn, chefe de Justiça Econômica e Social da Anistia Internacional.

A HRW afirmou em um comunicado que a “Arábia Saudita gasta bilhões de dólares hospedando grandes eventos de entretenimento, culturais e esportivos para se desviar do péssimo histórico de direitos humanos do país".

Diversificação econômica?

Apesar de muitos analistas classificarem os movimentos da Arábia Saudita no futebol como uma clara prática de sportswashing, as autoridades sauditas alegam que eles fazem parte de um grande projeto chamado Visão 2030.

Apresentado em 2016, o projeto nada mais é do que um plano posto em prática por Mohamed bin Salman para diversificar a economia saudita, tirando o país da dependência do petróleo.

O regime saudita afirma que o investimento no setor esportivo, como o futebol, que já é uma paixão nacional, trará diversos benefícios para o país, que incluem o alto investimento estrangeiro, a promoção do emprego interno e o impulsionamento do turismo, já que muitos estrangeiros podem se dirigir ao país para assistir ao Mundial de Clubes ou à Supercopa da Espanha, bem como ir a um estádio local para assistir presencialmente um confronto entre Neymar e Benzema, ou Benzema contra Ronaldo.

Aliado a isso, os sauditas também apontam que o investimento no esporte em geral ajudará no combate contra a obesidade, que vem assolando a população. Segundo mostrou um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de obesidade mais que dobrou nos últimos anos na Arábia Saudita, chegando atualmente a alcançar mais de 50% da população.

Para Simon Chadwick, professor de esporte e economia geopolítica na SKEMA Business School da França, os sauditas estão tentando neste momento “se posicionar como o centro de uma nova ordem mundial”.

Ao Yahoo Sports, ele afirmou acreditar que, a longo prazo, o principal objetivo da Arábia Saudita seja a aquisição de diversas propriedades ligadas ao esporte, visando se posicionar como um dos principais centros esportivos do mundo.

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