Se um disco-voador sobrevoasse o planeta Terra e raptasse 100 suecos e 100 brasileiros, os ETs interplanetários notariam imediatamente grandes diferenças entre esses dois grupos. O grupo de suecos seria 100% alfabetizado e comportado. A maioria deles confiaria no governo e cumpriria leis, seria civilizada e com maior nível de honestidade. O grupo de brasileiros seria mais alegre, falador, bagunçado, contaria piadas, teria gente que nunca lê livros e mais pessoas que não confiam nas outras nem no governo.
Não há nada de extraordinário nisso, mas não estou falando apenas de estereótipos. O problema é que essas características acabam fragmentando nossa identidade nacional. A principal diferença entre brasileiros e suecos não são os cabelos louros e os olhos azuis, mas sua essência.
Nesse ano de eleições municipais, é muito importante não desistir. É isso que os corruptos mais querem: um povo fraco, manipulável e “desistista”
A indefinição do país estaria criando uma geração de brasileiros desesperançados e indefinidos? Há 2.400 anos, tentando definir a essência de todas as coisas, Aristóteles observou que há gatos de todos os tipos, tamanhos e cores. E perguntou: “O que todos os gatos têm em comum para serem identificados como gatos?” E respondeu algo como “gatice”. As árvores teriam “arvorice”, e assim por diante.
O que seria a “brasilianice”? A resposta, por definição, estaria acima de diferenças políticas entre Bolsonaristas X Lulistas, Nacionalistas X Globalistas, Nordeste X Sudeste, Éticos X Corrompíveis, Flamenguistas X Vascaínos etc. Além dos símbolos nacionais que definem nossa soberania e além da nossa imensa diversidade cultural e étnica, o que faz o Brasil ser brasileiro?
Segundo a pesquisa Branding Brasil, de 2022, a maioria dos brasileiros acredita que o país não se desenvolve porque sempre muda de rumo; que brasileiros passam muito tempo brigando entre si; considera que os brasileiros não levam nada a sério; e 55% dos jovens iriam embora do país, se pudessem.
A essência brasileira é controversa. Por um lado, a pesquisa citada mostra que os brasileiros pensam que o melhor do Brasil ainda é o brasileiro. Ao mesmo tempo, outra pesquisa de 2022, do Instituto Ipsos, mostra que o Brasil aparece no topo da lista de países desconfiados. Apenas um em cada dez brasileiros confia no próximo.
A perda da identidade nacional é um assunto muito sério. Esse conceito intangível ajuda a definir o poder e o sucesso econômico de um país. A ausência de uma identidade nacional é fonte de instabilidade política. Por exemplo, há tensões recorrentes nas regiões Catalã e Basca na Espanha, entre Escócia e Inglaterra no Reino Unido, em Québec no Canadá, em Flandres na Bélgica, e em Biafra na Nigéria. Essas regiões estão envolvidas em processos políticos reivindicando maior autonomia, ou até a formação de nações independentes. São partes de países que se sentem ignoradas pelo país como um todo.
O custo de reunificação da Alemanha comunista deficitária com a Alemanha capitalista produtiva na década de 90 foi de cerca de 2 trilhões de dólares. Qual será o custo de uma identidade nacional esfacelada, onde a maioria desconfia dos outros e se sente ignorada pelo governo?
No Brasil, por enquanto, não parecemos correr o risco de novas revoluções separatistas, como a Sabinada (1838) ou a Revolução Farroupilha (1845). Mas, se o governo atual tiver a intenção política de “dividir para reinar”, eles estão vencendo. Uma pesquisa realizada pela Gazeta do Povo em fevereiro de 2024 indicou um aumento de 64% para 83% dos que consideram o país "mais dividido": um crescimento de quase 20 pontos percentuais desde a pesquisa anterior, realizada em outubro de 2023. Com eleições municipais se aproximando, um crescimento de 20% na polarização interna de um país é um fato significativo.
Sabemos que há brigas internas em famílias, universidades e locais de trabalho por causa da política. De maneira simplificada, definimos o espectro político como sendo “esquerda X direita”, mas é muito mais que isso. “Esquerda” e “Direita” são rótulos ultrapassados. No fundo, há uma crise de confiança no governo, na política e nos políticos. Há maneiras diferentes de pensar, atuar e até visões de mundo diferentes.
Lamentavelmente, vemos a política externa brasileira desprezar aliados tradicionais, como EUA e Israel, e mudar drasticamente de rumo aliando-se com as ditaduras da Rússia, China e com a teocracia do Irã, onde gays são enforcados e mulheres são presas ou executadas por razões religiosas em pleno século XXI. A constituição chinesa descreve o sistema de governo da China como uma “ditadura democrática popular”. Segundo a Constituição de 1993, a Rússia seria uma república federativa com poderes Legislativo e judiciário Independentes. Na prática, ambos estão sob o controle do presidente Putin.
As ditaduras aliadas ao Brasil de hoje refletem nossa identidade e futuro político? Espero que não. Não me lembro de ter havido algum referendo perguntando se queríamos que o Brasil se transformasse em uma “ditadura democrática popular”, por exemplo.
Nota-se que o país agora tem mais leniência com narcotraficantes, as estatais federais já tiveram um rombo de cerca de R$ 5,4 bilhões, nossa carga tributária aumenta devido ao aumento nos gastos públicos, o número de indígenas assassinados aumentou 15% de 2022 para 2023, assim como aumentou a devastação ambiental no Pantanal e na Amazônia.
Segundo o The New York Times, foi registrado em julho de 2024 o maior número de incêndios afetando a Amazônia e o Pantanal em pelo menos duas décadas. Só em maio de 2024, as chamas devastaram na Amazônia uma área equivalente a aproximadamente 200.000 campos de futebol. Não podemos esquecer que as queimadas no interior de São Paulo em 1914 também inspiraram Monteiro Lobato a criar o personagem Jeca Tatu, personificando a essência alienada do caipira brasileiro.
O próprio Lobato acabou entendendo que a falta de saneamento criava o Jeca Tatu, devido a doenças como ancilostomose (amarelão), Chagas, malária etc. O saneamento ainda é um dos maiores desafios urbanos no Brasil. Será que temos prefeitos com visão para combater isso, além de planejar o desenvolvimento urbano, sistema de transportes, uso do solo, preservação ambiental, finanças municipais, empregos, segurança, educação?
Uma das revelações mais importantes do último censo em 2022 é que, entre os 5.570 municípios brasileiros, o crescimento relativo das cidades médias (entre 100 mil e 500 mil habitantes) superou o das cidades grandes. Ou seja: as decisões sobre o que acontecerá nessas cidades nos próximos anos definirão muito da essência do Brasil.
Muitos brasileiros reagem com desânimo. Ou desistem. Tentando ser “espertos”, profetizam: “Ah, isso aí vai acabar em pizza”. E não votam, transformando-se em “Jecas Tatus”. Nesse ano de eleições municipais, é muito importante não desistir. É isso que os corruptos mais querem: um povo fraco, manipulável e “desistista”.
Há 2.500 anos, o filósofo grego Heráclito disse: “O caráter define o destino”. Muito em breve, a partir de cada cidade, o somatório do caráter de todos nós definirá, ou não, boa parte da essência do Brasil. Será que o todo será mais do que apenas a soma de suas partes? Vamos votar para ver.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação, gestão pública e desenvolvimento urbano da ONU em Nova York.
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