A liberdade de expressão está inalienavelmente ligada ao desenvolvimento da pluralidade de pensamento. Não obstante, qualquer processo de coerção quanto à formação ideológica constante da formação familiar, religiosa e política de um indivíduo deverá ser compreendida como indumentária de autoritarismo revestido de liberdade de cátedra.
Todo arcabouço teórico e metodológico de cunho científico pleiteia um paradigma estruturante que desencadeia macrossistemas de ideologias. Antoine Louis Claude Destutt de Tracy, filósofo que empregou o vocábulo em sua obra Elementos de Ideologia, de 1801, designou a palavra ao excerto “estudo científico das ideias”. Augusto Comte, criador da doutrina positivista, compartilhou a definição de Tracy, aprofundando-a em uma atividade filosófico-científica. Émile Durkheim identificou ideologia aos “fatos sociais”, como objeto único de estudo da Sociologia. E Karl Marx ressignificou o verbete à massificação da luta de classes, inferindo o sentido de ideias que não podem ser analisadas separadamente das condições sociais e históricas nas quais elas surgem.
Em Marx, doutrinou-se politicamente a ideologia como “ideologias”, partidarizando-as como políticas, jurídicas, econômicas e sociais. Antonio Gramsci, comunista italiano, construtor da contra-hegemonia desafiadora do sistema capitalista, capitalizou para si a alcunha de neomarxista e navegou pelo historicismo absoluto. Faltou apenas combinar com o sistema capitalista como seria o desfecho da história. Porém, estavam lançadas, a partir de então, as bases do maniqueísmo no enredo da educação ocidental.
Um cabedal de constructos em que se desenvolvam classes distintas, que militam umas contra as outras e têm a inoperância e ingerência de um niilismo obsoleto e inócuo, inerte, do qual se depreendem revoluções ambíguas, de disputas de poder manipuladas ideologicamente, denunciadas pelo próprio gestor da militância do suposto oprimido que, em busca de uma ascensão social, aquiesce na condição de fiel mantenedor do sistema dos grandes oligarcas. Assim tem sido a consolidação de instituições político-partidárias que, populistas, mantêm controle sobre seus asseclas e, deste modo, sustentam-se hegemonicamente no poder assentido por uma classe metaforicamente empoderada, mas que depende sistematicamente de líderes despóticos e populistas, ao bel-prazer do esquerdismo pós-moderno.
No que diz respeito à instituição que adere a manifestações multipartidárias, com garantias de respeito, eficiência e boa gestão de todos os lados – de quem tem lado –, a educação sofre com a indulgência do esquerdismo (leia-se “ismo”) desde sua implementação, com a vigência da Lei 9.394/1996. Batizada como Lei Darcy Ribeiro às vésperas de sua promulgação, fez parte do pensamento dominante da elite engendrada nos círculos intelectuais pedagógicos de modo a suscitar o interesse pela corporificação da defesa da democracia. Entretanto, a práxis da lei se prova contraditória após décadas de endurecimento de seus canais de diálogo, que não (co)laboram com as novas tendências exigidas pela arregimentação social. Valhamo-nos do fato de que, fundador da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro era membro atuante do Partido Comunista, o que, mesmo assim, não impediu o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso de conceder a honraria do nome da lei a um militante que hoje não encontraria guarida nas salas de aulas brasileiras.
A inoperância da lei se dá, de forma sui generis, nos artigos que a compõem, evidenciando retrocesso quanto à atividade civilizatória constante dos dias atuais. O próprio artigo 2º da LDB assegura que a educação deverá ser inspirada nos princípios da liberdade. Destarte, o artigo 3º ordena o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Ressalte-se que no mesmo artigo 3º existe a imposição da valorização da experiência extraescolar; conforme reza o léxico do ideário da lei, a “universalização” do ensino só ocorre por meio de políticas de subserviência a pressupostos estatísticos que consolidam a intenção de se mascarar a realidade ou extrapolar o poder do Estado, dito democrático, quando implica a obrigatoriedade da educação às famílias, e no entanto lhes impede que exerçam seu mister nas características que lhes aprouver, em conformidade com suas intuições e formação humana.
Sob a égide da democracia e inclusão social, todo o sistema foi planejado de modo a servir como pretexto para o desenvolvimento de espectros que permitam a fuga ao estabelecimento de estamentos sólidos e, de fato, democráticos, de foro individual e coletivo e, deste modo, obedeçam aos galanteios do status quo da – creiamos ou não – classe dominante intelectual que impera na circunscrição ideológica oligárquica e sociologicamente ligada à esquerda partidária. Ideologicamente construída para abrigar o aparato intelectual de outro memorial educador político de esquerda – Paulo Freire, ex-secretário de Educação da gestão petista de Luiza Erundina na cidade de São Paulo, e Patrono da Educação brasileira, em lei aprovada sob a tutela de Dilma Rousseff –, a lei coroou um projeto de dominação cultural, ou, melhor, de aculturação.
O cenário parece desastroso, não fosse pelo impávido contexto das mídias tecnológicas que embaraçaram o processo de construção de conhecimento (termo modernamente utilizado, em citação à teoria construtivista idolatrada por seguidores de Paulo Freire, mas que tem sua origem em Lev Vygotsky) e protagonizam um aparelhamento diferente, realmente multifacetado e plural, em que os educandos se tornam formadores de opinião e apreendem conectados a um mundo distante da Lei 9.394, mas totalmente inseridos no panorama atual. A nova sociedade é tecnológica e isso passa pela percepção de que o acesso à informação não está restrito à sala de aula, nem aos gestores de conhecimento. O boom tecnológico materializou o que a LDB não conseguiu em décadas: a democracia do conhecimento e a valorização do extraescolar, o pluralismo de ideias e o senso de cidadania que perpassa educandos e educadores.
O esquerdismo impôs barreiras políticas que amarraram o sistema, mas não impediram o surgimento do fenômeno “humano” da tecnologia
Para o filósofo Mário Sérgio Cortella, “a tarefa da educação é a construção da autonomia dos indivíduos. Buscar respostas é uma tarefa do próprio jovem”. Cortella ainda afirma que o papel do professor diante do novo contexto tecnológico é o de auxiliar na composição de novos saberes a partir do mundo dos estudantes.
Remediar uma lei retrógrada não faz sentido em uma sociedade imersa em mídias de informações com atualizações instantâneas. Somente um novo olhar, com outra hermenêutica, sem a pecha ideológica do esquerdismo, servindo de vanguarda para o despertamento de que todos podem e têm o poder à palma das mãos – literalmente –, fará possível redefinir o que é, de fato, educar. Se a lei engessou o sentido de educação, as mídias digitais intensificaram o debate do papel do profissional da educação – fundamental no processo de dinamização, orientação e auxílio na trajetória da conquista do saber – e envidaram esforços para que seus entes manifestem uma diversidade sem amarras ideológicas, sob o foco da liberdade de expressão e na exegese do que é dialética.
Não há educação quando se põe uma cerca ao tempo. A mais valia (Marx que o diga) não serve mais ao sistema, pois todos estão midiatizados – não como queria Freire – por celulares, notebooks, computadores e tablets. O esquerdismo impôs barreiras políticas que amarraram o sistema, mas não impediram o surgimento do fenômeno “humano” da tecnologia, pois este é fruto do conhecimento por ele descoberto. Um novo paradigma, com visão holística de futuro, em que as mídias digitais incluam e transmitam a sensibilidade de que todos são construtores, não meros figurantes de um processo de formação do humano, é o caminho para que o subjetivismo descabido encontre um objeto sólido de pertencimento.
Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras, pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial e bacharel e mestre em Teologia.
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