O Brasil é um dos poucos países continentais no planeta. A FIFA possui 211 países-membros, número maior que o da ONU (193) e que o do Comitê Olímpico Internacional (205). Considerando os 211 membros, apenas quatro – Brasil, China, Estados Unidos e Rússia – possuem, conjuntamente, território continental e população acima dos 100 milhões. Os quatro países são ricos em recursos naturais, estando entre os dez maiores produtores de petróleo e de alimentos do planeta.
Dentre os países continentais, o Brasil se destaca por ter conseguido manter o território continental de forma perene, sem a necessidade de um processo de unificação e expansão como o ocorrido nos Estados Unidos e, ainda, escapando da fragmentação que ocorreu na América espanhola.
Considerando o contexto de imigração diversa, intensa e numerosa ao longo dos séculos, constituída por milhões de pessoas de diversas partes do planeta, com culturas diferentes, línguas diferentes, religiões diferentes e que, muitas vezes, já tinham histórico de tensão nas regiões de origem, tal fato se torna digno de ainda maior destaque. Nesse contexto, um diplomata merece ser reconhecido como um daqueles que mais contribuiu para a consolidação do atual mapa do Brasil: Alexandre de Gusmão.
Por sua importância para o país, Alexandre de Gusmão é homenageado com um busto na Sala dos Tratados do Palácio do Itamaraty, junto ao do Barão do Rio Branco; e dá nome à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), fundação cultural e think tank do Ministério de Relações Exteriores.
Na Sala dos Tratados do Palácio do Itamaraty em Brasília, o busto de Alexandre de Gusmão está ao lado do Barão do Rio Branco e Duarte da Ponte Ribeiro, como um símbolo da sua importância histórica
Alexandre de Gusmão nasceu em Santos, na então Capitania de São Vicente, em 1695. Começou seus estudos preparatórios já aos sete anos no Colégio de Belas Artes da Bahia. Aos 13 anos, seguiu para Lisboa para morar com o irmão, Bartolomeu de Gusmão. Aos 19, é aceito na Corte do Rei D. João V, tornando-se próximo a ele, o que lhe rendeu a nomeação como secretário da Embaixada de Portugal em Paris para auxiliar o Conde da Ribeira Grande, então Embaixador na Corte de Luís XIV. A posição em Paris lhe permite estudar na prestigiosa Sorbonne, onde doutorou-se em direito civil, romano e eclesiástico. Após sua volta a Portugal, conclui seus estudos em Coimbra, então universidade da elite portuguesa. Assim, passa a fazer parte do primeiro escalão da diplomacia europeia, participando de diversas das negociações internacionais mais importantes de sua época.
Alexandre de Gusmão iniciou sua carreira diplomática aos 19 anos, quando foi convidado para ser secretário do embaixador português em Paris. Durante sua estada na Cidade Luz, Gusmão começou a se familiarizar com as conflituosas relações diplomáticas entre Portugal, França e Espanha. Em Paris, Gusmão se deparou com um cenário político turbulento, marcado por disputas em relação à fronteira norte do Brasil. O Tratado de Utrecht acabou por beneficiar o futuro Brasil independente ao definir o rio Oiapoque como limite no extremo norte, mas deixou questões com a França.
Em relação à Espanha, o conflito se dava pela Colônia do Sacramento. A cidade, situada no rio da Prata, era um ponto estratégico e fonte de intensos conflitos devido ao fluxo de prata e a sua posição privilegiada. A experiência em Paris foi extremamente enriquecedora para o jovem Alexandre, que começou a entender a importância da habilidade diplomática para negociações estratégicas entre as nações.
Após cinco anos em Paris, Gusmão foi nomeado para uma nova missão em Roma, onde permaneceu de 1721 a 1728. Em Roma, ele lidou com questões eclesiásticas de grande importância para o rei D. João V, como a concessão do título de cardeal aos núncios em Lisboa e a transformação da Capela Real em uma igreja patriarcal. Essas negociações exigiram de Gusmão uma compreensão profunda das relações entre a Igreja e o Estado, além de habilidades diplomáticas refinadas.
Durante sua missão em Roma, Alexandre de Gusmão também se destacou por suas relações com figuras influentes da Cúria Romana, como o Cardeal Lambertini, futuro Papa Bento XIV. Essas boas relações o fortaleceram e o prepararam para os desafios vindouros. A experiência em Roma consolidou sua reputação de diplomata competente e confiável, capaz de lidar com questões tão sensíveis quanto complexas.
