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Rumo aos R$ 4 trilhões em impostos: para onde foi o nosso dinheiro?

Desde 2023, já foram 25 medidas de criação ou elevação de impostos. (Foto: Imagem criada utilizando Microsoft Copilot/Gazeta do Povo)

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O Brasil se aproxima da impressionante marca de R$ 4 trilhões em arrecadação anual, somando as receitas federais, estaduais e municipais. Esse número, que deveria ser motivo de celebração, revela antes um paradoxo: nunca o Estado arrecadou tanto e nunca o cidadão se sentiu tão distante de ver o retorno desse dinheiro em forma de serviços públicos de qualidade. O país convive com uma carga tributária equivalente a cerca de 33% do PIB, patamar comparável a economias desenvolvidas, mas entrega serviços dignos de nações em desenvolvimento. Surge então a pergunta que ecoa nas ruas, nas empresas e nos debates liberais: para onde foi o nosso dinheiro?

Segundo dados oficiais do Tesouro Nacional, a despesa total do governo geral do Brasil (somando União, estados e municípios) atingiu R$ 4,63 trilhões em 2022, o equivalente a 45,9% do PIB. Desse total, mais de 16% do PIB foi destinado à proteção social, especialmente a benefícios previdenciários e programas de transferência de renda. Outros 10,9% foram absorvidos pelos chamados serviços públicos gerais, categoria que inclui o pagamento de juros e encargos da dívida pública, bem como despesas administrativas da máquina estatal. Educação e saúde, por sua vez, representaram, respectivamente, 5,2% e 4,9% do PIB. Em termos absolutos, são cifras colossais, mas que revelam uma estrutura orçamentária engessada e de baixa eficiência, em que o investimento – a verdadeira semente do crescimento – representa uma fração mínima dos gastos.

O desafio brasileiro não é apenas arrecadar menos, mas gastar melhor. A prosperidade não virá da ampliação do Estado, e sim da liberdade econômica, da responsabilidade fiscal e da eficiência administrativa

A arrecadação federal, que atingiu R$ 2,65 trilhões em 2024 segundo dados da Receita Federal, mostra um Estado cada vez mais voraz. Boa parte dessa receita vem da tributação sobre o consumo, o que penaliza proporcionalmente mais os mais pobres e as pequenas empresas, tornando o sistema regressivo. Paralelamente, a União mantém instrumentos de ampla flexibilidade, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite remanejar 30% de suas receitas sem destinação específica. Isso significa que uma parte expressiva do dinheiro arrecadado pode ser usada para cobrir despesas de custeio e alimentar a própria estrutura burocrática, em vez de ser direcionada para políticas públicas estruturantes. Assim, o Estado brasileiro funciona como um grande sorvedouro de recursos, cujo resultado prático é a manutenção de privilégios e de um modelo de gasto ineficiente.

Sob a ótica liberal, essa dinâmica é o retrato de um Estado hipertrofiado, que confunde tamanho com eficácia. Arrecadar muito não é sinônimo de governar bem. Ao contrário, a expansão contínua da carga tributária e do gasto público reflete a incapacidade de priorizar, de medir resultados e de buscar eficiência. A teoria da escolha pública, desenvolvida por James Buchanan, já alertava que os agentes do Estado agem segundo incentivos próprios, não necessariamente alinhados ao interesse coletivo. Assim, enquanto o cidadão trabalha cerca de 150 dias por ano apenas para pagar impostos, o governo continua a aumentar despesas obrigatórias e a reproduzir ineficiências, protegendo grupos organizados e ampliando subsídios seletivos que pouco contribuem para a produtividade nacional.

A ineficiência é agravada pela rigidez orçamentária. Mais de 90% das despesas federais são obrigatórias, destinadas à folha de pagamento, previdência e transferências constitucionais. Sobra pouco espaço para investimento em infraestrutura, inovação ou melhoria de serviços. Essa estrutura inerte transforma o orçamento público em um sistema de manutenção do status quo e não de transformação econômica. Quando o governo busca contornar essa rigidez por meio de novos impostos ou aumento de arrecadação, reforça o ciclo vicioso: mais tributos alimentam mais gastos, e mais gastos exigem novos tributos. É o oposto da lógica liberal, que defende o equilíbrio fiscal baseado na eficiência e na liberdade econômica.

Em 2023, o governo instituiu o chamado Novo Arcabouço Fiscal, que limita o crescimento das despesas a 70% do crescimento real da arrecadação. Embora apresentado como mecanismo de responsabilidade, o modelo tende a perpetuar o aumento das despesas, já que, em períodos de bonança, o gasto cresce automaticamente. Em vez de conter o Estado, o arcabouço garante sua expansão constante, ainda que de forma controlada. Falta uma agenda de redução estrutural, de revisão de políticas ineficazes e de incentivo à produtividade do setor público. A verdadeira reforma não está apenas em controlar o quanto se gasta, mas em redefinir para que se gasta.

O resultado dessa equação é visível: infraestrutura precária, hospitais superlotados, escolas de baixo desempenho e uma dívida pública que se aproxima de 77% do PIB. Enquanto isso, o cidadão vê o custo de vida aumentar, o crédito encolher e o investimento privado definhar diante de um Estado que consome e desperdiça. É nesse ponto que a pergunta de base liberal se impõe com força: o governo não produz riqueza, apenas a redistribui – e, muitas vezes, de forma ineficiente. Como escreveu Milton Friedman, “ninguém gasta o dinheiro dos outros com o mesmo cuidado com que gasta o próprio”. A ausência de incentivos para eficiência e a baixa accountability criam um sistema em que o desperdício é quase institucionalizado.

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Caminhar rumo aos R$ 4 trilhões de arrecadação deveria ser o símbolo de um país próspero. No entanto, sem transparência, sem metas de desempenho e sem compromisso com resultados, esse volume se torna apenas a medida do tamanho do Estado e não de sua competência. É imperativo que a sociedade civil, a imprensa e o setor produtivo cobrem não apenas a redução da carga tributária, mas também a melhoria da qualidade do gasto. Cada real arrecadado deve ter um destino claro e mensurável, e cada programa público precisa provar sua eficácia.

O desafio brasileiro não é apenas arrecadar menos, mas gastar melhor. A prosperidade não virá da ampliação do Estado, e sim da liberdade econômica, da responsabilidade fiscal e da eficiência administrativa. Enquanto não compreendermos que o dinheiro do governo é o dinheiro do contribuinte, continuaremos a perguntar, ano após ano, a mesma questão incômoda: para onde foi o nosso dinheiro?

João Loyola é formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, associado do IFL-BH e colunista do Instituto Liberal.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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