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A Gazeta do Povo publica, com exclusividade no Brasil, o perfil do cardeal Matteo Zuppi preparado pelos vaticanistas Diane Montagna e Edward Pentin, autores do projeto The College of Cardinals Report. Jornalistas com décadas de experiência na cobertura do Vaticano, Montagna e Pentin escreveram perfis de todos os cardeais apontados como principais candidatos a suceder Francisco no comando da Igreja Católica, com informações biográficas e suas posições sobre temas em debate dentro da Igreja.
O cardeal Matteo Zuppi é uma estrela em ascensão dentro do episcopado italiano, um bispo que está na ala política mais à esquerda da Igreja e que provavelmente continuaria o legado do papa Francisco, embora com muito controle por parte da comunidade leiga de Santo Egídio, com a qual ele tem ligação estreita.
Nascido e criado em Roma, Zuppi tem fortes laços familiares com o Vaticano. Seu pai, Enrico, era um jornalista e fotógrafo, nomeado pelo então subsecretário de Estado, Giovanni Battista Montini (o futuro papa Paulo VI), para ser editor do L’Osservatore Della Domenica, uma edição semanal, ilustrada, do L’Osservatore Romano. A mãe de Matteo, Carla Fumagalli, era sobrinha do cardeal Carlo Confalonieri, que foi secretário de Pio XI, prefeito da Congregação para os Bispos e decano do Colégio Cardinalício nos funerais dos papas Paulo VI e João Paulo I.
Quinto de seis filhos, o jovem Matteo fez o ensino médio no centro histórico de Roma, onde conheceu Andrea Riccardi, o fundador do movimento de Santo Egídio. Ele se envolveu imediatamente com a comunidade nascente, que ele considerava “um outro Evangelho e uma outra Igreja”. Em 1977, aos 22 anos, formou-se em Literatura e Filosofia na Universidade La Sapienza, em Roma, com uma tese sobre a vida do cardeal Alfredo Ildefonso Schuster. Então, entrou no seminário, na diocese suburbicária de Palestrina, e estudou para o sacerdócio na Pontifícia Universidade Lateranense, onde se formou em Teologia. Ordenado padre na diocese de Palestrina em 1981, ele foi nomeado vigário na paróquia romana de Santa Maria in Trastevere, sob o monsenhor Vincenzo Paglia. Simultaneamente, ele exerceu várias outras posições, como reitor de uma igreja próxima e chefe de um conselho diocesano de sacerdotes. Em 1992, o padre Zuppi teve um papel crucial em um acordo de paz em Moçambique, mediado pela Comunidade de Santo Egídio, ação pela qual recebeu a cidadania honorária do país.
Nomeado arcebispo e criado cardeal pelo papa Francisco, Matteo Zuppi está totalmente comprometido com a visão deste pontificado e busca concretizá-la
Em 2000, quando Vincenzo Paglia foi nomeado bispo de Terni, Zuppi o substituiu como pároco de Santa Maria in Trastevere e assessor eclesiástico de Santo Egídio. Em 2006, Bento XVI lhe concedeu o título honorário de Capelão de Sua Santidade. Em 2010, ele foi transferido para uma das maiores paróquias de Roma, na periferia da cidade, e em 2012 Bento XVI o nomeou bispo auxiliar de Roma, tendo o arcebispo Paglia como um de seus consagrantes. O papa Francisco nomeou Zuppi arcebispo de Bolonha em 2015, sucedendo o cardeal Carlo Caffarra, e o criou cardeal em 2019.
Além do italiano, o cardeal Zuppi fala um pouco de inglês, mas não se diz proficiente em nenhum outro idioma.
O cardeal Matteo Zuppi é um bispo de personalidade agradável, e em sua Roma natal tem amigos em todo o espectro político. Como alguém que ao longo de toda a sua vida demonstrou preocupação com os pobres e marginalizados, forjada por sua ligação com a Comunidade de Santo Egídio, o prelado italiano se revela um autêntico filho do Concílio Vaticano II, alguém que constantemente procura lidar com o mundo moderno e implementar a “mudança profunda” que, segundo ele, o Concílio quis para a Igreja.
