Em 1996, a Universidade de Brasília iniciou a experiência do Programa de Avaliação Seriada (PAS), substituindo o vestibular por avaliações ao longo do ensino médio. A ideia do PAS foi do professor Lauro Mohry, diretor do sistema de vestibular quando fui reitor da UnB.
O PAS acabava com o “tudo ou nada” do vestibular e permitia avaliar o desempenho de cada série de escola. Em 1995, logo que assumi o governo do DF, levei a ideia ao então reitor da UnB, Claudio Todorov que, junto com o secretário de Educação, Antônio Ibañez, implantou o PAS.
Três anos depois, o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, criou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para avaliar a qualidade da educação no ensino médio.
Em 2003, quando fui ministro, o MEC começou negociações com as universidades para adotar o PAS em todo o Brasil. Mas só em 2009, o MEC passou a utilizar o Enem como instrumento de seleção para a universidade, graças ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Essa nova destinação do Enem despertou a atenção da sociedade e da mídia, que não se interessavam pelo exame quando apenas avaliava o ensino médio. Outra lição do Enem é a demonstração da importância de gestão eficiente em qualquer setor do governo.
As dificuldades do Enem 2019 mostram a falência de um governo que, preocupado com o sectarismo ideológico, despreza a necessidade de gestão competente de programas. O Enem deste ano mostrou que temos um ministro da Educação com interesse apenas de manter o discurso estridente contra os fantasmas culturais nos quais ele acredita.
Mas, olhando para o Enem, para o Programa de Avaliação Internacional de Alunos (Pisa) e para o Índice de Educação de Base (Ideb) dos últimos anos, percebe-se que a tragédia da educação brasileira é muito maior do que o fato circunstancial do atual ministro. Ela é o resultado de todos os governos que o Brasil já teve.
Nenhum dos ministros anteriores foi capaz de convencer nossos presidentes a fazer o que imaginávamos ser necessário para o Brasil ter a boa educação. Nem conseguimos convencer a sociedade brasileira a desviar seus olhos e seus sonhos do ensino superior para a educação de base.
Os últimos governos deixaram quase o mesmo número de adultos analfabetos que herdaram, não melhoraram nossa posição no Pisa, deixaram as escolas mais violentas e os professores igualmente desprestigiados. E ainda criamos uma falsa narrativa de que fizemos uma revolução. É provável que Bolsonaro piore esse quadro, mas isso não diminui nossa responsabilidade com a catástrofe educacional.
O desastre do Enem 2019 decorre da incompetência, descuido, desinteresse e até mesmo certa alienação mental que o atual ministro demonstra, mas da falência da educação de base tem muitos outros responsáveis.
Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.
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