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Já passou da hora de o Brasil classificar as organizações criminosas como o que elas realmente são: grupos terroristas. A operação realizada no Rio de Janeiro na semana passada escancarou para todo o país uma realidade que, há anos, milhões de brasileiros conhecem na pele. Estima-se que 50 milhões de pessoas vivem em áreas dominadas pelo crime organizado. Nessas regiões, o Estado brasileiro simplesmente não existe. Quem manda é a facção, quem dita as regras é o tráfico, quem aplica a “lei” é o Tribunal do Crime.
Para esses brasileiros, a liberdade é uma ilusão. O toque de recolher é imposto por marginais armados. O pão do café da manhã é vendido sob o selo do Comando Vermelho. A água e o gás chegam com um “imposto” cobrado pela facção. A internet, se houver, é aquela que o crime oferece. Pequenos comerciantes precisam pagar para funcionar. Filhas vivem sob constante ameaça de abuso. Filhos são aliciados desde cedo para engrossar o exército das facções. É uma vida de medo constante, de silêncio forçado e de total ausência de direitos básicos.
Mesmo diante de tamanha barbárie, uma parte da elite política e intelectual ainda prefere negar essa realidade. Tentam normalizar a dominação territorial como “criminalidade comum”, como se estivéssemos lidando com furtos isolados ou brigas de bar. Mas os dados e, mais ainda, o clamor popular desmentem esse discurso. Quase 90% dos moradores de comunidades do Rio de Janeiro apoiaram as operações policiais no Complexo do Alemão e da Penha. Porque, ao contrário de certos “especialistas”, quem vive sob o jugo do crime sabe exatamente o que está enfrentando: um regime de terror.
Durante anos, a segurança pública foi tratada como pauta secundária. A corrupção, a crise econômica e outras urgências tomaram o centro do debate. Mas isso mudou. A insegurança virou a maior preocupação do brasileiro, e não à toa. O crime organizado já não se limita a favelas do Rio ou zonas periféricas de grandes capitais. Ele avança sobre o interior, sobre rodovias, sobre cidades médias.
Bandido perigoso tem que estar na cadeia por muito tempo. E para isso, precisamos classificar as facções como organizações terroristas. Isso aumenta a pena para até 30 anos, criminaliza atos preparatórios como financiamento e apologia
Diante disso, o que faz o Governo Federal? Minimiza. Omite. E quando se pronuncia, é para atacar quem combate o crime, não os criminosos. O atual Ministro da Justiça insiste em classificar essas ações como “banditismo”, ignorando por completo a estrutura, a ideologia e o método das facções. Finge não ver os símbolos, as músicas, os rituais de lealdade, a adoração aos líderes e a clara tentativa de substituir o Estado por um poder paralelo. Se isso não é terrorismo, então o que é?
Em qualquer país sério do mundo, esse tipo de organização seria tratado como grupo terrorista. Nos Estados Unidos, na Europa e, mais recentemente, em El Salvador, a resposta ao crime organizado é firme. Lá, o Estado recuperou o controle, aumentou penas, desmontou lideranças e devolveu a paz à população. El Salvador, que já foi o país mais violento do mundo, hoje é um exemplo de retomada da soberania. Aqui, no entanto, seguimos presos a uma legislação frouxa e ultrapassada, feita sob medida para proteger interesses políticos e ideológicos.
A atual Lei Antiterrorismo brasileira, aprovada em 2016 sob o governo Dilma Rousseff, restringe o conceito de terrorismo a ações motivadas por xenofobia, preconceito racial ou religioso. Foi uma manobra política para proteger os black blocs, o MST e outros grupos aliados do governo petista à época. O resultado é que hoje o Brasil virou o paraíso dos criminosos e o inferno do cidadão de bem.
Como se não bastasse essa omissão, o governo ainda tenta empurrar goela abaixo a PEC da Segurança Pública, que, longe de fortalecer o combate ao crime, engessa ainda mais a atuação das forças policiais. É uma proposta que burocratiza a repressão e desautoriza os governadores, impedindo ações coordenadas e rápidas como a que foi feita em Minas. Enquanto isso, os policiais que arriscam a vida todos os dias para proteger a população são criticados, processados e desmoralizados por quem vive em bolhas de segurança e privilégio.
É por isso que os governadores que ainda acreditam na lei e na ordem se uniram no Consórcio da Paz. Uma aliança para dizer, em alto e bom som, que quem domina território com fuzil nas mãos é inimigo do povo brasileiro e deve ser tratado como tal. Governador que quiser enfrentar o crime não estará mais sozinho.
Mas é preciso mais. A solução não exige comissões eternas nem discursos vazios. A solução é simples e direta. Bandido perigoso tem que estar na cadeia por muito tempo. E para isso, precisamos classificar as facções como organizações terroristas. Isso aumenta a pena para até 30 anos, criminaliza atos preparatórios como financiamento e apologia, coloca a polícia federal para investigar e permite o uso imediato das Forças Armadas e da Força Nacional.
O substitutivo ao PL 1283 de 2025 oferece esse caminho. Ele cria um novo tipo penal, a dominação territorial armada, com tratamento jurídico equivalente ao terrorismo. É uma solução urgente e necessária. O território brasileiro precisa voltar a ser dos brasileiros. De todos eles. Inclusive dos que moram onde o Estado desistiu de existir. Se queremos defender nossa soberania, precisamos começar por aqui.
Anne Dias é advogada e comentarista da Gazeta do Povo.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



