No primeiro semestre de 2023, o Instituto Ciência e Fé PUCPR deu acesso à comunidade brasileira uma tradução fundamental para o diálogo entre ciência e fé. Estamos falando da obra Vida Inteligente no Universo: a fé católica e a busca por vida extraterrestre inteligente, de autoria do jesuíta e diretor do Observatório do Vaticano, Guy Consolmagno. A publicação ainda conta com o prefácio do Prêmio Nobel de Física, John Mather, e encontra-se disponível gratuitamente nas plataformas virtuais.
Alguns leitores ficam perplexos ao saber que o Vaticano tem interesse em reflexões dessa natureza. Mais perplexos ainda ficam quando sabem que diversos religiosos e religiosas não são apenas servos e servas de Deus, mas também da ciência. Infelizmente, e de um modo geral, na atualidade ainda restam preconceitos em torno da relação entre ciência e fé.
A Igreja não apenas tem interesse pelas descobertas e inovações científicas como promove contribuições genuínas em alguns campos.
A intuição metafórica que sobrevoa esse contexto é a de que ao passo em que se abre a porta da ciência fecha-se, como que automaticamente, a porta da Igreja e vice-versa. Mas, ao contrário disso, essa instituição não apenas tem interesse pelas descobertas e inovações científicas como promove contribuições genuínas em alguns campos. Relembro, aqui, um deles: a astronomia.
Apesar dos percalços e alguns exageros por parte da Igreja Católica na época da Revolução Científica (séc. XVI-XVII) – devidamente reconhecido pelo pedido de desculpas público do papa João Paulo II a Galileu Galilei, in memoriam, e à ciência da época – novas formas de relacionamento entre ciência e fé foram se estabelecendo. Desde a reforma do Calendário Gregoriano até as indagações sobre a possibilidade de vida extraterrestre inteligente, já se passaram mais de cinco séculos de história. E nada nesse mundo é tão estático e fechado em si mesmo a ponto de permanecer igual por tanto tempo. Eis uma das razões que torna injustificável sustentar uma imagem anacrônica da Igreja com a Ciência. Assim como esta, a Igreja está sintonia com os desafios de seu tempo; tem um olhar atento às pesquisas, mas não para cerceá-las e sim para aprender e colaborar com elas.
Esse interesse pela ciência permanece há séculos. Poucos recordam que uma das primeiras academias científicas do mundo Ocidental foi a Academia dos Linces, fundada por Frederico Cesi, em 1603 – e que hoje é reconhecida como Pontifícia Academia das Ciências. Comentamos acima da querela entre Galileu e a Igreja Católica, mas ele foi um dos intelectuais membros da Academia. Atualmente, a Academia está composta por mais de 80 cientistas pontifícios sendo que muitos deles não são católicos, provém de diferentes continentes – inclusive com a representação brasileira de dois cientistas: Vanderlei Salvador Bagnato e José Nelson Onuchic – e muitos já foram prêmio Nobel. E o que eles fazem? Promovem pesquisas e examinam questões científicas de interesse da Igreja.
Uma dessas questões consiste em saber se há vida, como a conhecemos, fora do planeta Terra. Como diz Guy Consolmagno, “mais o primeiro e mais importante fato que temos que enfrentar na questão da ‘inteligência extraterrestre’ é o seguinte: não sabemos. De todos os planetas que encontramos orbitando outras estrelas, não está claro se algum deles é adequado para a vida como a conhecemos. Em nenhum deles, nem em nenhum lugar mais perto de nós no nosso próprio Sistema Solar, já encontramos evidências que completamente, incontestavelmente, provam que a vida se originou em algum lugar diferente do que aqui na Terra. (...). Certamente, parte disso acabará por estar errado. Possivelmente, tudo isso está errado. Não sabemos”.
A obra, apesar de enxuta, traz especulações filosóficas e metafísicas potentes e nos apresenta outra forma de perceber a pesquisa científica e as indagações antropológicas inerentes a essas questões.
Douglas Borges Candido é doutor em Filosofia, especialista do Instituto Ciência e Fé PUCPR e responsável pelo Encontro com Nobel PUCPR – Evento com o astrofísico John Mather.
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