A Constituição da Coreia do Norte estabelece que todos os cidadãos do país “gozam de direitos iguais em todas as esferas do Estado e da atividade pública”. Entretanto, como George Orwell já havia alertado no seu livro “A Revolução dos Bichos”, uma denúncia contra o comunismo: “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.
As relações sociais na Coreia da Norte são regidas por uma norma, negada oficialmente pela ditadura de Kim Jong-un, mas conhecida por todos os habitantes do país, chamada de songbun – termo que pode ser traduzido como “origem familiar” ou “histórico”.
Após o fim da ocupação japonesa (1910-1945) na península e a Guerra da Coreia (1950-53), a ditadura de Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte e avô de Kim Jong-un, estabeleceu um sistema por meio do qual os membros do Partido Comunista e aqueles que lutaram contra o Japão e os sul-coreanos, entre outros, passaram a ser a elite do novo país, dignos de confiança.
Seus descendentes são chamados haeksim (“núcleo”), enquanto os ocupantes do lugar mais baixo na hierarquia social da Coreia do Norte são os choktae (“hostis”), ou seja, os filhos e netos dos que apoiaram os ocupantes japoneses e os sul-coreanos, os cristãos e os proprietários de terras, e são considerados traidores.
Os “intermediários”, isto é, os que não têm nem os privilégios dos haeksim, mas também não são marginalizados como os choktae, são os dongyo, sem passado totalmente “limpo”. Na década de 1960, o sistema passou a ser usado com força total, com as decisões de vida dos antepassados selando o destino de todos os nascidos na Coreia do Norte.
Quem é neto de alguém que lutou pelo norte na Guerra da Coreia, por exemplo, tem o direito de morar onde quiser, acesso aos melhores empregos, universidades e serviços de saúde e pode até receber permissão para viajar ao exterior.
Por outro lado, se a pessoa tem o “azar” de ter na árvore genealógica alguém que foi um grande proprietário de terras, por exemplo, é obrigada a residir nas regiões mais pobres do país e tem uma série de restrições para viagens (inclusive à capital, Pyongyang), educação, atendimento de saúde e oportunidades de trabalho.
“Os filhos desta casta vão à escola no período da manhã, principalmente para doutrinação ideológica, mas depois são utilizados para trabalhar nos campos e nas minas. Geralmente têm vida curta e estão sujeitos à vigilância quase permanente por parte das autoridades”, afirmou a ativista e pesquisadora Yeonmi Park, que deixou o país aos 13 anos, em entrevista concedida este mês à BBC.
Ela relatou que o songbun é tão arraigado na sociedade norte-coreana que muitos subornam funcionários públicos e policiais para descobrir a que classe pertence o/a pretendente antes de “arranjar” um casamento.
“No songbun, não há promoções, apenas rebaixamentos, então se um deles tem um status superior, ao se casar, ficará automaticamente igual ao cônjuge [do patamar] mais baixo”, explicou Park.
Um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) de 2016 apontou que, devido às maiores dificuldades que a Coreia do Norte enfrentou após o fim da parceira União Soviética em 1991, pequenos negócios passaram a ser mais tolerados, e donos desses estabelecimentos começaram a alimentar a esperança de ascender no songbun por meio de pagamento de propinas.
“O meu sonho e de todos os meus amigos era conseguir um emprego com poder e me tornar um funcionário governamental corrupto”, disse no relatório Choi Seung Chol, norte-coreano nascido em 1990, filho de um empresário que vende combustíveis para caminhoneiros e militares, mas um choktae porque seu avô apoiou o Japão durante a ocupação.
Mesmo com seus pais pagando propinas e ele obtendo boas notas e demonstrando fidelidade à ditadura norte-coreana, a ponto de se tornar líder da representação do Partido Comunista na sua escola, ele foi vetado em todas as universidades norte-coreanas.
O songbun foi mais forte que seu esforço e o dinheiro da família. Choi deixou a Coreia do Norte em 2014.
“A menos que você tenha caminho aberto até o topo, não há esperança, nada resta além de trabalho duro sem retorno, medo constante e pagamento de subornos para mal poder sair de casa. Foi por isso que decidi deixar o país”, afirmou.
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