Tenho de pedir desculpas por estar meio em falta com as ilustres páginas do Postliberal Order. Andei imerso nas próprias raízes da ordem direita, a saber: a geração, proteção e cuidado da nova vida humana. Em específico, de duas adoráveis bebês idênticas que trazem a imagem de Deus. Não é que estejamos sem dormir aqui em Alexandria, mas digamos que estamos descobrindo como precisamos de poucas horas de sono para viver e se mexer, e pensamos sobre isso. Uma grande desvantagem, em meio a todas as alegrias inefáveis e insones de ser pai de duas bebezinhas, é que tenho pouco tempo para ler; e, assim, menos tempo ainda para escrever. Mas um ensaio de Nina Power levantou as minhas cansadas pálpebras: “Por que precisamos do patriarcado.”
Como todos os homens criados nas últimas quatro décadas, aprendi que o patriarcado era uma coisa muito má, e que eu deveria fazer tudo o que está ao meu alcance para não exercer o “poder patriarcal”. Para ser um bom progressista, eu precisaria aceitar o poder de toda uma nova série de classes protegidas, mas a única classe que não era protegida de modo nenhum é aquela que agora ocupo da maneira mais plena: a paternidade. Nina Power nota que, a despeito das décadas reclamando do patriarcado, as evidências nos contam uma história diferente. Quaisquer que sejam os juízos que fazemos sobre o que ele é ou deixa de ser, não vivemos num patriarcado, e não vivemos nele há muito tempo. Power aponta para o próprio fato inconveniente e trágico de que uma a cada quatro crianças não tem pai – o que não significa que alguma criança exista sem pai, mas sim que o pai desapareceu. Seus pais não estão insones por causa da alimentação noturna; estão de todo ausentes; e, onde quer que estejam presentes, seu papel de pai é visto como algo dispensável e desnecessário, ou ao menos como secundário e auxiliar. Os pais raramente são retratados ou reconhecidos como essenciais ao nosso florescimento social e político.
Nina Power é uma filósofa inglesa que há pouco escreveu um tour de force em defesa do patriarcado em What Do Men Want? Masculinity and Its Discontents (Penguin, 2022) [“O que os homens querem? A masculinidade e os seus descontentes”, sem tradução no Brasil]. Seus críticos alegam que ela exagera a crise dos homens, mas a extraordinária resposta dos homens ao básico cri de coeur de Jordan Peterson (de que os homens não são só importantes, senão necessários à sociedade) sugere que é impossível exagerar o problema. É claro que Power não é nenhuma conservadora; é uma pensadora radical da esquerda que transgride os dogmas da fluidez de gênero progressista. É parte da estranha dinâmica de ferradura que uma pensadora da nova esquerda com um impecável pedigree de erudição pós-moderna retorne a ideias que outrora sairiam dos lábios de Phyllis Schlafly. Também é por isso que ela se juntou à mais falada revista da ferradura, a Compact, que reúne tanto a nova esquerda como a nova direita contra a dobradinha libertina e libertária do poder liberal – e, é claro, conta com dois escritores do Post Liberal Order, Patrick Deneen e Adrian Vermeule, num eclético quadro estável de conselheiros editoriais.
