Há um fator comum entre os principais acontecimentos históricos internacionais, como exemplos as guerras Israel x Hamas, Ucrânia x Rússia e nas Eleições Venezuelanas: o pêndulo de poder entre o mundo ocidental e o mundo oriental. Notoriamente, esta divisão do mundo entre dois polos antagônicos de poder ensejou inúmeras diferenças culturais, políticas, sociais e econômicas. Diferenças essas que influenciaram na formação dos padrões de sociedade na era da globalização, sendo o exemplo mais evidente as duas primeiras gerações dos Direitos Humanos (os direitos de liberdade, com viés político e associados aos países ocidentais e os direitos econômicos e sociais, com viés de igualdade, mais ligados aos países orientais).
Sem dúvidas, o ápice na história moderna desta separação foi a Guerra Fria, e os seus desdobramentos, por ser o momento em que as diferentes visões de mundo ficaram mais escancaradas.
De um lado os Estados Unidos como representantes de uma sociedade livre, porém permeada por desigualdades, e de outro a União dos Países Soviéticos, como representantes de uma sociedade igualitária, porém, com total ausência de liberdades.
Por óbvio, não se pretende aqui discutir os erros e acertos destes regimes, especialmente em um momento de polarização acentuada, contudo, é inegável que as suas características foram fundamentais para a formação das regras de convivência e dos ditames sociais. Quando lembramos que o Direito Penal, na sua essência, é um instrumento de regulação das relações humanas, resta claro que a sua formação sofreu fortes influências destes regimes dominantes.
Ao olharmos para o caso brasileiro, vale lembrar que só vivemos sobre a ascendência ocidental. E, em termos de legislação, a daqui é, historicamente, estruturada a partir da alemã, espanhola e portuguesa. Isso se deve aos efeitos dos processos de colonização e imigração, mas também ao fato dos padrões sociais da cultura brasileira serem um espelho dessas culturas. Não sem razão, os principais tipos penais das legislações desses países são iguais, como o caso do capítulo dos crimes patrimoniais, dos crimes contra a vida, dos crimes contra a liberdade sexual, entre outros inúmeros exemplos.
No caso das regras processuais e procedimentais as circunstâncias são as mesmas, afinal, é decorrência lógica de uma sociedade cujos pilares são os da liberdade a observância de preceitos como a publicidade, a ampla defesa, a fundamentação, o contraditório, a excepcionalidade da prisão, as regras de competência, as autoridades pré-constituídas, e todas as outras garantias consagradas.
A intensificação do processo de globalização permitiu ainda mais intercâmbio entre o mundo ocidental, alicerçado no fortalecimento dos Estados Unidos como potência mundial, e na massiva difusão dos seus padrões culturais e sociais. E obviamente, estes padrões reverberam efeitos nas esferas legislativas, especialmente na penal.
Não à toa aqueles mecanismos com os quais estávamos habituados nos filmes americanos passaram a ser difundidos, defendidos e utilizados no Brasil, especialmente nas décadas de 90 e no início dos anos 2000, através das dezenas de leis penais especiais.
Ou alguém põe em xeque as influências que levaram ao surgimento de um clamor social para o combate à lavagem de dinheiro, ao terrorismo, à sonegação fiscal, ao tráfico internacional de drogas, à evasão de divisas ou para abrandamento das garantias processuais através da delação premiada, da justiça negocial ou transacional e do direito penal do inimigo?
Passadas algumas décadas do início desse processo, ainda há forte influência, contudo, a geopolítica mundial atravessa um processo de reorganização. Especialmente porque o eixo oriental, capitaneado por Rússia e China, ganha cada vez mais robustez política e econômica, o que interfere diretamente na expansão das suas zonas de influência.
Disso resultam mecanismos de repressão social até então pouco difundidos no Brasil, como é o caso das tentativas de criminalização de determinadas pautas sociais e dos aumentos de pena aos que fazem críticas aos poderes constituídos
Estes são meros indicadores que, como sociedade, de alguma forma, somos influenciados pelas tendências de outras culturas, e ao absorvermos isso somos tendentes a mudar nossos próprios dogmas.
Resta saber - e isso só o tempo mostrará - se o resultado dessa miscigenação cultural pós-globalização surtirá efeitos penais positivos, ou só irá fomentar o recrudescimento imotivado das normas penais.
Acacio Miranda da Silva Filho é doutor em Direito Constitucional pelo IDP/DF e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada/Espanha.
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