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Javier Milei e Sergio Massa, durante o debate presidencial do último domingo (12)
Javier Milei e Sergio Massa, durante o debate presidencial do último domingo (12)| Foto: EFE/Luis Robayo/AFP

A Argentina realiza neste domingo (19) o segundo turno da sua eleição presidencial, no qual um candidato com pouca experiência política (o único cargo eletivo que ocupou foi o de deputado nacional, para o qual foi eleito em 2021) enfrenta um fenômeno político de quase 80 anos.

O libertário Javier Milei lidera a maioria das pesquisas para a disputa deste domingo, mas seu adversário, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, aparece em primeiro em vários outros levantamentos – o que demonstra que, mesmo com a situação econômica dramática argentina, sua eleição não pode ser descartada porque o candidato vem escorado pela força do peronismo.

Corrente política criada por Juan Domingo Perón, que foi presidente da Argentina durante três períodos entre os anos 1940 e 70, o movimento ganhou seis das nove eleições presidenciais realizadas no país desde a redemocratização, em 1983.

Os únicos que “quebraram” essa hegemonia foram Raúl Alfonsín (vencedor em 1983), Fernando de la Rúa (eleito em 1999, renunciou em 2001 e o período do seu mandato foi completado por políticos peronistas) e Mauricio Macri (2015).

Os dois primeiros eram da União Cívica Radical (UCR) e o terceiro, da Proposta Republicana (PRO), dois partidos que, unidos na coligação Juntos pela Mudança, este ano sequer conseguiram chegar ao segundo turno: Patricia Bullrich, candidata da coalizão, foi a terceira colocada na votação em outubro.

Entre os candidatos e presidentes peronistas desde 1983, a diferença de perfis indica o caráter heterogêneo dessa corrente política. Carlos Menem, eleito em 1989 e reeleito em 1995, defendia um modelo econômico mais liberal. Em 2003, tentou voltar à Casa Rosada e passou ao segundo turno com o também peronista Néstor Kirchner – este se tornou presidente porque Menem desistiu da disputa.

Este ano, Massa teve como um dos seus adversários no primeiro turno o também peronista Juan Schiaretti, da ala antikirchnerista do peronismo.

Em contraponto ao modelo liberal defendido por Menem, o kirchnerismo, adepto de grande intervenção estatal na economia, subsídios e programas sociais, se tornou a tendência predominante do peronismo nos últimos 20 anos: além do mandato único de Néstor (2003-2007), sua esposa e depois viúva, Cristina, foi eleita presidente duas vezes (2007 e 2011) e vice uma vez (2019).

O período também foi marcado por perseguição à imprensa crítica ao peronismo, tentativas de interferência no Judiciário e corrupção: em dezembro do ano passado, Cristina Kirchner foi condenada a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para o exercício de cargos públicos por irregularidades na concessão de 51 obras públicas ao empresário Lázaro Báez na província de Santa Cruz, berço político do kirchnerismo, durante as presidências de Néstor e dela.

Massa defende uma administração com maior rigor fiscal, mas na prática não foi o que fez. Durante a campanha presidencial, adotou medidas populistas como congelamento dos preços dos combustíveis e pagamentos de bônus à população.

Quando o peronista assumiu o Ministério da Economia, em agosto do ano passado, a inflação interanual na Argentina estava em 64%. No início desta semana, foi revelado que a inflação em outubro ficou em 142,7% no acumulado em 12 meses.

Outros dados que expõem o fiasco econômico argentino são a pobreza, que hoje atinge 40% da população, e a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que a Argentina terá em 2023 a sexta retração do PIB em dez anos.

Como o ministro da Economia de um país nessas condições consegue chegar a uma eleição presidencial com chances de vitória?

O assistencialismo peronista, claro, é uma das explicações. Em entrevista à Gazeta do Povo, Carlos Augusto Medrado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), apontou outras três razões. A primeira é a coesão e articulação do peronismo, mesmo com diferentes correntes internas.

“O peronismo é um grupo que congrega múltiplas forças, da esquerda até a centro-direita. É algo difícil de compreender, os próprios argentinos não conseguem explicar exatamente o que é o peronismo. Mas eles são bons de ‘chegada’, são organizados, têm seus fiscais, e o Milei não dispõe dessa estrutura”, afirmou Medrado.

O segundo ponto, destacou o advogado, é o perfil de Massa como “político profissional”, que sabe fazer articulações dentro da sua corrente política e junto a oponentes.

A terceira questão, apontou Medrado, é que Massa tem conseguido explorar, na campanha e em debates, o receio que grande parte do eleitorado argentino tem em relação a propostas de Milei, como a dolarização da economia e o fim do Banco Central.

“Uma vitória do Massa não viria pelos méritos dele, mas pelos erros do Milei. Na medida em que ele explora bem essa questão do medo e as pautas polêmicas que o Milei propõe, ao mesmo tempo em que a sociedade quer uma mudança, acaba ficando com receio da mudança que o adversário dele propõe”, disse o advogado.

Na noite de domingo, a Argentina e o mundo saberão se essa estratégia deu certo – e se a hegemonia peronista chegará ao fim ou não.

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