Isso significa ajudar a Igreja a “ouvir novamente as muitas perguntas do mundo”, começando com um conceito de misericórdia, que, segundo ele, “representa a atitude da Igreja pós-conciliar.” Sua abordagem trata de “rejeitar o ódio”, construir “solidariedade autêntica”, abraçar o pluralismo religioso e a “fraternidade”, e ir às periferias para ajudar os pobres e os marginalizados – sejam eles dependentes químicos que perderam tudo, crianças ciganas empobrecidas ou idosos abandonados – o que lhe rendeu o apelido de “padre de rua.” Ele também se esforça para incluir pessoas com atração pelo mesmo sexo, e os divorciados em nova união civil, além de se envolver com muçulmanos, judeus e com assuntos ligados aos migrantes.
Nomeado arcebispo e criado cardeal pelo papa Francisco, Matteo Zuppi está totalmente comprometido com a visão deste pontificado e busca concretizá-la, começando com a exortação apostólica Evangelii gaudium, de Francisco, e incluindo o seminal e controverso documento inter-religioso sobre a fraternidade humana, assinado em 2019, em Abu Dhabi. Zuppi participou de vários sínodos do Vaticano, e vê a sinodalidade como fundamental para renovar a Igreja e ajudar as comunidades eclesiais a superar um isolamento arraigado.
Apesar de suas claras inclinações “progressistas”, Zuppi também tenta dialogar com aqueles à direita e manter canais abertos com os defensores da tradição da Igreja
Para Zuppi, o individualismo é anátema; comunidade, ativismo e missão devem vir em primeiro lugar. Ele tem devoção a Nossa Senhora e valoriza a oração, à qual dá muita importância, mas sua ênfase na justiça social e na igualdade inevitavelmente o levou a fazer alianças com políticos italianos de esquerda – quando Francisco anunciou a nomeação de Zuppi para o Colégio dos Cardeais, a mídia italiana brincou afirmando que o “capelão” do principal partido socialista da Itália se tornaria um cardeal. Zuppi também tem conexões com um movimento de oposição a Matteo Salvini, o líder populista do partido Lega; fez elogios fúnebres a dois radicais italianos de extrema esquerda e pró-aborto em seus funerais; e até aceitou, na Arquidiocese de Bolonha, um padre comunista que se candidatou a uma vaga no Parlamento Europeu.
O cardeal Matteo Zuppi tem sido especialmente fervoroso em acolher homossexuais e o “amor” homossexual, geralmente sem quaisquer pedidos de mudança de vida. Mas, apesar de suas claras inclinações “progressistas”, ele também tenta dialogar com aqueles à direita e manter canais abertos com os defensores da tradição da Igreja. Ele celebrou a missa tridentina pelo menos duas vezes e, em 2022, celebrou Vésperas solenes no Panteão.
Em contraste com sua humilde persona de “padre de rua” está o fato de que Zuppi comanda uma das dioceses mais ricas do mundo, graças a uma doação extraordinariamente generosa de US$ 1,8 bilhão, feita à Arquidiocese de Bolonha apenas alguns anos antes de sua nomeação.
Não é sempre fácil saber exatamente como Zuppi – um prelado inteligente com uma mente afiada – se posiciona sobre questões doutrinárias e outras controvérsias, pois ele demonstrou ser capaz de adaptar sua mensagem ao seu público ou ao papa reinante. Suas opiniões invariavelmente vão em uma direção heterodoxa, como aquelas sobre a indissolubilidade do casamento, a homossexualidade, a ideologia de gênero e o inferno. Seus apoiadores diriam que isso o torna capaz de lidar com as complexidades do mundo moderno; seus críticos poderiam descrevê-lo como o arquetípico modernista astuto.
