É posição de senso comum concordar que as redes sociais possuem um ambiente de opiniões tóxicas, agressivas e pouco piedosas. Quantas vezes você já vivenciou a experiência de abrir os comentários de uma postagem e lá residirem exposições bestiais? Ou até mesmo na sua própria publicação? Por outro lado, se encontramos no comportamento online tantas declarações espontâneas e desenvergonhadas nas mídias sociais, não experimentamos o mesmo fenômeno circulando pela cidade, com as pessoas desveladas do aparelho eletrônico.
A que causa esta manifestação se submete? Por que o ambiente virtual, aparentemente, incentiva um comportamento online agressivo e violento? Qual o tipo de personalidade mais suscetível a ser influenciada a comportar-se desta maneira? Essas perguntas são verdadeiramente complexas, e não posso pretender abarcá-las em profundidade em um texto tão curto. No entanto, intenciono ao menos cotejar algumas elucidações.
Se enunciamos que a raiva não é um estado de repouso natural do ser, queremos dizer que é causada por algo, desde um fenômeno, objeto, circunstância, até uma ideia abstrata. É possível observar que um dos fundamentos do ódio é o medo, sentimento promotor de uma reação emocional. Tal casualidade é muito clara no mundo de alma sensitiva, em relação aos animais. Paralelamente, as redes sociais estão espumando ódio, comentários agressivos e difamações são norma em postagens de alguma relevância.
Algumas características comuns para esse tipo de comportamento online são visíveis nesses acontecimentos. Primeiro, parece que quanto mais despersonalizada/velada a pessoa que ofende, mais intenso é o ato. Segundo, quão mais distante – tanto menos possível uma comunicação real e direta – de contato o alvo do ódio está, mais liberdade o sujeito toma para desferir a agressão.
O medo de ser sempre menos que os outros dá vazão a outro sentimento; a inveja de uma vida ideal e irreal publicitada pela blogueira(o) mais infeliz; assim, o desejo agora que arde é o de diminuir os outros para esconder sua própria miséria
Ambos os casos podem ser vistos em outros contextos. No caso da despersonalização, os xingamentos no trânsito são exemplos manifestos, uma vez que é mais fácil ofender um motorista impessoal em um carro desconhecido, e ainda estar imperceptível com vidro fumê, dentro do seu automóvel. Outro exemplo, agora sobre o distanciamento, quem nunca injuriou um juiz de futebol? E não faria o mesmo se o próprio estivesse em sua frente?
Devemos, agora, estudar mais atentamente o comportamento online de ódio com intersecção ao medo. A tranquilidade é um estado em que há a ausência de sentimentos que necessitem de atenção, portanto, não há tranquilidade, em geral, em interações nas mídias. É comum nos comentários uma intencionalidade de rebaixamento da honra, moral e dignidade do ser. O que ocorre, por vezes, a custa de divergências banais e vulgares, como discordâncias políticas, futebolísticas, de estilo de vida etc.
A partir desse momento, teorizo sobre a causa mais profunda deste comportamento, quase que generalizado. Mesmo eu já tive o ímpeto de escrever mensagens impiedosas sem a mínima necessidade e proporção, mesmo que nunca tenha realizado o ato; tenho, portanto, algum respaldo de quem já experienciou o sentimento, para buscar uma razão aos fatos.
A massiva proporção de pessoas conectadas as redes promove infinitas possibilidades de conteúdo e de comportamentos online. As pessoas que estão inseridas nas mídias, quase que necessariamente, acompanham usuários que não conhecem na realidade; desse modo, veem somente o simbolismo dos posts, majoritariamente positivos, indicando uma vida ordenada e interessantíssima. A vivência cotidiana ao testemunhar essas postagens de (van)glória, acarreta dois sentimentos: de medo e ansiedade no observador. O primeiro por temer nunca ser o protótipo perfeito vendido nas redes. O segundo, por crer ser urgente uma transformação radical na vida.
O medo de ser sempre menos que os outros dá vazão a outro sentimento; a inveja de uma vida ideal e irreal publicitada pela blogueira(o) mais infeliz; assim, o desejo agora que arde é o de diminuir os outros para esconder sua própria miséria. Mas como todo o mal, é absolutamente desordenado. As vítimas do ódio latente são todas as que pachorramente tiverem a coragem de contrariar alguma ideia sua, apresentar sua vida ou tomar alguma posição em vista de um assunto. E assim o ódio se dá, pois, à medida que o sujeito sente sua dignidade ferida, amedronta-se, e reage com agressão.
A “solução” para esse comportamento online sintoma de uma sociedade doente é clara: o conhecimento do real. Somente compreendendo a natureza humana, suas dificuldades, potências e dores, será possível entender a sua função no mundo. Além disso, muito dificilmente é possível alguém viver uma vida perfeita, como a vendida nas mídias.
A ética aristotélica nos mostra que a felicidade é um estado de excelência moral, ou seja, a prática concreta de uma vida virtuosa. Porém, sabe-se também, que o homem não consegue permanecer em estado de perfeição absoluta, acertando implacavelmente a justa medida de suas ações, mas consegue chegar ora sim, ora não, á Eudaimonia. Cada pessoa tem suas capacidades inatas e apreendidas, que são só suas, individuais e únicas, portanto, se comparar com os outros, não passa de uma grande tolice.
É justo, por fim, lembrar que ser humano é político, portanto, social. Não é um cosmos fechado em si próprio, mas interage ativa e passivamente com o ambiente. Aristóteles dizia que o homem que vivia fora da pólis só poderia ser duas coisas: ou um animal, ou um Deus. Visto que não se conhecia deuses humanos fora da pólis, todo o homem apartado da sociedade seria uma besta. Portanto, somos sempre suscetíveis a incentivos externos, desse modo, cabe a nós termos consciência da nossa fraqueza moral e proteger-nos de influências maléficas, neste caso, da interação desproporcional com as mídias sociais, e principalmente, conteúdos fúteis e belicosos.
É verdade que nos moldamos virtuosamente a partir de vidas exemplares; também podemos nos desvirtuar a partir de vidas não exemplares. O ódio e o medo nas redes sociais parecem ser contagiosos. Estar em meio a um contexto adverso intensifica o risco de ser afetado por seus efeitos deletérios.
Bruno Trindade é estudante de administração na UFRGS e filosofia na academia atlântico.
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