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Já se passaram seis décadas desde que Juscelino Kubitschek encerrou seu mandato como presidente do Brasil. Desde então, o país nunca mais experimentou um processo de desenvolvimento socioeconômico tão robusto em um único governo. Juscelino assumiu em 1956 com o lema “50 anos em 5”, prometendo a modernização e a industrialização do Brasil em ritmo acelerado. A história mostrou que o discurso desenvolvimentista de JK não era mera retórica nem promessa vã, típica das campanhas eleitorais.
Para atingir seu objetivo, JK concebeu o Plano Nacional de Desenvolvimento, um conjunto de 30 metas a serem alcançadas em cinco anos, que se tornaram prioridade absoluta de seu governo. Essas metas foram anunciadas a todos os brasileiros na primeira reunião ministerial. De tão importante, o presidente não delegou a execução da ideia a nenhuma pasta, mantendo a gestão vinculada diretamente a si.
O governo de Juscelino concentrou-se em consolidar a industrialização, com a instalação da indústria pesada – notadamente a automobilística, a multiplicação de siderúrgicas, o desenvolvimento da construção naval, o fortalecimento do potencial energético e o forte investimento em transportes e na produção agrícola.
A somatória de todas as iniciativas coordenadas resultou em uma extraordinária mudança para o país. A produção industrial subiu 80%; a média de crescimento anual do PIB brasileiro saltou para inéditos 8,06% ao ano; a produção de equipamentos de transporte cresceu mais de 600%; e a política agrícola demonstrou um expressivo crescimento na produção de alimentos e grãos, impulsionada também pela fabricação nacional de tratores. A potência energética aumentou mais de 60% e o número de rodovias asfaltadas foi quintuplicado.
Para deixar, de uma vez por todas, de ser o 'país do futuro' para se tornar uma nação justa e solidária, o Brasil precisa ser repensado, voltando-se os olhos para a realidade nua e crua dos brasileiros de todas as regiões
Das 30 metas de seu plano, JK cumpriu integralmente 80%, sem se descuidar das metas fiscais e de inflação, cruciais para o equilíbrio da economia. O 31º objetivo acrescido ao plano inicial foi a construção de Brasília, transferindo a capital federal para o Planalto Central, marco da interiorização do desenvolvimento e essencial para o desenvolvimento daquela região do país. Não foi uma promoção pessoal, mas sim o cumprimento do que estava estabelecido desde a Constituição de 1891, prevista em seu artigo 3º (que detalhava até a área).
Não há dúvidas de que os cinco anos do governo JK construíram uma ponte indestrutível entre o velho e o novo Brasil. Em 1960, as bases do desenvolvimento estavam consolidadas e, com elas, criadas as condições para os avanços nas próximas décadas. A visão de futuro de JK foi um marco para o fantástico agronegócio brasileiro na região Centro-Oeste. A verdade é que, 60 anos depois, período no qual o Brasil superou um turbulento período político, alcançou a redemocratização e conseguiu estancar a vertiginosa inflação com o Plano Real – que estabilizou a moeda –, a nação não mais voltou a experimentar uma fase tão benéfica.
Os avanços registrados desde então foram incapazes de reduzir as desigualdades sociais e regionais, de sustentar o ritmo de desenvolvimento e, ainda, de oferecer condições de vida digna à maior parte da população. Eleição após eleição, governo após governo, o país segue patinando, apesar de seu enorme potencial econômico. Boa parte disso se explica pela ausência de um plano vintenário, de caráter socioeconômico e ambiental, voltado a ações de Estado (não de governos), definidas para induzir o desenvolvimento sustentável, de forma planejada, crescente, com segurança jurídica, exploração responsável de suas imensas riquezas naturais e ampliação e diversificação de seu parque industrial.
É inegável que, há décadas, os governos têm se dedicado a apresentar soluções espasmódicas para problemas graves, obviamente com resultados meramente paliativos. Não é de se estranhar, portanto, que mesmo se colocando entre as 10 maiores economias do mundo, o Brasil continue apresentando indicadores medíocres na mensuração da qualidade de vida da população.
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O maior exemplo desse terrível paradoxo está no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no qual o Brasil ocupa apenas a 84ª posição no ranking das Organizações das Nações Unidas (ONU), tendo caído 11 posições nos últimos três anos. Mas não é só. Em 2024, nosso país atingiu o maior nível internacional de desigualdade entre 56 nações analisadas, segundo o coeficiente Gini, utilizado para medir a disparidade na distribuição de renda ou riqueza de uma população, conforme divulgado pelo Relatório Global de Riqueza 2025.
Essas são apenas duas marcas negativas – entre tantas – de um país que mergulhou em um poço aparentemente sem fundo de privilégios e impunidade, com verdadeiras castas cada vez mais bem remuneradas graças a penduricalhos que furam o teto remuneratório constitucional e muitas vezes são isentos de Imposto de Renda. Enquanto isso, mais de um terço (35,6%) da população sobrevive com renda inferior a um salário mínimo/mês, em situação de acentuada pobreza. Não se pode ignorar que o salário mínimo nacional é o segundo menor entre os nove países da América do Sul, superando apenas o da trágica Venezuela.
Para deixar, de uma vez por todas, de ser o “país do futuro” para se tornar uma nação justa e solidária, o Brasil precisa ser repensado, voltando-se os olhos para a realidade nua e crua dos brasileiros de todas as regiões. É fundamental ter vontade de ver e de ouvir, sensibilidade para captar, humildade para primeiro admitir e depois corrigir os erros, capacidade para gerenciar, firmeza para a tomada de decisões, inteligência para definir um plano de ações a longo e médio prazo, e coragem para executá-lo, ainda que os obstáculos sejam muitos.
Há um bom exemplo na história para guiar nossos governantes. O Brasil está ansiosamente aguardando que a eleição que se avizinha, agora em 2026, traga um novo estadista a deixar um legado como o de Juscelino, alguém que pense além do seu mandato e não em reeleição. Sempre lembro do conselho do imortal Ariano Suassuna: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”.
Samuel Hanan, engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



