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A virtude moral e seus reflexos na educação atual

Platão: críticas à democracia servem como alerta ainda hoje.
As virtudes todas nos colocam no termo médio, onde está o ótimo naquele aspecto, e nos corrigem nos excessos e carências (Foto: IMAGEM GERADA USANDO A FERRAMENTA GOOGLE IA/GAZETA DO POVO)

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Concluímos no último artigo, no qual abordamos as virtudes intelectuais, dizendo que a ciência é um excelente auxiliar para a natureza humana, mas não é uma formuladora de verdades. Ainda acrescentamos que faríamos uma análise das virtudes morais, uma vez que o ser humano tem uma vontade própria, além da inteligência, e necessita de educação apropriada para tal. Continuaremos a meditar o comentário de São Tomás de Aquino ao livro de Aristóteles intitulado Ética a Nicômaco. Vamos à reflexão.

Como todos os atos humanos são ordenados a um fim, este fim é, na verdade, um bem o qual move o apetite, ou seja, aquilo que todos apetecem. Entretanto, se alguém por deficiência apetecer o mal, seguirá um caminho equivocado, pois, no fundo, o seu apetite busca um bem, mas, por acidente, se encaminha para um mal. Daí a necessidade de esclarecer a vontade por meio de virtudes morais que evitam este equívoco, corrigindo o agir humano na direção sempre do bem.

Os fins buscados pelo agir humano devem seguir um roteiro o qual atinja o bem de maneira ótima, ou seja, deve haver um desejo mirando este bem, enfim, deve haver um fim ótimo nas coisas humanas. Poderíamos extrapolar que deve existir um fim último para toda a humanidade e que deveria ser conhecido de todos nós. A ciência moral ensina-nos que a razão deve esclarecer qual seja este bem e as atividades humanas necessárias para atingi-lo. Podemos observar claramente que as paixões da alma, quais sejam as do concupiscível e do irascível, atrapalham este entendimento. Podemos, também, entender como pode ser variável a certeza completa sobre a correta ação para um fim específico, por influência da própria natureza humana, quando age por ação das paixões.

Dessa maneira, a ciência moral tem dificuldade de definir a certeza perfeita dos atos a serem realizados, pois a vontade não vai apenas ao bem, mas ao que ela acredita que seja o bem e, desta maneira, difere da ciência puramente especulativa, que parte do particular para o universal; neste outro caso, irá do universal ao particular. Mais uma vez, enfatizo, como disse em outra oportunidade, que a ciência em si não produz verdade, mas esta só ocorrerá no intelecto humano, desde que não esteja corrompido pelas paixões.

As virtudes todas nos colocam no termo médio, onde está o ótimo naquele aspecto, e nos corrigem nos excessos e carências, as quais são contumazes no nosso dia a dia e atrapalham nossa vontade

Mas este fim último de que comentamos acima é, para muitos, a felicidade. Esta seria algo ótimo, um bem perfeito e suficiente de per se. Isto nos leva a pensar que esta operação, que poderíamos chamar de propriamente humana, deve ser revestida de características próprias do ser humano. Enfim, não seria algo vegetal ou animal, que fosse alguma coisa nutritiva ou vegetativa, mas a felicidade humana obrigatoriamente será algo racional, uma vez que o homem é um animal naturalmente dotado de razão e vontade. Assim, este estado buscado deve consistir em uma vida contemplativa e não em uma vida ativa, ou seja, o ato da razão ou do intelecto deve ter maior preponderância do que o apetite, o qual é regulado por esta razão.

Esta felicidade, resumindo, é um agir humano segundo a razão e de maneira ótima, e isto pertence à razão da virtude, porque quem a tem irá operar bem na busca do fim a que procura. As operações segundo a virtude são deleitáveis per se, ao contrário dos prazeres vulgares, que não são segundo a natureza do ser humano, mas próprios de pessoas vulgares que não controlam os apetites com a razão.

