Ouça este conteúdo
Logo após tomar posse, na segunda-feira (20), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que disse em seu discurso que gostaria de ser lembrado como um “pacificador”, iniciou uma intensa pressão diplomática contra o ditador russo, Vladimir Putin, buscando alcançar uma solução pacífica e negociada para o conflito na Ucrânia, que está prestes a completar três anos de confrontos ininterruptos.
Em seu segundo dia completo no cargo, na quarta-feira (22), o republicano reiterou seu compromisso em restabelecer a paz no território ucraniano e evitar mais perdas humanas ao ameaçar novas sanções econômicas severas contra o regime russo.
"Façam um acordo agora e PAREM com essa guerra ridícula!", afirmou Trump em um post na Truth Social, destacando que, caso não haja avanços nas negociações pela paz, poderá impor "altos níveis de impostos, tarifas e sanções sobre qualquer coisa que a Rússia venda aos Estados Unidos” e a vários outros países que lhe apoiam de forma direta ou indireta neste conflito.
Para Jeffrey A. Sonnenfeld, professor da Universidade de Yale, Trump tem neste momento "os meios para forçar Vladimir Putin a encerrar rapidamente a guerra entre Rússia e Ucrânia, se ele abandonar a pressão econômica tímida e inconsistente da administração Biden". Em uma análise publicada pela revista Time, o professor explicou que, neste momento, o republicano tem a “oportunidade de sufocar a economia russa até o ponto de colapso, se ele optar por isso”.
Segundo a agência Reuters, a economia russa, que resistiu a múltiplas sanções desde o início da invasão à Ucrânia, em fevereiro de 2022, já está enfrentando neste momento pressões internas crescentes, agravadas pela escassez de mão de obra e juros elevados para conter a inflação. Fontes próximas ao Kremlin revelaram à agência que parte da elite russa já está começando a considerar desejável uma solução negociada para o conflito no país vizinho, em razão das crescentes distorções econômicas.
O ex-vice-presidente do Banco da Rússia, Oleg Vyugin, comentou à Reuters que a Rússia já está “economicamente interessada em negociar um fim diplomático para o conflito” devido aos riscos de desestabilização econômica interna.
Segundo fontes da agência, o Kremlin ainda não recebeu uma proposta concreta dos Estados Unidos para um cessar-fogo, mas já há uma disposição para discutir opções.
Trump, que durante sua campanha prometeu resolver a guerra "em apenas 24 horas" após tomar posse, agora aposta em um prazo mais realista para negociar uma solução - como explicou seu enviado especial para a Ucrânia e Rússia, Keith Kellogg, em entrevista recente: 100 dias.
No ano passado, agências internacionais de notícias afirmaram que o plano de Kellogg para encerrar o conflito no leste europeu se baseava em três pilares principais: a negociação de um cessar-fogo imediato, a suspensão temporária do processo de adesão da Ucrânia à Otan para atrair a Rússia à mesa de negociações e a vinculação da ajuda militar americana à disposição da Ucrânia em buscar uma solução diplomática. Além disso, o plano prevê o uso de taxas sobre a exportação de energia russa para financiar a reconstrução da Ucrânia, enquanto uma eventual flexibilização de sanções seria oferecida à Rússia como incentivo para firmar um acordo de paz.
Kellogg não fez novos comentários após a posse de Trump sobre como ele ou o presidente republicano querem negociar o fim do conflito.
Nesta quinta-feira (23), o presidente americano não confirmou o prazo de 100 dias citado por Kellogg, mas destacou sua disposição de agir rapidamente para encerrar o conflito que já custou mais de 1 milhão de vidas – segundo o jornal americano Wall Street Journal -, incluindo a intenção de se reunir "imediatamente com Putin”.
“Pelo que ouvi, acho que Putin quer me ver. Eu me encontrarei assim que puder. Quero dizer, imediatamente. Todos os dias que não nos encontramos, homens estão morrendo no campo de batalha”, disse Trump no Salão Oval da Casa Branca.
Trump também mencionou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmando que este está disposto a chegar a um acordo: "Ele está pronto para negociar um acordo. Ele gostaria de parar. Ele é alguém que perdeu muitos militares, assim como a Rússia”.
