Valioso e raro na sociedade atual, o tempo já era considerado um deus implacável desde a mitologia antiga e, nos dias de hoje, mostra sua força imparável. O tempo é também uma preocupação central para iniciativas como o Pacto Contra a Fome e organizações globais como a Organização das Nações Unidas (ONU), além de governos de todo o mundo, que buscam cumprir Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.
As dificuldades impostas ao cumprimento das metas globais estão descritas no Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2024, da ONU. A insegurança alimentar continua, globalmente, em níveis acima dos relatados em 2019, antes da pandemia da Covid-19. Na avaliação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o mundo regrediu 15 anos nos indicadores de insegurança alimentar, tornando cada vez mais desafiador atingirmos a meta de acabar com a fome e a subnutrição até 2030. Ao mesmo tempo em que 783 milhões de pessoas passam fome em todo o mundo, o equivalente a mais de um bilhão de refeições são desperdiçadas diariamente.
Apesar de a fome ser um problema estrutural relacionado à pobreza, desigualdade e nossos sistemas alimentares, atuar para reduzir o desperdício e as perdas em favor da segurança alimentar é um ganho triplo — ambiental, social e econômico. Exemplo disso é a redistribuição de comida para pessoas em situação de vulnerabilidade pelos bancos de alimentos. Estudo recente do movimento Todos à Mesa mostra que as doações de alimentos representam, hoje, menos de 1% de tudo que é desperdiçado no Brasil e que há espaço para ampliar esse volume, passando das atuais 200 mil toneladas de alimentos por ano para 600 mil.
Mudar o cenário da fome e do desperdício de alimentos no Brasil é urgente e requer que passemos a abordar os temas de maneira sistêmica e também incorporando a responsabilidade coletiva em nossas ações como indivíduos. Conscientizar as pessoas sobre a mudança de comportamento necessária e seu impacto positivo é o primeiro passo.
Neste sentido, o Pacto Contra a Fome iniciou em setembro uma campanha nacional de conscientização sobre a perda e o desperdício de alimentos. Focado em ações práticas que podem ser implementadas no dia a dia das pessoas, a campanha conta com apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o WWF Brasil, a ONG Banco de Alimentos, o Instituto da Criança, o SESC Mesa Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a rede de shoppings Multiplan, e pretende iniciar uma ampla discussão sobre o tema com a sociedade, mostrando que esse é um tema que gera impacto coletivo e, por isso, deve ser de interesse e responsabilidade de todos nós.
O desperdício tem um enorme custo para a sociedade, o meio ambiente e as economias globais. O impacto financeiro do desperdício na economia global é estimado em cerca de US$ 1 trilhão pela FAO. Além disso, entre 8% e 10% das emissões globais de gases de efeito estufa são oriundas da produção de alimentos não consumidos, ¼ do suprimento de água doce é usado no plantio de alimentos que acabam no lixo e ⅓ das terras agrícolas são usadas na produção de alimentos desperdiçados.
Há ainda prejuízos ao bolso dos consumidores. Cada pessoa joga fora cerca de 94 kg de alimentos por ano. Estima-se que uma família formada por três pessoas desperdiça anualmente o equivalente a R$ 1.630, ou seja, mais de um salário mínimo. Um valor relevante e que poderia ser reduzido.
Temos hoje um ano a menos para implementar ações efetivas que contribuirão para alcançar as metas previstas nos ODS. A urgência em enfrentar esse desafio é uma constante lembrança da necessidade de ação imediata de todos para garantir um mundo sustentável. Que cada um faça hoje a sua parte para que, juntos, possamos construir um futuro melhor.
Maria Siqueira é cofundadora e diretora de Políticas Públicas do Instituto Pacto Contra a Fome.
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