As virtudes morais vão se formando em nós pelo costume das obras e do nosso agir, porque estão na parte apetitiva da alma humana. Há, dessa forma, uma inclinação a algo apetecível e, neste caso, pode ser natural ou por costume. O natural já existe em nós, como os sentidos que usamos de imediato; aí não há virtude. Mas, nas inclinações de costume, ao contrário, só adquirimos a virtude se operarmos segundo a virtude, ou seja, o homem justo só será justo se fizer muitas coisas justas. As virtudes morais não são naturais no ser humano e precisam ser apreendidas pelo costume.

Passemos agora a analisar cada uma das virtudes morais apontadas por Aristóteles e, sobre algumas delas – as cardeais – já fiz comentários anteriormente em outros artigos, associando com a educação. A fortaleza é uma virtude que é definida como o termo médio entre o temor e a audácia, estando relacionada com a parte irracional presente na alma chamada de irascível. É uma firmeza de ânimo diante do temor do perigo, mas não por qualquer perigo, senão o mais terrível deles, que é a morte. É o enfrentamento do perigo de morte com audácia e por razões ótimas, como, por exemplo, o bem comum.

O intelecto deve ser usado, pois o homem consegue ter um reto julgamento e verificar as condições que excedem as faculdades humanas de resistência. Este intelecto sadio, que verifica se os males que excedem sua capacidade de resistência são convenientes, ou seja, o forte temerá estas coisas e saberá evitar; entretanto, saberá enfrentar conforme o necessário e de acordo com o fim que está em jogo. A causa é digna e a reta razão avalia a adequabilidade.

O excesso de audácia, quando não conduzida pela reta razão, e sim pelas paixões, pode cometer o equívoco por ignorância, levando muitas vezes ao fracasso, pois, ao se depararem com o perigo, verificam tardiamente que não têm condições de vencê-lo. É preciso entender o termo médio entre o temor, que aparece por causa de algo mais forte e surge contra ele, e a audácia, a qual é proveniente do fato de que alguém estima não exceder seu poder àquele que se insurgir para o agredir.

A virtude da temperança, a qual está relacionada com uma outra parte irracional da alma, que é o concupiscível, é o termo médio entre as deleitações e as tristezas. As deleitações podem ser exteriores, como a nutrição e as coisas venéreas, e interiores, como as riquezas e as honras. Lembrando que a alegria é algo percebido pela inteligência e não pelo corpo, isto mostra a necessidade de serem avaliadas pela reta razão.

O que causa a deleitação é um certo amor por algo, seria amar maximamente os bens que me são agradáveis. Entretanto, o ser humano racional tem condições de se deleitar com as coisas que lhe convêm e evitar o excesso, que o tornaria um animal, descobrindo assim a justa medida. A tristeza sentida pela ausência do deleitável é suportada de maneira que o homem não se torne um insensível, o qual não seria conveniente à natureza humana. Parece claro que a reta razão ordenará convenientemente aquele que for temperante.

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Vejamos agora a liberalidade, que é o termo médio relacionado ao dinheiro; assim, os extremos seriam a iliberalidade e a prodigalidade. A temperança tratou dos problemas mais relacionados às deleitações do tato; aqui são os desejos interiores de adquirir ou possuir as coisas exteriores. Dessa forma, a liberalidade é o uso do dinheiro, neste caso o bom uso dele. As coisas podem ser bem ou mal utilizadas, e esta utilidade é que definirá a virtude da liberalidade, sendo o dar dinheiro quando convém o bem usá-lo, não apenas o possuí-lo, mas colocá-lo a serviço do bem.

