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Alexei Navalny faz selfie com sua família no hospital Charite de Berlim| Foto: Reprodução/Instagram/AFP

Na manhã do dia 20 de agosto, o advogado e ativista Alexei Navalny, o rosto mais conhecido da oposição a Vladimir Putin na Rússia, se dirigiu ao aeroporto de Bogashevo, na cidade de Tomsk, na Sibéria, para onde viajara com o objetivo de apoiar candidatos independentes antes das eleições locais em setembro.

Acompanhado de sua secretária de imprensa, Kira Yarmysh, e de alguns assessores, Navalny pediu uma xícara de chá numa cafeteria e embarcou no voo S7 de volta para Moscou. No meio do percurso, se dirigiu ao banheiro de trás do avião, passou mal e desmaiou. Um pouso de emergência o levou a uma UTI em em Omsk, a segunda maior cidade russa. De lá, o ativista seria transferido em coma para um hospital em local desconhecido na Alemanha.

Quatro meses depois do episódio, sabe-se que as suspeitas de envenenamento que surgiram imediatamente após a internação de Navalny (que ainda está em tratamento e segue refugiado em terras alemãs) foram comprovadas. O novichok, substância neuroquímica desenvolvida pela União Soviética, pode ser transformada em pó solúvel ou encontrada na forma sólida. Ao contrário do que se pensou a princípio, contudo, a droga não estava no chá, mas foi colocada na cueca do opositor.

Ou, ao menos, foi esta a informação supostamente revelada por um dos agentes envolvidos na operação, chamado Konstantin Kudryavtse ao próprio Navalny, que lhe telefonou se passando por funcionário do alto escalão do Conselho Nacional de Segurança da Rússia. A conversa foi gravada por assessores de Navalny, que manipularam o número da chamada para que o agente pensasse que sua origem era a sede do serviço de inteligência russo. A revelação foi publicada no blog pessoal do ativista.

"Colocamos até uma dose extra (do veneno)", disse Kudryavtsev durante a ligação que durou cerca de 45 minutos. O agente revelou ter participado do processo de limpeza do quarto onde a vítima estava hospedada na Sibéria, para eliminar “traços do veneno". O próprio Kudryavtsev teria dito: "Se não tivessem pousado o avião o resultado teria sido diferente. Acho que o (pouso do) avião foi decisivo. A gente não esperava que isso acontecesse. As coisas certamente deram errado".

Apesar da notícia ter ganhado as manchetes do mundo inteiro, Alexei Navalny ainda não tem provas contundentes de que o agente Kudryavtsev tenha sido, de fato, o interlocutor da ligação. Entretanto, o advogado e ativista afirma que basta uma perícia de voz para confirmar a identidade do agente.

A última negativa de envolvimento no crime por parte do Kremlin no caso veio na semana passada, quando o primeiro-ministro Vladimir Putin assegurou que se tivesse a intenção de matar Navalny, ele estaria morto.

“O poço de crueldade de Putin é profundo, e ele nunca escondeu sua vontade de se envolver em casos ‘mal explicados’ de assassinatos, sequestros ou sabotagem. Seria autodestrutivo manter em segredo sua prontidão para a vingança: é uma mensagem que ele deseja que os russos, que podem se inspirar politicamente nos protestos na fronteira da Bielorrussia, ouçam”, avaliam os pesquisadores Michael S. Goodman, do King’s College de Londres e David Frey e David Gioe, da Academia Militar de West Point, nos Estados Unidos. 

Esta não seria a primeira vez que o Serviço Federal de Segurança da Rússia é acusado de manter a tradição, herdada dos tempos da União Soviética, de envenenar opositores. Durante as eleições presidenciais na Ucrânia, em 2012, o ex-presidente Viktor Yushchenko, crítico de Putin, foi envenenado com dioxina e sobreviveu com o rosto desfigurado. Dois anos depois, o ex-espião da KGB Alexander Litvinenko, que vivia exilado na Inglaterra, foi envenenado com polônio-210, uma substância radioativa posta em seu chá.

“Uma vítima de veneno sofre muitas vezes publicamente, produzindo efeitos estratégicos. As fotos do lamentável Litvinenko, calvo, magro, sofrendo em sua cama de hospital, enfatizavam a mensagem pretendida. Embora qualquer bandido possa matar com uma arma, os líderes soviéticos e, posteriormente, russos transformaram o assassinato em uma forma de arte dramática”, explicam os pesquisadores do King’s College e da Academia Militar de West Point.

“O uso de venenos exóticos mostra que os confrontos com o poder não são uma batalha entre duas pessoas, mas sim trazem todos os recursos do estado contra um indivíduo, enquadrando a situação como sem esperança e fútil. O veneno evoca o medo de que você nunca esteja seguro, nunca fora de alcance”.

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