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Rodrigo Paz, nascido em Santiago de Compostela durante o exílio de seu pai, o ex-presidente Jaime Paz Zamora, representa um movimento de centro-direita em construção que busca conciliar o legado popular do ciclo anterior com uma agenda de livre mercado capaz de enfrentar a crise que o país atravessa.
Embora ainda haja incerteza sobre os rumos que a Bolívia tomará sob o novo governo, a noite da eleição deixou uma imagem clara: algo mudou. Primeiro, a sequência de ligações e mensagens que recebeu — e aquelas que não recebeu — revela um novo alinhamento geopolítico.
Os primeiros a parabenizá-lo foram vários presidentes sul-americanos, marcando uma reconexão regional após anos de isolamento. Antes mesmo de se dirigir ao país, Paz conversou com Christopher Landau, subsecretário de Estado do Departamento de Estado dos EUA, que transmitiu cumprimentos de Donald Trump e Marco Rubio. Ambos haviam expressado disposição de trabalhar com qualquer um dos candidatos dias antes.
Pouco depois, o vice-presidente argentino anunciou que a Bolívia havia comunicado seu distanciamento definitivo do Irã. Tão eloquentes quanto esses gestos foram os silêncios: nem Havana, nem Caracas, nem Brasília enviaram mensagens de felicitações.
A Bolívia está mudando não apenas aos olhos do mundo, mas também dentro de si mesma. Estas eleições marcam, de fato, o fim da era do MAS e de Evo Morales. Após vinte anos de hegemonia, o MAS foi relegado: nenhum de seus candidatos chegou às urnas de domingo. Eles desapareceram em segundo plano.
MAS: morte por sucesso?
Alguns argumentam que a queda do MAS é um caso de “morte por sucesso”: o crescimento e o desenvolvimento alcançados durante os governos de Evo Morales mudaram a demografia e as expectativas dos eleitores. Aqueles que antes eram mobilizados por uma causa indígena e socialista agora fazem parte, em melhor situação, de uma classe média que não se sente mais desafiada pelos discursos que antes os mobilizavam.
No entanto, embora a Bolívia tenha mudado desde que Evo Morales assumiu o poder, é improvável que sua derrota possa ser explicada apenas pelo sucesso excessivo.
O MAS não apenas deixou de desafiar os partidos: também provocou rejeição. Parte dessa rejeição se deve à corrupção que caracterizou os governos de Evo Morales e Luis Arce
Nas últimas semanas, surgiram novos casos de corrupção — ainda sem comprovação —, alguns envolvendo parentes do atual presidente, Arce. Esses casos se somam à longa lista de escândalos que o MAS acumulou.
Além da corrupção, o desencanto decorre das promessas não cumpridas dos governos do MAS. Eles alegaram ser o governo dos povos indígenas, mas se esqueceram dos povos indígenas do leste da Bolívia, que foram pisoteados mais de uma vez pelo Estado de Evo Morales e seus métodos extrativistas.
Alegaram ser o governo do povo, da vasta maioria, mas durante vinte anos se apoiaram em uma estrutura clientelista que beneficiou poucos e negligenciou os mais vulneráveis. As ruas da Bolívia continuam cheias de pessoas pobres, incluindo crianças, que migram para as grandes cidades para mendigar algo para comer.
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O personalismo de Evo Morales
Evo Morales não parou de questionar, mas não o faz como antes. Ele não é mais “o bom selvagem” que grande parte do mundo — e dos bolivianos — glorificou em seus primeiros anos. Suas tendências autoritárias — como seu desrespeito ao referendo de 2016, que o desqualificou de concorrer à reeleição — e sua resistência em permitir novas lideranças dentro do partido explicam, em parte, sua deterioração.
Em sua tentativa de se tornar o centro do MAS, ele seguiu o destino astrofísico dos corpos com muita massa: eles colapsam em um buraco negro do qual nada escapa. No caso de Morales, esse buraco negro é seu personalismo e o culto à sua figura.
Uma semana antes das eleições, apesar de não ser deputado estadual, ele inaugurou uma estátua em sua homenagem no Trópico de Cochabamba. No domingo, também reivindicou a vitória de Paz: “Eles venceram com o voto de Evo”. A existência do termo “Evo” descreve bem a onipresença de sua figura.
