No dia 11 de setembro de 2021, o jovem Mateus Noga, que comemorava sua aprovação nos testes do Detran e receberia em breve sua CNH, teve a vida ceifada pela ação da Guarda Municipal de Curitiba. Segundo a corporação, os agentes atiraram depois que garrafas foram jogadas contra a equipe, que tentava dispersar uma aglomeração.
Até a presente data, as investigações continuam, aguardamos o resultado da sindicância e já desistimos de ouvir Rafael Greca. O prefeito não fez nenhuma declaração sobre o assassinato, ocorrido no coração do Largo da Ordem, cartão-postal da cidade. Não condenou a ação, não tomou a responsabilidade de investigá-la, nem ao menos lamentou a morte ou prestou solidariedade à família da vítima.
A desastrosa operação foi incapaz de cumprir a Lei Federal 13.022, de 8 de agosto de 2014, que regulamenta as guardas de todo o país e inclui, entre suas competências, “colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas”. Além da morte de Mateus, a ação deixou duas mulheres feridas.
Este caso extremo revela a realidade mais profunda de uma Guarda Municipal fragilizada pela ausência de compromisso da gestão com os seus servidores, que clamam por treinamento, maior valorização da carreira e condições de trabalho. Recentemente, o Sindicato dos Servidores da Guarda Municipal de Curitiba (Sigmuc) trouxe a público a “maquiagem” realizada em viaturas já utilizadas em Santa Catarina e entregues à população paranaense como novas.
O descaso tem consequências. Em 2020, a corporação municipal foi a única do estado a registrar mortes em serviço. E durante a pandemia, segundo dados do Sigmuc e da Federação Nacional de Sindicatos de Guardas Municipais (Fenaguardas), mais de um terço dos 1.578 servidores contraíram o coronavírus. Pelo menos cinco morreram.
Os trabalhadores vilipendiados pela administração municipal muitas vezes são utilizados para reprimir seus concidadãos. Infelizmente, são inúmeras as denúncias que recebemos sobre a abordagem da população em situação de rua. Há também um histórico de relações pouco amistosas com artistas e trabalhadores da cultura que ocupam os espaços públicos. E mesmo durante a pandemia, a Guarda Municipal participou de despejos forçados, contribuindo para agravar a situação de vulnerabilidade de centenas de famílias.
Quem não sabe ouvir a população também não sabe a hora de falar com ela. O silêncio do prefeito Rafael Greca é preocupante.
Uma boa política de segurança pública não escolhe a quem deve proteger. É dever do gestor garantir isso. A proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas, a preservação da vida de todos. Não são palavras bonitas. São princípios legais aos quais o prefeito deve obediência. É sua obrigação garantir que a lei seja cumprida pela administração municipal.
Neste sentido, um debate que ainda precisamos enfrentar é sobre o papel das Guardas dentro do sistema público de segurança. Definir modelos e protocolos específicos de atuação, buscando a integração com as polícias Civil e Militar, sem o acúmulo de responsabilidades, evitando conflito de competências e cumprimento dos mandamentos legais.
Outro ponto que merece reflexão é o uso de armamento legal pelos agentes da Guarda Municipal. Lembremos a forma como Mateus Noga foi assassinado, com inúmeras perfurações ocasionadas pelo disparo de uma arma calibre 12mm. Não parece razoável que uma equipe tenha autorização para sair às ruas com um armamento de grosso calibre para conter uma aglomeração de pessoas.
O que proponho é que a prefeitura faça uma consulta pública, como a realizada pela prefeitura de Niterói, no ano de 2017. Na ocasião, a população foi ouvida e afirmou, em ampla maioria, que gostaria de uma guarda municipal desarmada. Foram 13.478 votos “não” contra 5.480 “sim”. Como responderia a população curitibana?
Quem não sabe ouvir a população também não sabe a hora de falar com ela. O silêncio do prefeito Rafael Greca é preocupante. Em recente consulta pública sobre as prioridades do orçamento para 2022, a população curitibana reafirmou seu respeito à nossa honrada Guarda Municipal, solicitando mais viaturas e um aumento do efetivo. Mas o que a população pode esperar de um chefe do Poder Executivo que se cala diante da morte?
Goura Nataraj é mestre em Filosofia, deputado estadual pelo PDT e presidente da Comissão de Meio Ambiente na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná.
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