O cenário global das crianças afetadas por crises humanitárias é desolador. Em um momento crucial de suas vidas, quando deveriam estar se desenvolvendo em meio à paz e estabilidade, e usufruindo da garantia de seus direitos essenciais, milhões delas, em todo o mundo, enfrentam um contexto cruel e implacável, onde suas vozes são sufocadas pela fome, falta de nutrição e conflitos armados.
A realidade é: crianças que vivem em contextos de conflitos extremos enfrentarão grandes desafios para livrar-se dos traumas e medos oriundos desses ambientes. Esta disparidade de experiências não apenas molda suas perspectivas individuais, mas também reflete os valores intrínsecos de suas vivências.
Algo muitas vezes negligenciado é como essas situações contrastantes, entre crianças afetadas por conflitos armados e as que crescem em lugares pacíficos, impactam profundamente não apenas suas visões de mundo, mas também suas esperanças e aspirações para o futuro.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o número de crianças mortas na Faixa de Gaza em quatro meses de guerra, de outubro de 2023 a fevereiro de 2024, superou o total de crianças mortas em todas as guerras do mundo durante 4 anos, de 2019 a 2022. O levantamento também calcula que uma criança é morta a cada 10 minutos em Gaza.
Migrando para o Norte da África, o Conselho de Segurança alertou que nas próximas semanas e meses, 222 mil crianças podem morrer de desnutrição no Sudão. O conflito no país, que em breve completa um ano, está causando uma crise alimentar que já atinge milhões de pessoas.
O questionamento é simples: mesmo que as guerras acabem, como essas crianças terão paz diante do sofrimento vivido?
No Haiti, por exemplo, outra crise humanitária se desenrola diante de nossos olhos. Com mais de 125 mil crianças em risco de desnutrição aguda, segundo o Unicef, a nação caribenha enfrenta um cenário desolador de fome e sofrimento. O relatório do The Integrated Food Security Phase Classification (IPC), mostra que cerca de 5 milhões de pessoas na região enfrentam níveis elevados de insegurança alimentar aguda. É desumano esperar que essas crianças voltem a ter esperança de vida com uma realidade tão cruel.
Por outro lado, quando analisamos o cenário brasileiro, um país que, felizmente, não conhece a face cruel da guerra em seu solo, têm o privilégio de crescer em um ambiente relativamente estável e pacífico. Para elas, a paz é um conceito tangível, e um contexto presente em suas vidas diárias. No entanto, enquanto muitas dessas crianças desfrutam desse privilégio, é crucial reconhecer que nem todos têm acesso igual a esta realidade.
Embora as crianças brasileiras possam não experimentar diretamente os horrores da guerra, muitas enfrentam desafios e adversidades diferentes em seu próprio contexto social. A desigualdade, a pobreza e a violência urbana são realidades que afetam profundamente suas vidas e moldam seus valores.
A falta de consciência social, por exemplo, pode perpetuar injustiças e desigualdades, criando divisões em uma sociedade que busca a coesão e a solidariedade.
No Brasil, ao menos 32 milhões de meninas e meninos - 63% do total - vivem na pobreza, incluindo: renda, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação, de acordo com a pesquisa "As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil", do Unicef. É uma realidade que nos confronta com a urgência de políticas sociais eficazes e um compromisso renovado com a justiça social e os direitos das crianças.
Em um mundo onde as crianças continuam a sofrer as consequências devastadoras das crises humanitárias, é urgente que a comunidade global responda com empatia e ação.
Devemos reconhecer que a paz e a estabilidade não são luxos, mas direitos fundamentais de todas, em qualquer parte do mundo.
É essencial que governos, organizações internacionais e a sociedade civil trabalhem em conjunto para implementar políticas eficazes e programas de assistência que garantam o bem-estar e o futuro dos pequenos afetados por essas crises. Somente através do compromisso coletivo e da solidariedade podemos aspirar a um mundo onde possam crescer em segurança, saúde e felicidade, independentemente de sua origem ou circunstâncias.
Thiago Crucciti é diretor nacional da ONG Visão Mundial Brasil.
Deixe sua opinião