Evo, no entanto, mantém o poder político. Paz terá que decidir o que fazer com ele. Morales, por sua vez, não tem muito tempo para refletir: seu próximo problema é legal. Ele terá que regularizar sua situação perante a Justiça boliviana em casos que incluem acusações de estupro de vulnerável, tráfico de pessoas e outros crimes listados nos autos. Se a Justiça boliviana não o assusta, ele pode se preocupar com os casos de tráfico de drogas que começam a circular nos tribunais americanos e que levam seu nome.
Desafios urgentes
Além da encruzilhada imposta por Morales e seu legado, Rodrigo Paz enfrentará dois grandes e urgentes desafios. O primeiro é a resolução da crise econômica. O país que Luis Arce lhe entregará em 8 de novembro encontra-se em situação crítica: recessão confirmada, inflação alta e câmbio em queda livre.
Há o risco de estagflação, que o novo presidente terá que combater sem recursos: as reservas da Bolívia estão quase vazias, literalmente, já que, segundo relatos recentes, o governo chegou a recorrer à venda do ouro físico que resta em seus cofres.
O segundo desafio é interno: a governabilidade. Para enfrentar a crise, ele terá que ser capaz de governar, e isso também não parece garantido.
Ao tentar ser um candidato popular, teve que abraçar uma massa heterogênea sob seu guarda-chuva, cuja lealdade não é garantida
É provável que, após as comemorações de domingo à noite, a manhã de segunda-feira tenha sido repleta de cálculos e negociações. O bolo logo terá que ser cortado, e todos tentarão ficar com a parte do leão. Além disso, ele terá que garantir acordos com as outras facções que compõem a Assembleia Legislativa, pois não pode governar sozinho.
E, como se não bastasse, precisará resolver o problema de seu vice-presidente, Edman Lara, que durante a campanha foi errático e demagógico, envolvido em inúmeras polêmicas e insinuou autonomia em relação ao presidente. A comunicação entre os dois parece ser ruim: na noite de domingo, Lara preferiu comemorar em Santa Cruz, em vez de acompanhar Paz na sede do governo para aguardar os resultados.
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Além desses dois desafios urgentes, Paz precisa reservar tempo para o que é importante. O país sofre com uma crise política e institucional que clama por socorro. Tudo, dos tribunais aos ministérios, precisa ser reformado. Isso exige expertise técnica — algo que ambos os candidatos ofereceram durante a campanha —, mas também uma visão de país; e isso é algo raro.
Rodrigo Paz encerrou a noite de domingo, como encerrou a maioria de seus eventos de campanha, destacando o cerne de sua política: “Bolívia, Bolívia, Bolívia...”. É evidente que ele é um patriota e que quer construir uma nova Bolívia; no entanto, precisa demonstrar que pensou com clareza suficiente sobre a Bolívia que pretende construir. Se ainda não o fez, não é tarde demais para pedir ajuda.
O número e a magnitude dos desafios, no entanto, não devem distrair os bolivianos do que é importante: a Bolívia venceu. Essa vitória democrática, obtida nas urnas, é motivo de esperança e alegria — uma nova oportunidade para iniciar um novo projeto para o país.
Talvez, graças à dura — e nem sempre justa — campanha eleitoral dos últimos meses, isso tenha sido obscurecido e polarizado, e muitos bolivianos foram dormir no domingo sem perceber o essencial: o que aconteceu era, apenas dez anos atrás, impensável.
Ambos os candidatos — o que se tornará presidente em novembro e o que não se tornará — terão que responder por isso: o país pagou o preço por sua ambição e polarização. No entanto, isso não significa que a Bolívia tenha mudado de rumo sem direção; ao contrário, parece caminhar para algo melhor.
Nestas eleições, a Bolívia mostrou que não quer mais o MAS, pelo menos pelos próximos cinco anos.
A vitória não se resume a o país ter se deslocado para a direita e se afastado da esquerda. Em vez disso, a vitória reside na mudança da Bolívia de uma forma instrumental, prejudicial e irracional de fazer política para a oportunidade de fazer as coisas de forma diferente. A Bolívia mudou; resta saber se mudou para melhor.
©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Bolivia ya no quiere MAS. Rodrigo Paz y el fin del ciclo



