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O regime islâmico do Irã executou 31 mulheres ao longo de 2024, conforme relatório divulgado no último dia 6 pela ONG Iran Human Rights (IHRNGO), que fica sediada na Noruega e documenta as violações de direitos humanos no país comandando pelos aiatolás.
Segundo a ONG, este é o maior número de execuções femininas registrado em 17 anos, superando qualquer dado desde que a entidade iniciou o monitoramento em 2008. O aumento expressivo ocorre dois anos após a irrupção do movimento “Mulher, Vida, Liberdade”, que denunciava a repressão sistemática das mulheres no país e que foi desencadeado pela morte de Mahsa Amini, a jovem curda detida pela polícia da moralidade do regime islâmico por não usar o hijab – véu islâmico - "adequadamente".
“A execução de mulheres no Irã não apenas revela a natureza brutal e desumana da pena de morte, mas também expõe a profunda discriminação de gênero e desigualdade no sistema judicial”, afirmou Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da Iran Human Rights. Ele apelou à comunidade internacional para que “rompa o silêncio” diante das injustiças sistemáticas e intensifique os esforços para salvar as mulheres ainda estão aguardando a pena de morte no Irã.
O relatório da ONG revela que, ao todo, entre 2010 e 2024, pelo menos 241 mulheres foram executadas no Irã. Entre os motivos das execuções, 114 ocorreram após elas serem condenadas à morte por terem cometido suposto crime de “homicídio”, 107 por suposto envolvimento com drogas e quatro por supostos crimes contra a “segurança do Estado”. Dentre essas mulheres, está uma judia.
Cerca de 70% das mulheres condenadas à pena de morte por suposto homicídio entre 2010 e 2024 foram submetidas a esta sentença sob acusação de terem matado seus maridos em contextos de violência doméstica. Segundo o relatório, contudo, o sistema judicial iraniano raramente considera os abusos sofridos por essas mulheres, tampouco leva em conta que, em alguns casos, o crime pode ter sido cometido em legítima defesa.
Leila Ghaemi foi uma das mulheres executadas no Irã sob a pena de morte por homicídio. Segundo a IHRNGO, Ghaemi estrangulou o marido após encontrá-lo abusando sexualmente de sua filha. O homem, que era o pai da menina, cometeu o crime junto com seus amigos. Apesar de relatos da IHRNGO indicando que as autoridades islâmicas tinham conhecimento das circunstâncias do crime, o regime do Irã ignorou o contexto do abuso e manteve a condenação de Ghaemi. A família do marido foi quem mais pressionou pela sentença de morte e ainda obteve a custódia da filha de Ghaemi, a vítima do abuso.
De acordo com a IHRNGO, Leila Ghaemi permaneceu presa por seis anos na prisão de Qarchak antes de ser executada no dia 2 de outubro de 2024, na prisão de Ghezelhesar, em uma execução coletiva que incluiu outros sete homens.
Mulheres que vivem em regiões marginalizadas, estão entre o maior número de execuções por crimes relacionados a drogas. Segundo a ONG, muitas dessas mulheres são forçadas a participar do tráfico ou desconheciam a natureza das cargas que transportavam quando foram capturadas. Ainda assim, o sistema judicial do regime islâmico raramente reconhece tais circunstâncias como motivos para redução das penas.
O caso de Parvin Mousavi, citado no relatório, ilustra essa realidade: proveniente de uma família carente, Mousavi era a principal provedora de sua casa, já que o marido e o filho mais velhos estavam presos. Ela aceitou transportar uma carga que lhe disseram ser de medicamentos, em troca de 1 milhão de tomans (moeda do Irã) - aproximadamente €15 -, mas a carga continha 5 kg de morfina, opioide altamente controlado pelo Estado. Segundo o relatório da IHRNGO, Mousavi foi acusada, junto a outras duas pessoas que participaram do transporte, por tráfico. Ela foi a terceira ré no caso: o primeiro foi executado, enquanto o segundo foi libertado.
Apesar de ter recebido uma promessa do Judiciário de que também seria libertada, Mousavi executada na prisão Central de Urmia no dia 18 de maio de 2024, aos 57 anos.
Repressão
A IHRNGO e outras organizações de direitos humanos alertam que o regime do Irã tem utilizado as execuções de mulheres e demais cidadãos como uma ferramenta política para silenciar dissidentes e manter o controle pelo medo.
A situação das mulheres no país islâmico tende a se agravar com a implementação, que deve ocorrer ainda este mês, da nova lei que endurece as penalidades para aquelas que não cumprirem o uso obrigatório do hijab. Os especialistas da ONU alertaram em dezembro que a nova legislação representa um “aumento do controle estatal sobre os corpos das mulheres” e uma “grave violência contra seus direitos e liberdades”. Além disso, a lei incentiva denúncia por parte de indivíduos, famílias e comércios, fomentando um clima de medo e desconfiança na sociedade.
Dados da ONU e de outras entidades
Na semana passada, dados divulgados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos mostraram que Irã executou, ao todo, pelo menos 901 pessoas em 2024, o maior número em nove anos, representando um aumento de 6% em relação ao ano de 2023. Grande parte dessas execuções esteve relacionada a crimes ligados ao suposto tráfico de drogas, embora dissidentes e participantes dos protestos de 2022 também tenham sido alvos.
A Hengaw Organization for Human Rights, outra ONG que monitora violações de direitos humanos no Irã, destacou em seu relatório que 183 prisioneiros curdos estavam entre os executados em 2024, assim como 73 afegãos e 119 turcos. A organização também relatou a morte de 22 prisioneiros sob custódia, incluindo casos de tortura e negação de atendimento médico.
“É profundamente perturbador que vejamos novamente um aumento no número de pessoas submetidas à pena de morte no Irã ano após ano”, declarou Volker Türk, alto comissário da ONU para os direitos humanos, pedindo ao regime iraniano que interrompa imediatamente todas as execuções e estabeleça uma moratória com vistas à abolição definitiva da pena de morte.