A primeira obrigação das universidades, o seu papel, é mirar um futuro pelo qual, com a comunidade de professores, possamos prefigurar, aqui e agora, um projeto utopicamente exequível. Para que, assim, possamos vislumbrar, daqui a dez, vinte anos, o que a educação superior no Brasil há de ser. Temos de lutar por tais objetivos, com clareza sobre a proposição que queremos alcançar, sobre a utopia a ser cumprida.
Esta é a função do sonho: ordenar, concatenar ações, para haver oposição ao fatalismo, e, sobretudo, para que projetos mesquinhos e meramente mercantilistas não prevaleçam. Conforme o Censo da Educação Superior, divulgado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), sobre o ano de 2023, a maior parte das pessoas que têm acesso ao setor no Brasil é branca, abastada e, geralmente, ocupa carreiras fulgurantes em medicina. Os pretos, pardos e índios ainda não têm o acesso ao estudo como seus pares caucasianos.
A causa da universidade brasileira deve ser o Brasil. A universidade tem de preocupar-se com as consequências previsíveis de cada um dos caminhos que possamos tomar
Uma universidade que não tenha uma projeção de si mesma está carente de uma ideia utópica de como crescer neste cenário e distante de cumprir seu papel. Faltam-lhes liberdade e coragem para discutir amplamente, sem um ideal mais alto, algo que produza um movimento claro. Sem isto, está debilitada e se torna incapaz de construir fatos sólidos.
As universidades cumprem, atualmente, um papel universitário que pense em desenvolvimento e mobilidade social e que esteja ocupado com a geração de uma mentalidade original, outrora disseminada por nomes como Celso Furtado, Darcy Ribeiro e Milton Santos? O tecnicismo, por mais competentes que sejam, significa pouco ou nada, se não houver o questionamento que nos leve a indagar para que e para quem operam e existem. A serventia coletiva – e não meramente individualizada – perde sua primazia sem tais perguntas.
É tarefa primordial das nossas Instituições de Ensino Superior (IES) encarar a nossa realidade, perscrutando-a, examinando-a e analisando-a, profundamente. Pululam, hoje em dia, ainda conforme a pesquisa, cursos em EAD. Há uma redução acentuada do número de docentes contratados para atuar nas instituições não gratuitas. Ressalta-se que há sempre a necessidade de primar pela qualidade do ensino, seja na rede pública ou nas pagas, com ou sem fins lucrativos. Mas como fazê-lo com um corpo de professores cada vez menor, mais sobrecarregado e menos titulado?
Entretanto, há uma verdade irrefutável: por meio do Prouni e do Fies, a educação, durante algum tempo, pôde ser mais democrático. Devemos boa parte dessa disseminação às faculdades privadas. É por meio da IES que um país fortalece setores econômicos, por exemplo, o de tecnologia, desenvolvendo capacidade para produzir melhor aparelhamento para as suas indústrias, tornando-as, cada vez mais, em potências nacionais, como ocorre com a China e com os Estados Unidos. Entretanto, tal cenário é distante da nossa atual realidade. Na OCDE, em levantamento sobre o percentual da população com educação superior, por faixa etária, de 2022, o Brasil está abaixo da média. Estamos na frente apenas da África do Sul, Indonésia, Argentina e Índia. 20 nações estão à frente da nossa.
Urge a necessidade de criar núcleos capazes de repensar os problemas que assolam o país há meio milênio. Compõem-se a isso temas como industrialização, reforma agrária, acesso ao conhecimento. Diversas são as chagas históricas. Segundo Darcy Ribeiro, “o acelerador da história é o saber”. Precisamos reverter a atual circunstância: há mais alunos desistindo da formação acadêmica do que os que o concluem ou permanecem nela.
Há regiões que não conseguem chegar ao campus da universidade para estudar. É o caso de comunidades indígenas, quilombolas e de rincões afastados, em áreas rurais distantes das urbanas. A essas pessoas a modalidade a distância pode e deve ser uma opção, porém frisando que deve ser dado acesso a uma educação de qualidade e não de quantidade. A causa da universidade brasileira deve ser o Brasil. A universidade tem de preocupar-se com as consequências previsíveis de cada um dos caminhos que possamos tomar e em cumprir seu papel.
Frente a questões urgentes, a universidade brasileira tem de se mobilizar. Inovação é a chave para enfrentarmos os novos tempos e cumprir seu papel. A utopia pode ser facilmente compreendida neste contexto como uma prática nova, que nos projete a uma realidade menos precarizada no ensino, que nos faça enriquecer enquanto nação, que nos promova mundialmente como uma potência. Para isso, ideia na qual ponho minhas esperanças, anseio ver um pensamento concreto se formular, conclamando toda a população, no presente, a construir o que havemos de ser no futuro como povo.
Rodrigo Bouyer, avaliador do Inep e Sócio da Somos Young.
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