Durante discurso enviado ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, nesta quinta-feira, Trump também destacou o papel do preço do petróleo na manutenção do conflito, pedindo à Arábia Saudita e à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) que ajudem a reduzir os custos: "Neste momento, o preço está alto o suficiente para que a guerra continue. Precisamos baixar o preço do petróleo para acabar com essa guerra”. Para o republicano, parceiros da Rússia que integram a OPEP, como a Venezuela e o Irã, têm se beneficiado economicamente da venda de petróleo a preços elevados, o que lhes dá recursos para apoiar e sustentar o conflito de Putin.
"Seria bom se nos reuníssemos", diz Putin
Já nesta sexta-feira (24), o ditador Putin disse que está disposto a se reunir com Trump para discutir “todos os assuntos de interesse de Moscou e Washington”, incluindo a Ucrânia.
"Seria bom se nos reuníssemos, levando em conta a realidade atual, e discutíssemos com calma sobre todos os temas que interessam tanto os Estados Unidos como a Rússia", afirmou ele em entrevista ao apresentador da televisão estatal russa Pavel Zarubin.
Segundo o líder do regime russo, seu país pode ter "muitos pontos de acordo" com o novo governo americano.
"Em geral, é claro, podemos ter muitos pontos de acordo com o governo atual, buscando soluções para questões-chave atuais. Se trata de assuntos de estabilidade estratégica e econômicas", destacou.
Quanto à Ucrânia, Putin disse que se Trump tivesse sido reeleito em 2020 sem que essa vitória tivesse sido "roubada dele", possivelmente a guerra na Ucrânia não tivesse começado.
"Se ele tivesse sido eleito presidente, se não tivesse sido roubado da vitória em 2020, então talvez a crise na Ucrânia que surgiu em 2022 não tivesse ocorrido", afirmou.
Putin, que disse ter relações de "confiança" com o novo mandatário americano, insistiu que estava aberto ao diálogo sobre a Ucrânia, mas reiterou que Kiev tem um decreto proibindo-o de iniciar tais negociações com a Rússia.
"Acredito que aqueles que pagam dinheiro (para armar a Ucrânia) devem ser forçados a fazê-lo (negociar com Moscou)", enfatizou, acrescentando que, em sua opinião, Kiev "terá que fazê-lo".
Quanto à ameaça de Trump de impor mais sanções à Rússia se o país não acabar com a guerra, Putin respondeu que não acredita que o presidente americano tomará decisões que prejudiquem a economia dos EUA.
"Duvido que [Trump] tome decisões que prejudiquem a economia americana. Ele não é apenas uma pessoa inteligente, mas também um pragmático", disse.
EUA devem pressionar a Rússia para manter equilíbrio global
Especialistas como Arseniy Yatsenyuk, ex-primeiro-ministro ucraniano, consideram o apoio americano à Ucrânia no conflito e na negociação de paz como “essencial” para o retorno do equilíbrio global.
"Ao apoiar a Ucrânia, Trump tem a oportunidade de evitar a escalada para uma Terceira Guerra Mundial e reestabelecer a liderança dos Estados Unidos em um momento em que a estabilidade internacional está ameaçada", escreveu Yatsenyuk em um artigo para o think tank Atlantic Council.
Segundo ele, a invasão da Ucrânia pela Rússia não é apenas um conflito territorial, mas parte de um projeto de Putin para desmantelar a ordem global que ainda é liderada pelos americanos e que Putin
“Putin não quer apenas apagar a independência da Ucrânia; ele quer inverter o veredito de 1991 [quando a União Soviética desmoronou] e acabar com o sistema internacional baseado em regras”, alertou Yatsenyuk.
Segundo o especialista, Putin está determinado a superar Trump e usará a guerra na Ucrânia para tentar enfraquecer a posição dos EUA no mundo.
“Embora os Estados Unidos não estejam em guerra com a Rússia, os russos acreditam firmemente que estão em guerra com os Estados Unidos. O presidente russo, Vladimir Putin, está determinado a superar Trump e vê a invasão da Ucrânia como uma oportunidade para humilhar os Estados Unidos no cenário global”, escreveu.
Para o ex-premiê, uma derrota da Ucrânia sem negociação teria impactos profundos: ditadores autoritários em países como China, Irã, Venezuela e Coreia do Norte seriam encorajados a adotar políticas externas ainda mais agressivas.
“O futuro da segurança internacional depende de uma defesa firme da ordem baseada em regras contra a agressão russa”, enfatizou.