É inadiável para o Brasil rediscutir seu ensino superior em todos os níveis e áreas. O sistema corrente, que hoje inspira a maior parte das Instituições de Ensino Superior (IES) em funcionamento no país, já não dá conta de responder às atuais demandas e necessidades da sociedade. Não cabe mais, em tempos totalmente permeados por tecnologias que se encontram em evolução exponencial, abrangentes e com impacto em toda a sociedade, manter as IES organizadas administrativa e academicamente tendo como base o modelo industrial do século 20.
Como, então, alinhar as instituições de educação para um mundo automatizado onde a relação humana com as máquinas cresce a cada dia, no qual tecnologias como Inteligência Artificial, Internet das Coisas, Big Data, algoritmos, robótica, entre outras, difundem-se de maneira descomunal? Tudo isso, é claro, sem desconsiderar a base que palmilha a universidade: formação cidadã, ética e social, ensino e pesquisa de impacto e relação com a sociedade.
O que se observa em grande parte é que o ensino superior brasileiro ainda não se libertou de um mundo que foi previsível, lento e com tecnologia bastante rudimentar: o mundo dos séculos 19 e 20, no qual imperavam a hierarquia, o planejamento top down e as normas estritas, em que as pessoas renunciavam à sua individualidade por exigência do ecossistema de então.
Nele, o professor atuava como o único protagonista na sala de aula das instituições de ensino, transmitindo saberes prontos e repetitivos. O aluno era passivo. Professor e livro eram as únicas fontes de saber. Não havia interdisciplinaridade. A universidade era hierarquizada, burocrática e estacionada há décadas.
Não foi à toa que Pedro Demo, um dos mais importantes pedagogos do Brasil, já em 1998, escreveu: “(...) é condição primária desconstruir a imagem de aluno (...) como sendo alguém subalterno, tendente a ignorante, que comparece para escutar, tomar nota, engolir ensinamentos, fazer provas e passar de ano”.
É difícil aceitar que na terceira década do século 21 o alerta do professor Pedro Demo esteja vigendo em grande parte das salas de aula no Brasil, quando ainda esperamos e ansiamos por soluções, leis, regulações e ordens emergentes de palácios e cabeças iluminadas.
Pois bem. Apesar de o modelo do sistema universitário continuar respondendo a muitas demandas e instituições, apoiando-se ainda numa reforma universitária de 1968, esse mundo acabou. O dia a dia ao nosso redor testemunha tal realidade. O mundo previsível do século 20 foi tomado e substituído pelo mundo imprevisível, complexo, fora do controle, instável e com velocidade exponencial. Um mundo VUCA – volátil, incerto, complexo, ambíguo – ou, para utilizar um termo mais atual, um mundo BANI – frágil, ansioso, não linear e incompreensível.
Como constatou o professor Glauco Arbix em comentário de 2018, “o impacto das novas tecnologias digitais sobre a vida das pessoas, das economias e de todas as sociedades pelo mundo afora aumenta de forma muito rápida”. Agora, a remodelagem da vida passa a acontecer em níveis inéditos na história da humanidade. Encontramo-nos, portanto, num momento de inflexão na história.
Tecnologia mais disruptiva a cada dia que passa, poderosa, disponível e veloz. Indivíduo conectado e com acesso amplificado a diversas informações. É esse o cenário no qual estamos, de autonomia na tomada de decisões. Ao contrário do indivíduo do século 20, que renunciou à sua individualidade por exigência ecossistêmica, o indivíduo do século 21 se tornou autoridade intocável.
Mediante tais mudanças, as instituições devem aprender a lidar com esse novo contexto, de pessoas mais conectadas, livres, com mais informações e críticas. O mundo, afinal, conta com um novo ecossistema. Esse é o caso do Sistema Nacional de Educação Superior – hoje centrado nos estudantes e não nas instituições.
O grande desafio é preparar o estudante para um mundo tão desafiador, cuja evolução tecnológica ininterrupta torna a sua formação rapidamente esgotada em termos de preparo. A pergunta que não cala é como formar profissionais competentes e cidadãos solidários aptos a enfrentar com naturalidade mudanças disruptivas frequentes e qualificados para solucionar, futuramente, desafios complexos que são desconhecidos no momento da sua formação e que exigirão o uso de tecnologias ainda indisponíveis?
É essa a realidade. Ignorá-la significa retroceder. Que entendamos e leiamos no horizonte o sinal dos tempos. Fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwabb já afirmou que vivemos “mudanças tão profundas que, na perspectiva da história humana, nunca houve um momento tão potencialmente promissor e perigoso”. Por isso, é inadiável propor um plano nacional de graduação que se adeque à realidade digital decorrente da revolução 4.0 que marca o século 21, respondendo às demandas e à realidade do país. Essa é a solução.
Waldemiro Gremski é vice-presidente do Conselho de Reitores das Universidades do Brasil (CRUB). Foi presidente da mesma entidade entre 2019 e 2021 e reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) de 2014 a 2021.
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