Dessa maneira, o liberal sabe dar com deleitação ou, pelo menos, sem tristeza. Esta virtude também exige o bom uso da reta razão, uma vez que o liberal sabe bem dar e bem receber para poder continuar dando e ajudando a quem precisa. A natureza inclina as pessoas ao amor do dinheiro, na medida em que por ele a vida humana é conservada; daí a extrema necessidade de se buscar o reto uso deste bem para um bom fim. Os vícios contrários são a iliberalidade por carência, conhecido como o avarento, e o pródigo por excesso, o qual é menos grave que o outro, mas gostaria de lembrar que a doação supérflua não é salutar para ambos, nem quem dá nem quem recebe.A magnanimidade, que é o

dar e receber honras por executar coisas grandes, é o termo médio entre o defeito do pusilânime e a superabundância do presunçoso. Devemos estimar ser dignos de coisas grandes, mas desde que sejamos de fato dignos. Executar coisas grandiosas por busca de honras e orgulho é defeito; ao contrário, o magnânimo é moderado em relação às riquezas e ao poder e sabe se deleitar moderadamente com as honras recebidas, as quais sejam produzidas pelas virtudes. Também não esconde a amizade ou inimizade, importando-se mais com a verdade do que com as opiniões de pessoas, sendo ele um inimigo do falso e agindo sempre manifestamente. Não se expõe ao perigo por coisas pequenas, agindo com o bom uso do reto intelecto.Sobre a mansidão, que é o termo médio da ira, ficamos

em nomes apropriados para os extremos, podendo dizer que o defeito seria a pessoa mansa e a superabundância seria a iracúndia, uma certa virilidade. Esta virtude é aquela que leva a pessoa à eleição de coisas exteriores sem a influência da ira, ou seja, ordenado pela razão, a qual lhe dirá quando é necessária alguma ira contra outra pessoa e quando se fizer necessário, da maneira que se fizer necessário e por quanto tempo isto o exigir. O defeito seria o não punir, perdoar e condoer-se das penas, onde seria prudente aplicá-las a fim de se atingir o efeito didático próprio das correções.

O excesso se apresenta quando sempre se está pronto à ira, como no caso dos coléricos, ou quando se guarda a ira por longo tempo no coração, como os melancólicos, ou ainda quando a ira se torna grave, levando a pessoa a agir além do necessário e por mais tempo do que precisaria, não se acomodando sem punir; enfim, o propósito sempre é punir. Difícil é determinar-se quando e quanto se deve irar-se com alguém ou quanto é bom ser manso ou viril na medida correta, o que aponta a supernecessidade do uso da inteligência para cada caso.

Agora, Aristóteles nos apresenta uma virtude que é o ponto médio entre as deleitações e tristezas no relacionamento humano. Assim, existem aqueles que pretendem apenas dar prazer e ser agradáveis aos demais, os quais seriam os plácidos, que nada contradizem para não contristar ninguém. E aqueles que vivem para contrariar, pretendendo entristecer os demais e que poderíamos chamar de litigiosos. Vemos que o termo médio, o qual seria louvável, não tem um nome específico; entretanto, este se apresenta semelhante a uma amizade.

Esta amizade difere da verdadeira amizade porque nela não há amor; apenas busca-se o convívio agradável e dentro de uma consideração da razão, seria algo honesto. Quem possui tal virtude não aceita as coisas ditas ou feitas apenas por ter amor ou ódio pela pessoa, mas por ter este hábito; enfim, as coisas devem ser aceitas ou não tanto vindas dos amigos como dos inimigos, ou seja, de modo geral com todos.

Neste ponto aparece uma virtude muito interessante que é a verdade, e meu artigo anterior buscou a principal origem dela. Poderíamos dizer que o homem verídico é o que tem o hábito de falar a verdade não pela justiça ou injustiça, mas apenas por aptidão de dizer a verdade. Como a mentira é má em essência, deve-se fugir dela, enquanto a verdade é boa e louvável. As coisas neste mundo são o que são e, se ocorrer alguma representação diferente da realidade, está-se mentindo e isto seria desordenado e, assim, algo vicioso. Este termo médio é dizer o correto, nem mais nem menos, o que seriam os extremos e acarretaria o vício. Assim, o jactante peca em abundância, simulando coisas gloriosas que não o são verdadeiramente, e o vício de defeito seria o mentiroso, o qual seria até mais gracioso que o jactante, mas diz menos do que é na realidade, e ambos mentem sobre o que seja o real.