O que o cardeal Matteo Zuppi pensa sobre...
Ordenação de diaconisas: É contra. “Hoje eu diria que não, o papa disse isso, e repetiu isso no Sínodo”, disse Zuppi em novembro de 2023, a respeito da ordenação de mulheres para o diaconato e o sacerdócio.
Bênção para casais do mesmo sexo: É a favor. O cardeal Zuppi defendeu enfaticamente a linha adotada por Francisco em Fiducia Supplicans, dizendo que o documento mostra “o olhar amoroso da Igreja por todos os filhos de Deus, sem fragilizar o ensinamento do Magistério”. Um ano e meio antes, Zuppi permitiu uma benção de um casal homoafetivo em uma igreja de sua arquidiocese.
Tornar opcional o celibato para os padres: É a favor. O cardeal Zuppi não exclui a possibilidade de tornar opcional o celibato sacerdotal, dizendo que o assunto “está sendo discutido”. Ele lembra que a Igreja Católica já tem padres casados. “Se você vai à Ucrânia ou à Romênia, os padres [casados] das comunidades de rito bizantino unidas a Roma já estão lá”, ele disse. “Então, é uma disciplina que pode ser alterada”, afirmou.
Restrições à missa tridentina: É a favor. Embora Zuppi seja simpático à missa tridentina e já a tenha celebrado, ele também manifestou seu apoio a Traditionis custodes.
Acordos secretos entre China e Vaticano: É a favor. Os esforços diplomáticos do cardeal Zuppi com Pequim são direcionados não apenas a fomentar a paz, mas também a manter os acordos secretos do Vaticano com a China.
Promover uma “Igreja sinodal”: É a favor. O cardeal Matteo Zuppi vê a sinodalidade como um processo fundamental para renovar a Igreja, tornando-a mais aberta, inclusiva e capaz de responder aos desafios contemporâneos enquanto mantém sua fidelidade à mensagem do Evangelho.
Foco nas mudanças climáticas: É a favor. O cardeal Zuppi se pronunciou muitas vezes sobre as mudanças climáticas e apoia a posição do papa Francisco sobre o assunto.
Reavaliar Humanae vitae: É a favor. O cardeal Zuppi declarou apoio à encíclica Humanae vitae, de Paulo VI, mas não endossou explicitamente o ensinamento que condena o uso da contracepção artificial. Em 2023, Zuppi indicou que apoiaria uma renovação das perspectivas sobre o ensino católico a respeito da contracepção, e encorajou teólogos a “ir além” com “fidelidade criativa”.
Comunhão para divorciados “recasados”: É a favor. Como presidente da Conferência Episcopal da Emília-Romanha, o cardeal Zuppi teve um papel-chave no desenvolvimento de diretrizes pastorais para a aplicação do capítulo 8 de Amoris laetitia. Publicadas em 2018, as diretrizes parecem se afastar do ensinamento católico sobre a admissão dos divorciados e “recasados” à Sagrada Comunhão. Contrariando o parágrafo 84 da exortação apostólica Familiaris consortio, sobre a família cristã no mundo moderno, o documento afirma que a castidade não é a única opção para os divorciados “recasados”, “pois a nova união e, consequentemente, o bem dos filhos poderia ser colocada em risco pela ausência dos atos conjugais”.
“Caminho sinodal alemão”: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Zuppi sobre o assunto.
Dados pessoais
Nome: Matteo Maria Zuppi
Data de nascimento: 11 de outubro de 1955 (69 anos)
Local de nascimento: Roma (Itália)
Criado cardeal: 5 de outubro de 2019, pelo papa Francisco
Posição atual: Arcebispo de Bolonha (Itália)
Lema: Gaudium Domini fortituto vestra (“A alegria do Senhor seja a vossa força”)
© 2025 The College of Cardinals Report. Publicado com permissão. Original em inglês: Cardinal Matteo Maria Zuppi



