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O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou o repasse de R$6 bilhões para o programa “Pé-de-Meia”.
O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou o repasse de R$6 bilhões para o programa “Pé-de-Meia”.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado.

Recentemente, o governo federal lançou o programa Pé-de-Meia destinado aos alunos do ensino médio. Segundo o governo, seria um programa de incentivo financeiro na modalidade de poupança via contrapartida educacional (matrícula, frequência, Enem e conclusão), com o objetivo de promover a permanência e a conclusão escolar de estudantes do ensino médio público. Segundo artigo do ex-presidente do IBGE, Simon Schartzman, o programa teria um custo de R$ 7 bilhões, com um alcance potencial de 2,5 milhões de estudantes. Schartzman publicou também um segundo artigo, respondendo seus críticos, no qual traz evidências empíricas para enriquecer seu argumento. De que trata o programa? Não se sabe muito bem além do que tentamos descrever nas linhas iniciais. O artigo 15 do decreto que institui o programa (Decreto 11.901) afirma que o Ministério da Educação ainda irá publicar “as normas complementares necessárias à execução do Programa Pé-de-Meia”.

Em outras palavras, ainda não temos indicadores para acompanhamento das metas do programa. Quais seriam as metas? O Art. 2º nos diz que são: (1) democratizar o acesso dos jovens ao ensino médio e estimular a sua permanência nele; (2) mitigar os efeitos das desigualdades sociais na permanência e na conclusão do ensino médio; (3) reduzir as taxas de retenção, abandono e evasão escolar; (4) contribuir para a promoção da inclusão social pela educação; (5) promover o desenvolvimento humano, com atuação sobre determinantes estruturais da pobreza extrema e de sua reprodução intergeracional, e; (6) estimular a mobilidade social.

Ensina-nos o Guia de Políticas de Avaliação de Políticas Públicas Ex Ante que uma proposta de política pública deve ter objetivo bem definido e necessita levantar hipóteses sobre as causas do problema a ser enfrentado. O decreto, como visto no parágrafo anterior, não tem um objetivo claro, mas seis “desejos” bem genéricos. Não caberia no decreto, claro, um diagnóstico detalhado de suas causas. A descrição genérica dos objetivos, contudo, sem menção a indicadores a serem usados pela aferição do programa, é um mau sinal. Basta lembrar um autor muito citado pelos estudiosos da área, Paulo Jannuzzi, que afirma que “é necessário, quando da formulação desses programas, prever a organização de procedimentos de coleta e tratamento de informações específicas e confiáveis em todas as fases do ciclo de implementação, que possam permitir a construção dos indicadores de monitoramento desejados”.

Além disso, a teoria da política econômica nos ensina que, para ‘n’ objetivos (metas) é preciso ter ‘n’ instrumentos (nenhuma novidade, um argumento formalizado pelo Nobel de Economia, Tinbergen em um livro de 1952). Em segundo lugar, os instrumentos devem ser direcionados às metas nas quais têm maior impacto. Com seis “objetivos” e um único instrumento que é o incentivo da poupança, a meia do Pé-de-Meia, já parece nascer com um perigoso buraco.

Novamente, alguém pode afirmar que se trata apenas de um decreto, mas sabemos que propostas de políticas públicas não devem ser comunicadas de forma imprecisa. Fala-se muito na necessidade da boa “comunicação das evidências”, no sentido de que políticas públicas precisam ser comunicadas em diferentes linguagens adequadas a diferentes públicos de forma eficaz. Um dos mantras mais importantes da Ciência Econômica é o de que os agentes respondem a incentivos. Vamos a uma evidência, para quem gosta delas (como nós): num texto para discussão de 2012 do Banco Central, avaliando os comunicados do Comitê de Política Monetária (COPOM), os pesquisadores Márcio Janot e Daniel de Souza Mota sugerem que o mercado financeiro reage à comunicação do Banco Central do Brasil e as evidências mostram que há redução significativa na volatilidade das taxas de juros futuras após a divulgação das atas do Comitê de Política Monetária (COPOM) e dos Relatórios de Inflação.

Portanto, normativos de políticas públicas poderiam – e deveriam – ser mais claros nesse sentido. Muito se fala em “linguagem simples”, mas não é a simplificação da linguagem a panaceia universal, o único critério para que se comunique melhor uma política pública. Mais importante é que o anúncio de uma política pública venha acompanhado das notas técnicas, dos estudos ex ante da política, caso existam. O anúncio oficial, no site do governo, não nos dá nenhum link para quaisquer desses documentos.

Voltando ao programa em si, a imprensa pouco se questionou sobre seus aspectos básicos. Por exemplo, o governo anunciou uma estimativa de custo, mas não do benefício esperado. Com seis objetivos tão genéricos, o risco é de que não exista uma resposta e, se for assim, o programa passa a ser apenas uma distribuição de dinheiro cujo sucesso será vagamente descrito em palavras bonitas, mas vazias. Em uma era digital, na qual o governo lhe dá até uma prévia do imposto de renda a ser pago, não há justificativa para não fazer uma divulgação mais completa das políticas que se pretende implementar.

Faria bem a administração federal incentivar a divulgação de notas técnicas e estudos prévios à implantação de políticas públicas, independentemente do volume de recursos envolvido. Mesmo porque, como sabemos, o governo não gera um centavo para bancar um programa, os pagadores de impostos o fazem. Portanto, o pagador de impostos merece esse cuidado.

Claudio D. Shikida é professor de Economia do Ibmec-BH; Ari Francisco de Araujo Jr. é coordenador do curso de Economia do Ibmec-BH.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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