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A União Europeia (UE) e o Reino Unido estão mobilizando um plano para reforçar a defesa do continente diante da incerteza sobre o compromisso dos Estados Unidos com a segurança local.
O presidente Donald Trump tem sinalizado uma possível redução da presença militar americana na região e tem buscado finalizar um acordo direto com o ditador russo, Vladimir Putin, para encerrar a guerra na Ucrânia, sem a participação de líderes europeus. Esse cenário levou a UE a acelerar esforços para aumentar sua capacidade de defesa de forma independente.
Durante a Conferência de Segurança de Munique, realizada no mês passado, onde o vice-presidente americano, J.D. Vance, criticou o avanço das leis de censura de conteúdo pela UE, que chamou de “inimigo interno dos Europeus”, e não citou esforços dos EUA pela defesa militar do continente, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, revelou que um pacote de defesa "nunca visto antes" já está em fase de elaboração pelo bloco europeu. Segundo o jornal alemão Berliner Zeitung, o valor deste pacote pode chegar a 700 bilhões de euros (aproximadamente US$ 732 bilhões), montante que seria, segundo a informação, destinado tanto ao fortalecimento da defesa europeia quanto ao auxílio à Ucrânia, que ainda combate as forças de invasão da Rússia.
"Similar à crise do euro ou da pandemia, agora há um pacote financeiro para a segurança na Europa. Isso virá em breve", declarou Baerbock à Bloomberg.
Europa se reorganiza diante da incerteza americana
A ideia dos países europeus de aumentar o investimento em defesa ocorre em meio à exigência de Trump para que os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que inclui a UE, elevem seus gastos com defesa para 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, a organização exige investimento por parte dos aliados de 2% do PIB neste setor. Em declarações durante sua vitoriosa campanha no ano passado e após tomar posse em janeiro deste ano, o presidente dos EUA reforçou que os aliados europeus e fora do continente precisam assumir “mais responsabilidades pela própria segurança”, enquanto autoridades americanas indicam que o financiamento militar dos EUA à Europa deve ser revisto.
"O consenso geral foi de que os Estados Unidos não vão mais bancar a segurança da OTAN", afirmou o deputado republicano do Texas Michael McCaul, um aliado de Trump, à Bloomberg.
Diante desse novo contexto, o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, anunciou nas últimas semanas de fevereiro que um grupo de líderes europeus já estavam planejando iniciar discussões com o premiê britânico, Keir Starmer, que recentemente esteve com Trump, para definir um novo plano de defesa. De acordo com o jornal britânico Financial Times, Starmer já até instruiu sua equipe de governo a preparar uma proposta de investimento no setor para ser apresentada às instituições europeias. Sob o comando do líder trabalhista, o Reino Unido deve estreitar seus laços com a UE, bloco que abandonou após o brexit.
"Estamos diante de um momento único para a segurança coletiva do nosso continente. Isso não é apenas sobre a Ucrânia — é uma questão existencial para a Europa como um todo”, escreveu o premiê britânico em um artigo publicado no começo de fevereiro pelo jornal The Telegraph.
"Agora é o momento para ação, decisões e resultados", destacou na semana passada o presidente do Conselho Europeu, António Costa, ao reforçar que a cúpula extraordinária para discutir a defesa da UE e da Ucrânia, prevista para 6 de março, terá a segurança como prioridade.
“A Comissão Europeia está prestes a apresentar um pacote de propostas para reforçar as capacidades de defesa europeias”, disse ele.
Durante uma visita a Kiev no último final de semana, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que a UE já está finalizando um plano para impulsionar também a produção de armamentos e fortalecer a indústria de defesa do continente. Segundo a Bloomberg, a proposta inclui três pilares principais: flexibilização das regras fiscais para ampliar os investimentos no setor militar, criação de um fundo europeu para projetos estratégicos de defesa e revisão das restrições do Banco Europeu de Investimentos para permitir maiores aportes no setor bélico. Com essas medidas, estima-se que pelo menos 160 bilhões de euros possam ser liberados para gastos militares adicionais.
Preocupação com o possível acordo entre Trump e Putin
Enquanto se mobiliza para reforçar sua segurança, a UE segue atenta aos possíveis termos do acordo pelo fim da guerra na Ucrânia que será assinado a qualquer momento entre Trump e Putin. Segundo o Financial Times, o presidente americano estaria disposto a aceitar algumas das demandas do Kremlin neste pacto, que poderia incluir até mesmo a retirada de tropas americanas dos países bálticos. Essa possibilidade tem gerado forte apreensão na liderança desses países, que são membros da Otan.
"Precisamos [a Europa] gastar com defesa de forma rápida e em larga escala; são necessários centenas de bilhões de euros imediatamente”, alertou em entrevista à Bloomberg a ministra da Defesa da Lituânia, Dovile Sakaliene.
As preocupações dos europeus estão sendo agravadas ainda mais pela pressão que Trump vem fazendo para que a Ucrânia ceda, num acordo de paz, os territórios que foram ocupados pelas forças russas e abandone seus planos de adesão à Otan - na quinta-feira (27), o republicano afirmou em coletiva ao lado de Starmer que "isso não vai acontecer", referindo-se a possibilidade dos ucranianos entrarem na aliança. Na sexta-feira (28), o presidente Volodymyr Zelensky se encontrou com Trump na Casa Branca para discutir as negociações para o fim do conflito, mas a conversa ficou tensa após o líder ucraniano exigir garantias de segurança dos EUA para poder firmar o acordo de minerais e terras raras que foi proposto pelo chefe da Casa Branca – que vê neste plano uma forma de “recuperar” o dinheiro enviado em forma de ajuda militar à Ucrânia. Na conversa acalorada, Trump e seu vice-presidente, J.D. Vance, cobraram, por sua vez, “mais gratidão” de Zelensky pelo apoio dos EUA e reforçaram a necessidade de um acordo de paz que pode envolver concessões territoriais à Rússia.