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Aristóteles fala agora da virtude da brincadeira, que seria um termo médio de agir no qual se busca o repouso honesto das tensões exigidas pelas coisas sérias, como também buscamos repouso dos trabalhos corporais. Os extremos seriam a torpeza, que é aquele que faz rir o tempo todo e a todo custo, e o rústico, o qual nunca diz nada de engraçado ou que poderia ser convertido em riso ou em brincadeira. Pode-se ver que o termo médio aqui será aquele em que as brincadeiras ocorrem moderadamente, fazendo com que as coisas que dizem ou fazem se convertam convenientemente em riso, levando a uma descontração saudável e relaxante.

A justiça, que é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito, exige da razão uma ponderação importantíssima. A vida em sociedade, da qual o ser humano está vinculado naturalmente, pede que haja relações interpessoais, e estas devem ter um caráter pessoal e de obrigação moral. A justiça, dessa forma, está vinculada a atos exteriores, pois visam o outro, e estes atos devem ser revestidos de justiça para que as relações sejam humanas e boas. O excesso ou carência pode afetar o próprio equilíbrio social.

Acredito que muitos de nós temos dificuldade de realizar atos justos com alegria, talvez fruto deste materialismo atual no qual estamos imersos e já fomos influenciados na nossa educação recebida. Observamos que a justiça tem como termo médio o justo, sendo a abundância a injustiça e a carência também uma injustiça. Dessa maneira, fazer o injusto seria propiciar mais do que se deveria e o padecer o injusto seria dar menos do que se deveria, sendo o equilíbrio o termo médio entre estas duas situações, a qual nos mostra como a reta razão deve ser buscada com a finalidade de fugir da injustiça.

Por fim, falaremos agora da vergonha, que não seria exatamente uma virtude, embora muitos acreditem que o seja. Poderíamos achar que ter muita vergonha ou pouca vergonha seria mérito ou demérito, mas, de fato, isto não é verdadeiro, pois tanto a vergonha como a não vergonha supõem a operação torpe ou uma coisa intrinsecamente má, fato que não compete ao ser humano virtuoso.

Mesmo assim, espera-se que os jovens sejam mais envergonhados do que os mais idosos. Nestes, por terem mais experiência de vida, costumam agir, mesmo nas coisas mais torpes, de maneira mais natural, enquanto os jovens, justamente pelo fervor da idade, vivem mais segundo as paixões e estão prontos a errar de múltiplas formas, fato que são proibidos pela vergonha, pela qual temem a torpeza. Dessa maneira, a vergonha é admirada nos jovens e não fica bem nos mais velhos, como não fica bem na pessoa virtuosa.

Finalizando esta matéria, gostaria de mostrar com todos estes artigos que escrevi sobre as virtudes que a educação de cada um de nós necessita destes conhecimentos e de práticas para uma vida plena e virtuosa. Sem as virtudes devidamente assimiladas, todo conhecimento que nos venha por meio do ensino, seja nas escolas ou fora delas, não consegue formar uma base intelectual sólida a qual nos possibilite bem receber este conhecimento, refleti-lo e julgá-lo, atos tão necessários para o ser humano racional crescer no seu desenvolvimento intelectual.

As virtudes todas nos colocam no termo médio, onde está o ótimo naquele aspecto, e nos corrigem nos excessos e carências, as quais são contumazes no nosso dia a dia e atrapalham nossa vontade. Uma vida desvirtuada, portanto, desequilibrada, atrapalha a busca da construção do verdadeiro ser humano racional e da sua felicidade.

Claudio Titericz é coronel reformado do Exército, bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares e bacharel em Teologia; estudante permanente de Filosofia da Educação e ex-integrante do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith, autor dos livros “O Problema da Educação Brasileira” e “A Solução do Problema Educacional”.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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