A prática de avaliar um governo pelos seus primeiros 100 dias tem origens nos Estados Unidos e remonta ao presidente Franklin D. Roosevelt que nesse período trabalhou com o Congresso para aprovar uma série de legislações que incluíam programas para aliviar o desemprego, regulamentar os mercados financeiros, fornecer assistência aos agricultores e estabelecer programas de bem-estar social.
Essa ação enérgica e rápida do novo presidente ficou conhecida como “New Deal” e teve um impacto significativo na percepção pública e estabeleceu um precedente para avaliar o desempenho de qualquer governo em seus estágios iniciais. Recentemente, Javier Milei completou 100 dias de governo na Argentina e seguindo por propostas completamente opostas ao New Deal. Quais são os principais resultados desse início de governo?
A Confederação Argentina de Médias Empresas (CAME) divulgou uma série de índices preocupantes da economia argentina, em diversos setores distintos. No setor farmacêutico, a queda nas vendas em geral foi de 45%, além de um aumento nos preços das medicações de mais de 100%. Complementando esse índice, a Confederação Farmacêutica Argentina (COFA) informou que os medicamentos que mais caíram nas vendas foram os para aparelho respiratório (14,9%), anti-infecciosos (12,84%), hormonais (8,13%) e para sistema nervoso (7,20%). Ou seja, há um sério risco de saúde pública na Argentina por conta do aumento de preços, que faz os argentinos terem de escolher quais medicamentos irão poder tomar.
Igualmente, segundo a CAME, as vendas de alimentos e bebidas na Argentina tiveram uma queda de 33% em fevereiro. Assim como os setores de calçados e artigos de couro com 21,4% a menos nas vendas e de ferramentas com 28,2% também menor. Nesse último, o reflexo está relacionado ao decreto de Milei que paralisou todas as obras públicas. Por sinal, o setor de construção civil é o mais afetado desde a chegada do atual presidente argentino: mais de 60 mil trabalhadores da construção civil perderam o emprego e milhares de empresas do ramo correm o risco de irem à falência. A pobreza na Argentina atingiu, em janeiro de 2024, os piores índices dos últimos 20 anos, com 57% da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
No aspecto político, o governo Milei obteve uma fragorosa derrota perante o Congresso ao não conseguir aprovar a sua lei “omnibus”, um conjunto de leis para liberalizar e desregulamentar o mercado, além de conferir poderes unilaterais ao presidente da República para baixar decretos que alterariam as estruturas do Estado argentino. Ainda no âmbito da política, há um crescente e perigoso atrito entre Milei e os governadores das províncias, que chegou ao ponto de se cogitar a criação de uma moeda própria por parte das províncias e uma possível paralisação e distribuição para a capital da produção de petróleo. Essas tensões ocorrem dentro de um cenário crescente da violência urbana e da sensação de insegurança, levando a um movimento de uso cada vez maior da força, seja para combater o crime ou contra as manifestações contrárias ao governo. A economia vai mal, mas a deterioração democrática avançou.
É importante lembrar que Milei prometeu, em seu discurso de posse, um período complicado e até de piora no cenário econômico argentino. Nesse ponto, é possível afirmar que ele cumpriu com a promessa. Esses primeiros 100 dias não alimentaram a esperança de dias melhores na Argentina, mas Milei pediu um salvo-conduto às suas ações já que elas levarão a Argentina a ser um dos países mais ricos do mundo daqui a 30 anos. Mas como advertiu Keynes, a quem Milei ojeriza, no longo prazo, estaremos todos mortos.
Guilherme Frizzera é doutor em Relações Internacionais e coordenador de Relações Internacionais da UNINTER.
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