Em 1730, Alexandre de Gusmão foi nomeado secretário particular de D. João V, posição que ocupou por duas décadas. Nesse período, ele se tornou um dos principais conselheiros do rei, atuando em diversas questões estratégicas, incluindo as duas mais importantes: a Igreja e o Brasil. Sua influência cresceu com o tempo, e ele passou a ser visto como um dos principais condutores da política externa portuguesa.
O ápice da carreira de Alexandre de Gusmão veio com a negociação do Tratado de Madri, assinado em 1750. Esse tratado foi fundamental para a formação do território brasileiro, multiplicando por três a área estabelecida no Tratado de Tordesilhas, definindo, assim, o mapa do Brasil continental. O Tratado de Madri, assinado em 13 de janeiro de 1750, foi um marco na história da diplomacia luso-brasileira, sendo fundamental para a formação do território brasileiro. A negociação com a Espanha foi complexa e exigiu uma habilidade diplomática excepcional, refletindo o tamanho e o impacto do acordo.
Antes do Tratado de Madri, o Brasil era uma colônia com fronteiras indefinidas, com bolsões de riqueza dada a crescente produção de ouro e açúcar, mas vulnerável devido à falta de delimitação territorial reconhecida pelas grandes potências. As tensões com a Espanha eram constantes, especialmente em relação à Colônia do Sacramento, um ponto estratégico no rio da Prata que facilitava o fluxo de prata e representava uma ameaça aos espanhóis, dada a proximidade com Buenos Aires.
Alexandre de Gusmão sabia que seria necessário superar o Tratado de Tordesilhas e estabelecer novas bases para um acordo de fronteiras. Para estabelecer esse novo acordo, ele trouxe à mesa o princípio do uti possidetis, recuperado do antigo direito romano, que reconhecia a posse das terras por aquele país que efetivamente as ocupavam. Outro conceito trazido à negociação foi o de fronteiras naturais, baseadas em rios e montanhas, em contraposição a fronteiras arbitrárias, formadas por linhas retas traçadas em mapas, como em Tordesilhas. Ambas as ideias, inovadoras para a época, foram fundamentais para delinear os contornos de um novo tratado.
A negociação do novo tratado foi complexa e envolveu a troca de territórios estratégicos em diversas partes do mundo. Gusmão propôs a permuta da Colônia do Sacramento, no atual Uruguai, pelos Sete Povos das Missões, uma área de agricultura e pecuária no atual Rio Grande do Sul. Convencer a Espanha a aceitar essa troca não foi tarefa simples, pois os Sete Povos eram bem estruturados e habitados por jesuítas espanhóis e indígenas cristãos.
A habilidade de Alexandre de Gusmão em identificar e negociar compensações foi essencial para o sucesso do tratado. Ele apontou que a Espanha também havia ignorado direitos portugueses no Oriente, como nas Molucas e nas atuais Filipinas, e que a permuta proposta era, portanto, justa. Esse modelo de compensações envolvendo questões mundiais influenciou os negociadores espanhóis a aceitar a perda territorial na América do Sul.
O Tratado de Madri estabeleceu uma linha de limites que percorre mais de 17 mil quilômetros, desde o sul do Rio Grande do Sul até o norte do Amapá. A delimitação negociada foi detalhada em um mapa conhecido como Mapa das Cortes, que serviu de base para todas as demais negociações e futuras demarcações. O mapa apresentava o Brasil com a forma que hoje nos é familiar, com território continental que vai do Oiapoque ao Chuí.
As fronteiras estabelecidas em 1750 são a base das fronteiras atuais do Brasil, refletindo a visão estratégica e a habilidade diplomática de Gusmão. Sua contribuição para a diplomacia luso-brasileira é inestimável e continua a ser reconhecida até hoje. Na Sala dos Tratados do Palácio do Itamaraty em Brasília, o busto de Alexandre de Gusmão está ao lado do Barão do Rio Branco e Duarte da Ponte Ribeiro, como um símbolo da sua importância histórica. Sua história de vida, de um jovem simples de Santos a um dos maiores diplomatas de sua época, é o testemunho de sua habilidade, visão e dedicação à causa luso-brasileira.
Maurício F. Bento é graduado e mestre em Economia e diretor de Formação do IFL-BSB e associado honorário do IFL-SP.
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