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A proteção de menores no ambiente digital

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de sanção do Projeto de Lei n° 2628/2022, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente Digital. Palácio do Planalto – Brasília (DF) Foto: Ricardo Stuckert / PR (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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Em 17 de setembro de 2025, foi sancionada a Lei 15.211/2025, oriunda do Projeto de Lei 2.628/2022, que institui o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital). A nova legislação estabelece diretrizes inéditas para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, com foco em plataformas digitais, redes sociais, aplicativos e jogos eletrônicos. A vacatio legis foi fixada em seis meses, conforme a Medida Provisória nº 1.319/2025, de modo que sua entrada em vigor ocorrerá em março de 2026.

O ECA Digital representa uma atualização normativa significativa do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), constituindo um marco regulatório histórico na proteção da infância e da juventude frente à hiperconectividade e aos desafios tecnológicos contemporâneos, além de ser oficialmente a primeira legislação da América Latina dedicada exclusivamente à proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital.

O ECA Digital tem como escopo a mitigação de riscos digitais, tais como publicidade emocional, perfilamento comportamental e exposição a conteúdos inadequados. Reforça-se, assim, o princípio da proteção integral previsto no artigo 1º do ECA, em consonância com o artigo 227 da Constituição Federal, que impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais da criança e do adolescente. No contexto digital, esse dever se concretiza por meio de obrigações específicas impostas às plataformas tecnológicas, que passam a ser responsabilizadas pela exposição indevida de menores. Entre as proibições expressas na norma estão a publicidade direcionada com base em perfil emocional ou comportamental de menores, o uso de caixas de recompensa (loot boxes) em jogos eletrônicos voltados ao público infantojuvenil, a monetização de funcionalidades que incentivem o uso compulsivo, a exposição a conteúdos ilícitos ou manifestamente inadequados – como pornografia, apologia ao suicídio, bullying e jogos de azar – e a coleta de dados pessoais sem consentimento expresso dos responsáveis legais, inclusive para fins de verificação de idade.

Adicionalmente, plataformas, aplicativos e sistemas operacionais passam a ter o dever jurídico de incorporar salvaguardas por padrão, tais como configurações de privacidade restritivas, classificação de conteúdo por faixa etária (privacy by design), ferramentas obrigatórias de supervisão familiar, mecanismos de mitigação de riscos à saúde mental e canais acessíveis de denúncia e moderação. A supervisão parental deve ser disponibilizada de forma efetiva, permitindo aos responsáveis legais limitar o tempo de uso, ajustar recomendações e desativar funcionalidades sensíveis, como a geolocalização.

Em caso de incidentes de segurança envolvendo dados pessoais de crianças e adolescentes, a LGPD impõe obrigações rigorosas. O controlador deve comunicar à ANPD e aos titulares dos dados (ou a seus responsáveis legais) no prazo de até três dias úteis, caso haja risco ou dano relevante

Sob a perspectiva da proteção de dados pessoais, o ECA Digital se articula com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018), especialmente com o artigo 14, que determina que o tratamento de dados de crianças e adolescentes deve observar o princípio do melhor interesse do titular. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já publicou enunciados interpretativos e guias orientativos que reforçam esse entendimento, destacando que o melhor interesse do menor deve prevalecer sobre qualquer finalidade comercial. A verificação de idade, por exemplo, deve ser realizada com uso mínimo de dados, exclusivamente para fins de checagem etária, sendo vedada a reutilização ou o compartilhamento das informações coletadas.

A responsabilização das plataformas digitais é reforçada pela previsão de sanções administrativas, que podem alcançar o montante de R$ 50 milhões. A legislação prevê medidas graduais, que vão desde advertências até a suspensão de atividades, além da exigência de relatórios periódicos de riscos e de moderação. A atuação do órgão regulador deve preservar o equilíbrio entre proteção e liberdade de expressão, vedando práticas de vigilância massiva.

Importante destacar que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) já previa cuidados específicos no tratamento de dados de menores, especialmente no artigo 14. O Enunciado CD/ANPD 1/2023 reforça a interpretação de que o melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer em qualquer operação de tratamento de dados. O Guia da ANPD sobre Hipóteses Legais de Tratamento de Dados Pessoais (fev./2024) estabelece que o legítimo interesse pode ser utilizado como base legal inclusive para dados de crianças e adolescentes, desde que seja realizado um teste de balanceamento, avaliando a necessidade do tratamento, a expectativa legítima do titular (ou de seu responsável legal), os direitos e liberdades fundamentais envolvidos, bem como a transparência e o registro das operações. Além disso, deve ser observada a prevalência do melhor interesse do menor, conforme exigido pelo artigo 14 da LGPD.

O mencionado Guia da ANPD também esclarece que o legítimo interesse somente pode ser aplicado quando houver relação direta entre o controlador e o titular dos dados, e desde que não haja riscos desproporcionais aos seus direitos fundamentais. O controlador deve documentar a análise e, se necessário, elaborar um Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD).

Quanto à verificação de idade, a norma determina que o uso de dados pessoais deve ser mínimo, com finalidade exclusiva de checagem etária, sendo proibida a reutilização ou o compartilhamento das informações coletadas. O procedimento deve ser transparente e apresentado em linguagem acessível aos responsáveis legais.

Em caso de incidentes de segurança envolvendo dados pessoais de crianças e adolescentes, a LGPD impõe obrigações rigorosas. O controlador deve comunicar à ANPD e aos titulares dos dados (ou a seus responsáveis legais) no prazo de até três dias úteis, caso haja risco ou dano relevante. A comunicação deve conter, no mínimo, a descrição do incidente, os tipos de dados afetados, o número de titulares envolvidos, as medidas de segurança adotadas, o plano de mitigação e os dados de contato do encarregado e do controlador.

Cristiane Manzueto e Carolina Peyres da Silveira Cesarini são advogadas do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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