A Justiça Militar da União (JMU) é ramo especializado do Poder Judiciário Federal. Segundo a Constituição Federal, julga com exclusividade crimes militares relativos às Forças Armadas, praticados por qualquer pessoa, civil ou militar, nacional ou estrangeira. Há 104 anos a JMU reorganizou sua primeira instância. Um decreto de 1920 instituiu o Código de Organização Judiciária e Processo Militar, e com ele surgiram as Circunscrições Judiciárias Militares (CJMs).
Outro decreto daquele ano designou as sedes das Circunscrições de Justiça Militar em tempo de paz e nomeou seus primeiros magistrados, aos quais se referiu como auditores. Tais sedes são o que hoje conhecemos por Auditorias, equivalentes a uma Vara da Justiça Federal comum. Hoje, a Lei de Organização Judiciária Militar (LOJM) traz como órgãos da JMU o Superior Tribunal Militar, a Corregedoria da Justiça Militar, o juiz-corregedor auxiliar, os Conselhos de Justiça, os juízes federais da Justiça Militar e os juízes federais substitutos da Justiça Militar.
As JMEs tiveram esse acréscimo competencial 20 anos atrás. Desde então há reflexões no sentido de também aumentar a competência da JMU
Prevê também que em tempo de paz, o território nacional divide-se em12 Circunscrições Judiciárias Militares, discriminando os estados que as compõem, incluindo o Distrito Federal. Elas são parcelas do território nacional nas quais os juízes de primeira instância exercem sua jurisdição. A cada CJM corresponde uma Auditoria, salvo a 1ª CJM (RJ), com quatro, a 2ª CJM (SP), com duas, a 3ª CJM (RS), com três, e a 11ª CJM (DF-GO-TO), também com duas Auditorias.
Em cada Auditoria atuam dois juízes federais, titular e substituto, bem como os Conselhos de Justiça, presididos pelo juiz togado e composto por quatro oficiais.Os Conselhos Especiais de Justiça julgam oficiais, enquanto os Conselhos Permanentes de Justiça julgam militares que não sejam oficiais (praças). Já os civis, isoladamente ou com militares, são julgados apenas pelo juiz togado.
Grande diferença em relação às Comarcas das Justiças Estaduais e às Seções Judiciárias da Justiça Federal comum é a extensão territorial. As menores CJMs abrangem um estado inteiro, enquanto as maiores dois ou mais estados. O tamanho continental do Brasil afeta a primeira instância da JMU. Os desafios que isso representou na época dos processos em papel, eram imensos, como trazer pessoas para depor presencialmente, perícias etc. Eles foram bastante mitigados com o advento do processo judicial eletrônico – sistema e-Proc – no ano de 2018. Destaca-se caber às Auditorias da Circunscrição com sede na capital federal processar e julgar os crimes militares cometidos fora do território nacional (LOJM).
Fruto da constante inovação normativa em nosso país, em 2019 foi introduzida no Código Penal comum a figura do juiz das garantias. Esse juiz é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário. Em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou o acórdão da decisão que reconheceu a constitucionalidade do juiz das garantias. Por seu turno, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou em maio de 2024 as diretrizes da política judiciária para implantação do instituto.
A Corregedoria da JMU e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da JMU (ENAJUM) organizaram agora em outubro um fórum com os juízes da JMU sobre o tema. Três ideias iniciais foram apreciadas: a) juízes da mesma Auditoria exercem, reciprocamente, as funções de juiz das garantias entre si; b) juiz atua como juiz das garantias em Auditoria diversa da sua originária; c) criação de novas Auditorias para a função de juiz das garantias. Frisando que a decisão caberá ao Plenário do STM, a ideia melhor avaliada foi a primeira, ficando a terceira – novas Auditorias – com a segunda maior adesão.
A nosso ver, foram boas escolhas. Prestigia-se num primeiro momento a forma mais simples e eficiente para pronta implantação do instituto, enquanto foca na opção que mais qualifica a JMU no médio e longo prazo. Diferentemente da JMU, cuja competência constitucional é exclusivamente criminal, suas coirmãs, as Justiças Militares Estaduais (JMEs), possuem tanto competência criminal como para ações cíveis relativas a punições disciplinares.
As JMEs tiveram esse acréscimo competencial 20 anos atrás. Desde então há reflexões no sentido de também aumentar a competência da JMU. Em síntese, a ideia seria atribuir à JMU as ações contra atos disciplinares militares, bem como ações sobre matéria administrativa militar em que a União figure na condição de autora, ré, assistente ou oponente, exceto questões exclusivamente remuneratórias.
Sem embargo da natural dificuldade do processo legislativo envolvido e da necessária composição interna no Poder Judiciário, a ideia tem ao menos dois méritos. Harmoniza ramos especializados do Poder Judiciário, aproximando o funcionamento da JMU e das JMEs ao permitir um olhar também especializado sobre matérias afetas às inúmeras peculiaridades das Forças Armadas, bem como faculta uma distribuição ainda mais eficiente de acervos processuais.
O link entre a organização da JMU em CJMs, com suas Auditorias, e a criação de novas Auditorias é justamente o incremento do acervo processual, fruto do eventual aumento de competência da JMU. A depender do acréscimo, poderão ser necessárias novas Auditorias. E atuação como juiz das garantias se afigura compatível com o julgamento dos novos processos cíveis. Nesse quadro hipotético, seria uma solução duplamente útil.
A partir da concretização das ideias acima, elas poderão servir como alicerces sólidos para a Justiça Militar da União se debruçar sobre outra questão relevante: a criação dos seus tribunais regionais. Único ramo do Poder Judiciário Federal que deles ainda não dispõe, poderá ter na confluência de fatores acima um caminho viável para esse importante aperfeiçoamento.
Arizona d’Ávila Saporiti Araújo Jr., é juiz federal da Justiça Militar, titular da 5ª Circunscrição Judiciária Militar.
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