Em seu ensaio para a Compact, Power, com argúcia, observa que a ordem liberal moderna não surgiu do reconhecimento da importância do pai, senão da do irmão. A palavra do mote da Revolução Francesa era fraternidade e não paternidade. Embora Power não observe as dimensões teológicas do apelo à fraternidade, elas só fortalecem o seu argumento, pois o apelo político dos franceses à “fraternidade” é teologicamente incoerente, já que a Religião do Homem não reconhece nenhum Pai sob cujo olhar pudéssemos sequer nos tornar irmãos. E essa incoerência é evidente na maneira como o “Regime do Irmão” (como Juliet Flower MacCannell nomeou a crítica iluminista original do patriarcado) essencialmente dissolve a diferença sexual. Espera-se que os homens ajam como mulheres, e que as mulheres ajam como homens. “O regime do Irmão”, assim, apaga a paternidade e a maternidade, e substitui o pai pelo “irmão hedonista”, que é celebrado na cultura material sob a forma do frat boy irresponsável, de tal maneira corroído por vícios que o libertinismo se torna a imagem central da “fraternidade” masculina, maximamente desconectada da paternidade que é essencial aos homens, e sem a qual a fraternidade sobra como uma grotesca paródia do sodalício cristão, um patriarcado virado de cabeça para baixo. O “rapaz carcomido pela pornografia” é, em alguns respeitos, o próprio núcleo da crítica do “privilégio patriarcal”; e, ainda assim, é precisamente a ausência do pai que vemos no icônico frat boy – sempre um “mano”, nunca um “papai”, nunca um pai com responsabilidades, com vigilância e com algo de valioso para zelar, mesmo que implique sacrifícios pessoais maiores do que noites em claro. [N. t: Frat boy, o “rapaz da fraternidade”, talvez pudesse ser substituído por playboy ou traduzido como “mauricinho”. No entanto, perder-se-ia a relação com a fraternidade masculina de onde vem o playboy. As universidades dos EUA tipicamente têm uma fraternidade, de frater, irmão homem em latim, que em português deu em “frade”. Pelo estereótipo, os frat boys são mauricinhos beberrões e mulherengos.]
A “fraternidade” da ordem liberal nos deixa indefesos e em desordem. É de surpreender que ordens liberais tardias amem guerras estrangeiras, mas invariavelmente escolham somente aquelas que não mande nenhum deles à luta? Até as chamadas “virtudes marciais”, outrora elogiadas por teóricos políticos liberais, tornaram-se redutíveis a homens vestirem-se como mulheres, correndo rápido para conflitos que podem nos destruir de verdade. Como Power nota, “os homens não são mais encorajados a ser protetivos consigo próprios, com as mulheres e crianças, nem com suas comunidades.” E conclui:
Ao desmantelar o patriarcado, perdemos algumas coisas valiosas: o pai protetor, o homem responsável, a atitude paternalista que exibe cuidado e compaixão, em vez de simplesmente limitar a liberdade. Isso resultou numa sociedade horizontal, competitiva, que serve muito bem ao capitalismo de consumidores, onde não há poder fora do mercado e do Estado. Aqueles que se opõem à injustiça deveriam pensar duas vezes antes de denunciar o patriarcado.
Santo Agostinho, aquele alvo do desprezo antipatriarcal, aquele Padre [ou Pai] da Igreja que com toda probabilidade seria espinafrado por suas opiniões acerca do sexo e da ordem doméstica, na certa concordaria com Nina Power quanto a isso. Na verdade, no mui discutido Livro XIX da Cidade de Deus, ele diz que a própria ordem é inteligível porque é ordenada pelo Pai Eterno, e então o paterfamilias é essencialmente inteligível apenas pela analogia com a direção divina que Deus dá a toda a ordem criada. O Pai eterno dirige a ordem criada pelo próprio Amor, e então um homem, enquanto essencialmente imagem e cópia da paternidade, deve também ordenar as coisas segundo esse amor a Deus e ao próximo: para ser um homem, precisa amar, e ordenar as coisas segundo o que se deve amar, e proteger das coisas destrutivas e desordenadas que se devem odiar. “O homem tem responsabilidade por sua própria casa”, escreve Agostinho em De civitate Dei 19.14 — não só em sua família, senão também na sociedade humana, já que toda sociedade é uma espécie de casa de casas, uma oikonomia [economia, “ordem da casa” em grego] que é conhecedora da ordem da natureza e de sua governança divina.
A paternidade humana é, assim, essencial ao bem comum social e político como uma imagem do cuidado diretivo e protetivo que Deus dá ao dirigir o próprio universo. O que quer que emerja das cinzas da ordem liberal – e rezo fervorosamente para que a ordem liberal não nos reduza a cinzas em sua senectude – irá exigir algo parecido com o chamado de Nina Power para recuperar o “pai protetor, o homem responsável”. Como estou imerso nas dimensões mundanas muito reais dos sacrifícios que isso irá exigir dos homens, também posso atestar que isso é infinitamente melhor para nós abraçar a paternidade essencial do homem do que o patético regime dos “mano” que existe como uma paródia da ordem direita.
Chad Pecknold é teólogo e professor da Catholic University of America. Este texto foi traduzido do Post Liberal Order com autorização.
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