A avalanche incessante de informações vinda à tona com o vazamento de documentos dos Estados Unidos no site WikiLeaks expôs ao menos uma evolução importante das práticas da diplomacia norte-americana: a expansão das tarefas de espionagem direta.
Diplomatas foram orientados a coletar dados biométricos, números de cartões de crédito e até DNA de autoridades estrangeiras.
Os pedidos foram requisitados a diplomatas alocados em diversos países, e chegaram até a Organização das Nações Unidas (ONU), onde a prática é expressamente proibida por convenções.
As ordens foram feitas em nome da secretária de Estado, Hillary Clinton, e da embaixadora do país na ONU, Susan Rice.
As revelações estão no seio dos cerca de 250 mil despachos diplomáticos sigilosos dos EUA que estão sendo publicados gradualmente no WikiLeaks há uma semana.
Não surpreende que diplomatas façam coleta de dados é parte intrínseca do trabalho , mas ficou claro que os limites entre diplomacia e espionagem estão em uma zona cada vez mais cinzenta.
"Posso dizer que nunca recebi nem ouvi falar de um pedido desse tipo em meus 36 anos no Departamento de Estado", disse o diplomata norte-americano aposentado Howard Schaffer, de 81 anos, atual conselheiro do Instituto para Estudo da Diplomacia da Universidade Georgetown. "Claro que pediam informações, mas não esses dados. Me parece algo novo", afirmou.
Para alguns analistas, o esforço dos EUA em grampear amigos e inimigos é uma resposta à perda gradual de poder e influência.
Seumas Milne, colunista e editor do jornal britânico The Guardian, afirma que as ações "mostram como o império americano começou a perder o rumo quando o momento do mundo unipolar pós-Guerra Fria passou, Estados antigamente dependentes como a Turquia resolveram andar sozinhos e poderes regionais como a China começaram a fazer sua presença global mais sentida".
Fred Burton, ex-membro dos serviços de segurança diplomáticos e atual analista da empresa de inteligência Stratfor, diz que a avaliação tem limites. "Varia de acordo com as relações diplomáticas com cada país."
O Departamento de Estado dos EUA tentou minimizar o impacto das revelações. "Nossos diplomatas não são ativos de inteligência", disse o porta-voz P.J. Crowley. "Eles coletam algumas informações, como fazem diplomatas de todos os países."
Há quem argumente que o caso apenas escancarou uma prática antiga. "As linhas entre a diplomacia e a espionagem sempre foram tênues", disse James Lindsay, vice-presidente sênior do Council on Foreign Relations (CFR). "Alguns tipos de dados não eram possíveis de ser coletados no passado, a diferença está aí", complementa.
Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos EUA, diz que sempre falou ao telefone e fez comunicações em Washington "partindo do princípio de que estava tudo grampeado".
Segundo ele, é "notório que os EUA são particularmente ativos em espionagem internacional".
O fato de que espionam aliados também seria normal. Para Burton, "não existe processo de inteligência amigável". "Nessas horas, não existem aliados."
Remanejamento
Os EUA devem começar em breve a remover e remanejar pessoal diplomático, militar e de inteligência que perderam credibilidade ou ficaram em risco com a divulgação de milhares de despachos sigilosos pelo site WikiLeaks.
Agentes de inteligência e pessoal militar também deverão ser deslocados, segundo autoridades americanas afirmaram ontem ao site Daily Beast. Vários países reagiram com irritação aos vazamentos, entre eles França, Itália, Turquia, Reino Unido, Rússia, Líbia, Afeganistão e China.
Um candidato forte ao remanejamento seria o embaixador norte-americano na Líbia, Gene Cretz. Cretz escreveu a Washington sobre as relações estranhas do ditador Muammar Gaddafi com sua enfermeira ucraniana. "Vamos ter de retirar alguns de nossos melhores funcionários porque se atreveram a relatar a verdade sobre os países nos quais trabalham'', afirmou um alto membro dos serviços de segurança americanos.