Pelada, rachão, várzea, não importa. Em qualquer região deste país, quem já jogou futebol quando criança sabe que, geralmente, o vitorioso era aquele menino que, no meio da molecada descalça e sem camisa, tinha chuteira nova, uniforme de time limpinho e... a bola.
De fato, quem tem a bola, por vezes, inventa uma regra de última hora e, por isso, sai vencedor, mesmo sem saber jogar direito. Isso se torna ainda mais corriqueiro quando o dono da pelota é desafiado por quem não tem malícia alguma, é justo e segue princípios.
Semana passada tivemos dois exemplos claros dessa triste realidade que – se antes resultava em uma mera injustiça recreativa – hoje, levada a cabo em outras instâncias, transforma-se em pura iniquidade.
No primeiro deles, no julgamento da ADPF 442 – uma ação em que o PSOL quer a descriminalização do aborto em nosso país – a CNBB opôs Embargos de Declaração demonstrando evidentes irregularidades que são processualmente inaceitáveis. A exemplo, o voto da Ministra Rosa Weber foi erroneamente proferido após o Ministro Luís Roberto Barroso ter pedido destaque do julgamento, o que, obrigatoriamente, faria com que o voto da ministra devesse ser realizado presencialmente, e não de forma virtual como se deu. Isso, por si só, anularia seu voto, já que ela aposentou e não mais poderia manifestar nos autos.
Além dessa ilicitude manifesta, o voto da ministra foi proferido sem que tivessem sido ouvidas as sustentações orais dos “amicii curiae” e nem mesmo a sustentação oral do próprio MPF, já que não houve tempo hábil para tanto. Mesmo assim, como não há lei que disciplina o ingresso destes terceiros interessados nos processos, são os próprios ministros que interpretam a forma como se deve dar a intervenção e, assim, o STF entendeu que não irão aceitar os Embargos Declaratórios opostos pela CNBB mesmo que o recurso esteja demonstrando nulidades claríssimas.
Num segundo caso, seguindo na defesa dos pobres nascituros, a ação hercúlea de um único padre, Luiz Augusto, da arquidiocese de Goiânia. O sacerdote vem lutando bravamente para conseguir sepultar o corpo de Vinícius Eduardo, o bebezinho de 8 meses abortado recentemente, incinerado vivo através da assistolia fetal - mesmo que pudesse ter nascido normalmente em uma antecipação do parto.
Ainda que tenha tido uma efêmera existência, esse bebê tem o direito de ser devidamente sepultado, pois carrega, intrinsecamente, dignidade e valor, o que impõe a todos o dever de respeitá-lo em seus momentos finais, através da realização das devidas exéquias
No entanto, muito embora a lei obrigue o sepultamento de fetos com idade gestacional acima de 20 semanas e/ou peso acima de 500 gramas, o Judiciário daquele estado vem negando tal direito ao pequeno Vinícius, desconsiderando não só a lei, mas o costume social bimilenar de dar a todo ser humano o direito de receber devidamente cortejos fúnebres e de ser sepultado.
Como vemos nestes, e em tantos outros exemplos, no jogo da vida, seguem bispos, padres, pastores, fieis leigos, crentes e ateus lutando contra os donos da bola. Estes podem mudar regras, desprezar costumes e leis, mas sempre terão a resistência daqueles que, mesmo diante de todas as dificuldades, preferem prosseguir no jogo para tentar marcar ao menos um ponto, pois um pontinho que seja já terá valido a pena.
Danilo de Almeida Martins é jurista.
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