A onda de críticas que se seguiu ao mais recente vazamento de informações secretas realizado pelo WikiLeaks.org deixa a entender não apenas entre funcionários de governos, mas às vezes entre observadores e analistas que existe uma percepção generalizada de que o grupo atravessou uma fronteira perigosa ao divulgar a comunicação diplomática entre as embaixadas e consulados dos Estados Unidos ao redor do mundo e o Departamento de Estado.
Estaria, afinal, a diplomacia em perigo?
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não costuma aparecer por aí como um representante do consenso global. Mas na segunda-feira ele embarcou no mesmo comboio da maioria dos chefes de Estado e de governo do mundo ao advertir que a própria soberania dos Estados estava em perigo por causa de uma realidade na qual nenhum segredo estará seguro caso esteja escrito.
"Será mais difícil para os diplomatas norte-americanos transmitir em telegramas e relatórios as coisas da mesma forma que antes", disse o chefe de governo israelense. O mais provável é que os governos passem a acumular informações, observou Netanyahu, restringindo assim a circulação das informações e reduzindo substancialmente o risco de vazamento.
Trata-se de um tema delicado para ser comentado por líderes eleitos, é claro, pois tal posicionamento subentende que deve haver um limite para o que as pessoas devem saber, ou pelo menos quando elas devem tomar conhecimento de um determinado assunto.
Netanyahu argumentou que a capacidade de comunicação por canais secretos foi crucial para que Israel e Egito alcançassem um acordo de paz em 1979. Se o público israelense tivesse conhecimento de que o então primeiro-ministro israelense, Menachem Begin, estava se preparando para ceder todo o Deserto do Sinai, capturado em 1967, o diálogo poderia ter descarrilado, especulou. "A transparência é fundamental para nossa sociedade, assim como costuma ser essencial, mas existem algumas poucas áreas e a diplomacia é uma delas nas quais ela não é essencial", declarou Netanyahu.
Os esforços governamentais para controlar a transparência sofreram um duro golpe no último fim de semana, quando o site WikiLeaks começou a publicar mais de 250 mil telegramas diplomáticos secretos dos Estados Unidos, em um episódio rotulado como o maior vazamento de documentos confidenciais da história.
Hillary disse no início da semana que o WikiLeaks agiu na ilegalidade ao colocar o material em domínio público e afirmou que o governo estava tomando "medidas agressivas para responsabilizar aqueles que roubaram essas informações".
Por parte dos chefes de Estado e de governo, as críticas ao vazamento dessas informações foram praticamente unânimes. O ministro das Relações Exteriores do Canadá, Lawrence Cannon, disse que "os perpetradores desses vazamentos podem ameaçar nossa segurança nacional. Já o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, adotou um tom um pouco mais diplomático do sugerir que o vazamento "dificilmente poderá ser considerado um caso de altruísmo".
O vazamento vem sendo observado pelos governos sem a aura de interesse público que costuma pairar em torno da exposição de segredos governamentais, mesmo que ilegais ou indiscretos. Nos meios diplomáticos, a sensação parece ser de que a arte da diplomacia em si, muitas vezes capaz de evitar guerras e solucionar conflitos, está sendo atacada. O jornal italiano La Repubblica destaca que "a história da diplomacia precise agora recomeçar do zero, agora ciente de que sempre pode haver um par de olhos eletrônicos por sobre os ombros da pessoa que está escrevendo".
O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, considerou a ação do WikiLeaks um "divisor de águas" e conclamou os líderes mundiais a "permanecerem firmes, sem distanciar-se do caminho da diplomacia".
Os Estados Unidos certamente já fizeram uso do segredo com fins diplomáticos: a histórica abertura para a China promovida pelo então presidente Richard Nixon em 1972 foi antecedida por negociações secretas mediadas pelo Paquistão. Em um ponto, o então secretário de Estado Henry Kissinger simulou um mal-estar durante um visita a Islamabad e embarcou numa viagem secreta com destino à China.
Mais comuns, entretanto, são os relatórios enviados pelos diplomatas a suas capitais, em textos nos quais abordam questões políticas, atores importantes, assuntos econômicos e até mesmo fofocas, entre muitas outras coisas.
Michael McKinley, o embaixador norte-americano na Colômbia, disse que a vulnerabilidade da correspondência diplomática provoca "imenso dano à capacidade dos diplomatas norte-americanos de participar de um diálogo confidencial franco não apenas com funcionários do governo, mas também com toda a sorte de atores políticos e não governamentais".
Para que o sistema funcione, os diplomatas precisam que seus contatos acreditem em sua discrição. "Contatos valiosos, que fornecem impressões e informações contextuais muito úteis, poderão agora ficar relutantes em falar abertamente em conversas privadas com funcionários norte-americanos por temerem que seus comentários alcancem a mídia, rivais políticos ou parceiros", avalia Ali Engin Oba, um analista turco que já foi embaixador de seu país no Congo e no Sudão. Trata-se de um "acontecimento temeroso para a diplomacia".
P. J. Crowley, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, falou sobre isso: "Nós teremos de dar garantias adicionais a nossos contatos, a funcionários de outros governos, a integrantes da sociedade civil de que, no futuro, protegeremos as informações, as confidências que nos fazem".
O presidente dos EUA, Barack Obama, comentou que "os vazamentos levarão a uma revolução na forma como os telegramas diplomáticos são enviados e arquivados. É preciso haver um novo avanço tecnológico".