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As recentes declarações de Luiz Inácio Lula da Silva e do colombiano Gustavo Petro não configuram “gafes” retóricas. São, na verdade, posicionamentos ideológicos calculados que sinalizam uma nova doutrina para a América Latina, especialmente diante da declarada “guerra às drogas” e aos narcoestados rearticulada pela administração Trump.
Lula, ao criticar as ações antidrogas dos EUA no Caribe, afirmou que “os traficantes são vítimas dos usuários”. Petro, em paralelo, rebatendo acusações de Trump, declarou que os envolvidos no crime não são “narcotraficantes”, mas “trabalhadores do tráfico de drogas”. Numa análise de política e poder, essa semântica não é inocente. Ela não busca descrever a realidade, mas construir uma nova – cumprindo funções estratégicas claras.
O que se vê no Rio não é o fracasso do Estado – é o sucesso da doutrina. O Foro de São Paulo e seus aliados táticos avançam não mais como uma 'ponte' para o crime, mas como a própria infraestrutura legal e ideológica
Primeiramente, deslegitimar a ordem legal: o objetivo primário é uma inversão conceitual. Ao classificar o criminoso como “trabalhador” ou “vítima”, o Estado (a polícia, o Judiciário) que o reprime é automaticamente redefinido como o “opressor”. A lei deixa de ser o pilar da civilização e passa a ser uma ferramenta de “opressão de classe”.
Segundamente, neutralizar a influência dos EUA: a “guerra às drogas” é, há décadas, a principal arquitetura de justificação para a presença militar, de inteligência e de financiamento dos Estados Unidos na América Latina (vide Plano Colômbia). Ao redefinir o narcotraficante – o “inimigo” dessa guerra – como um “trabalhador precário” em uma “economia global desigual”, Lula e Petro buscam minar a premissa moral que sustenta a intervenção americana.
Por fim, consolidar o eixo do Foro de São Paulo (FSP): o FSP, fundado por Lula e Fidel Castro, sempre foi criticado por sua ambiguidade, servindo de ponte entre a ideologia revolucionária e o crime organizado. O que assistimos agora é a evolução dessa aliança tática para uma fusão simbiótica. O narcoestado deixa de ser um “acidente” ou um “aliado” e passa a ser o próprio modelo de financiamento da “revolução”.
Essa reengenharia semântica tem lastro. Em setembro de 2025, em Manaus, Petro já havia defendido a cocaína como “menos letal que a metanfetamina”, pregando sua legalização. A cumplicidade silenciosa de Lula no evento não foi casual. Essa doutrina, contudo, já encontrou sua validação prática e imediata nos eventos dos últimos dias no Rio de Janeiro.
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O cenário de guerra, resultante de uma megaoperação e marcado por ataques criminosos coordenados que deixaram mais de 100 mortos e uma demonstração de força militar pelo crime organizado, não ocorre no vácuo. Ele eclode exatamente no momento em que o Supremo Tribunal Federal opta por reforçar a ADPF 635 (a “ADPF das Favelas”), mantendo restrições severas às operações policiais em áreas conflagradas.
O que assistimos é uma pinça estratégica perfeitamente sincronizada. Enquanto o eixo Executivo (Lula) e seus aliados continentais (Petro) fornecem a justificativa semântica para a normalização do crime, o Judiciário (STF) fornece a blindagem legal que paralisa a reação do Estado. A doutrina que transforma o criminoso em “trabalhador” é a mesma que, na prática, impede a polícia de combater o “trabalho” desse criminoso. Isso não é uma “gafe” ou “coincidência”.
O que se vê no Rio não é o fracasso do Estado – é o sucesso da doutrina. O Foro de São Paulo e seus aliados táticos avançam não mais como uma “ponte” para o crime, mas como a própria infraestrutura legal e ideológica que transforma o narcoestado de “ameaça” em stakeholder. A soberania está sendo formalmente transferida – seja pela retórica do Planalto, seja pela caneta do Judiciário.
Marcos Paulo Candeloro é graduado em História (USP), pós-graduado em Ciências Políticas (Columbia University- EUA) e especialista em Gestão Pública Inovativa (UFSCAR).
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



